Os Nirvana antes de 'Smells Like Teen Spirit' – Por Luís Filipe Rodrigues


'Bleach', o primeiro álbum do trio norte-americano, foi editado há 20 anos, em 1989. Agora, a editora independente Sub Pop reedita o disco com faixas bónus ao vivo

"Esta é do nosso primeiro disco. A maior parte das pessoas não o conhece". É assim que Kurt Cobain apresenta a canção About A Girl a 18 de Novembro de 1993, quando os Nirvana gravam o seu MTV Unplugged. Quando o corpo do cantor/compositor é encontrado a 8 de Abril de 1994, essa situação muda. O interesse póstumo na sua obra leva novas gerações ao encontro daquele primeiro disco, e uma versão acústica de About A Girl, editada como single, chega ao topo das tabelas de vendas. Mesmo assim, nem todos saberão que esse álbum de estreia se chama Bleach, que fez 20 anos em 2009, que ontem foi reeditado.

Como se justifica este desconhecimento? É simples: os Nirvana de Bleach eram uma banda diferente daquela que em Setembro de 1991, com uma canção, Smells Like Teen Spirit, e um disco, Nevermind, levou a música alternativa às massas, mudando o cenário pop, e introduzindo a palavra grunge no uso corrente. Além de não terem ainda o carismático Dave Grohl na bateria, escreviam canções mais pesadas, cruas e, paradoxalmente, inocentes. E não tinham o apoio de uma multinacional.

Estas diferenças fazem-se notar naquele que é o disco menos polido do grupo, um épico de baixa fidelidade gravado por 606, 17 dólares (pouco mais de 400 euros, à taxa câmbio de actual) por Jack Endino, o "produtor do grunge". Foi ele quem remasterizou esta nova edição comemorativa, disponível em vinil e num CD com mais uma dúzia de faixas gravadas ao vivo em Portland no início dos anos 90. Chad Channing era então o baterista, mas Dale Crover, dos Melvins, também ocupara o cargo por um breve período (e ainda o ouvimos em três das faixas de Bleach, retiradas de uma maqueta ).

Na altura, Kurt Cobain escondia o talento para a construção de temas pop certeiros atrás dos riffs de uns Black Sabbath e da agressão de uns Black Flag (ou Big Black). Era precisamente neste cruzamento entre o punk e o metal que residia Bleach, um disco directo e sujo, que não deixava porém de reflectir as diversas influências do grupo e do seu líder, um admirador de temas pop eruditos e inocentes.

O baixista Krist Novoselic costumava contar que, enquanto estavam a compor o primeiro álbum, os Nirvana andavam em digressão com uma cassete muito particular. Reza a história que num lado se podia ouvir o indie pop dos norte-americanos The Smithereens, e no outro o black metal dos precursores suíços Celtic Frost. Pode nem ser verdade, mas soa verosímil, visto que Cobain era um melómano omnívoro, como atestam alguns textos biográficos, ou mesmo os diários reunidos no livro Journals.

O que a historiografia oficial ignora frequentemente é que Bleach foi um pequeno sucesso indie. Abraçado pela imprensa inglesa antes de fazer ondas nos EUA, foi a par dos discos de músicos como os Mudhoney um dos primeiros álbuns saídos da cena grunge a ter alguma exposição a nível internacional. Nele, temas mais pop como About A Girl ou a popular versão de Love Buzz, um original dos Shocking Blue, serviam de contraponto à violência e à distorção que imperavam durante a maior parte do tempo, em faixas como School ou Negative Creep. O futuro parecia então promissor (mas não tanto). Passados dois anos, os Nirvana eram a maior banda de uma década que acabara de começar.

Fonte: http://dn.sapo.pt


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