Formas de retratar a sociedade - Novo Livro de Howard Becker - Por Dellano Rios


O sociólogo norte-americano Howard Becker fala ao Caderno 3 sobre seu novo livro, que trata de formas não- acadêmicas de representar o social




Em 2006, Howard S. Becker, sociólogo norte-americano, lançou um livro que prometia desagradar muita gente em sua disciplina. Talvez por isso, tenha escolhido este momento de sua vida para reunir e lançar volume único um conjunto de reflexões que põe em questão certa pretensão da sociologia de ser o discurso mais autorizado para descrever os fenômenos sociais. O livro era "Falando da Sociedade", que acaba de chegar às livrarias brasileiras, como parte da coleção: Antropologia Social, dirigida por Gilberto Velho.

O livro é a manifestação de uma preocupação que acompanha Becker há várias décadas. Quando fez seu doutorado, escolheu por tema o trabalho de professores escolares, atentando para pontos que então preocupavam a Escola de Chicago (um dos mais importantes grupos das ciências sociais norte-americanas). Ele estava atento para a maneira que se tratava em sala temas como raça e status sociais (de certa forma, o discurso da sociologia fora da universidade). Publicou em 1963, "Outsiders", no qual introduzia a "sociologia do desvio", tratando do consumo de maconha entre os músicos de jazz. Becker conhecia bem este universo, já que tocava piano em bandas do gênero. Dessa forma, convocava seu saber em uma outra área para seu texto sociológico.

Aos 81 anos, Howard Becker colocou às claras a forma como ver o fazer sociológico. Visão esta que parte de uma crítica à pretensão da disciplina ao monopólio do discurso crítico sobre a realidade social.

"Todo grupo profissional tentar obter um monopólio sobre algo, para justificar os privilégios que goza. Os cientistas sociais não tem muitos privilégios, mas parecem acreditar que, se sua linguagem é distintiva e diferente, as pessoas vão prestar mais atenção neles. Certa vez, quando mostrei a um estudante como ele poderia dizer o que tinha da maneira mais simples e clara , ele me falou: ´Ora, Howie! Se eu disser simples assim, vai parecer uma coisa que qualquer um poderia dizer´. Ele queria se expressar de uma forma que ninguém mais pudesse fazê-lo, como se a maneira dele dizer - mais do que o que se tem para dizer - fizesse as pessoas aceitarem suas proposições", explica Howard S. Becker.

Ele pensa a sociologia como uma representação do social possível dentre outras que também o são. Esta é a mensagem de seu prefácio. No corpo do livro, Becker a desenvolve em ensaios que contemplam a literatura (de escritores como Italo Calvino, Jane Austen e Georges Perec), a fotografia (de W. Eugene Smith e Walker Evans), o teatro e a matemática. Para Becker, cada uma dessas linguagens desenvolve estratégias de representação, e com elas soluções para impasses que persistem em outras áreas.

Clareza

"Quando nos atentamos para outras formas de falar sobre a sociedade, obtemos mais recursos para contar o que sabemos, e aprendemos a dizer essas coisas de uma forma melhor. Por exemplo, a leitura de um periódico universitário, escrito em prosa acadêmica convencional, não vai facilitar muito para a gente na hora de descrever um conflito - bem melhor é fazer à maneira dos dramaturgos e cineastas, trazendo à vida as partes opostas e dando voz a elas", argumenta Becker.

Questionado sobre os obstáculos que colocam para importar conhecimentos produzidos em linguagens não acadêmicas para o discurso sociológico. "Um obstáculo importante é que você tem que aprender uma nova linguagem. Fotografar não é simplesmente apertar um botão na câmera. Há muito o que saber. Escrever ficção ou teatro são campos difíceis e requerem o aprendizado de novas habilidades. A maioria dos cientistas sociais acha que, uma vez que você tem uma titulação alta, não é preciso aprender mais nada - o que, claro, não é verdade", diz.

Autor de prosa clara e desembaraçada, Howard Becker é um duro crítico do rebuscamento dos textos acadêmicos. "Acho que a prosa acadêmica é uma forma pretensiosa de tentar fazer o que se diz parecer profundo. Se é difícil de compreender, espera-se que as pessoas pensem que é por que as ideias ali colocadas são profundas e complicadas. Mas muitos autores nos mostraram que isto não é necessário. Os brasileiros podem prestar atenção, por exemplo, na escrita de Sérgio Buarque de Holanda ou Antonio Candido, para ver uma prosa que é clara e simples, mas que ao mesmo tempo expressa ideias importantes e originais".




Iwo Jima, pelas lentes de W. Eugene Smith. Capacidade da fotografia de falar da sociedade é um dos temas do novo livro do sociólogo Howard S. Becker








A "santíssima trindade" da sociologia

Poucas disciplinas tem um cânone tão rigidamente estabelecido quanto à sociologia. Se os fundadores desta ciência ainda estão presentes no produções contemporâneas de seus continuadores, a razão talvez resida na solidez dos postulados de Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber.

É ao trio que se dedica o introdutório: "Sociologia clássica: Marx, Durkheim e Weber", de Carlos Eduardo Sell, doutor em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina e professor da mesma instituição. No livro, o recorte é preciso - eximindo-se de comentar a obra de outros clássicos, que gozam de menos fama que a "santa tridade" sociológica (caso dos filósofos Auguste Comte e Friedrich Engels e dos sociólogos Gabriel Tarde, Marcel Mauss, Georg Simmel). O estudo de Carlos Eduardo Sell se concentra em três pontos fundamentais que aparecem na obra dos autores (e que cada um soluciona a sua maneira): sua teoria sociológica, sua teoria da modernidade (pois era esta uma das preocupações dos pensadores entre o final do século XIX e começo do século XX) e a teoria política.

Fonte: http://diariodonordeste.globo.com [com adaptações]

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