A arte como marca de um passado distante - Por Renê Müller


Pedra em formato de cabeça é uma das descobertas de pesquisadores no Morro das Aranhas, em Florianópolis.



Quem imaginaria: no tempo em que ainda se formavam os núcleos de colonização do país, grande parte das riquezas eram caçadas sob símbolos rupestres. Antes da chegada dos padres católicos ao Brasil, os índios tinham na natureza suas divindades. As milenares inscrições em pedra, então, comprovavam a espiritualidade dos nativos.

Daí o fato de que alguns dos sítios de intervenção rupestre (palavra que significa inscrição em pedra) foram depredados há séculos. Esconderiam, pelas crendices de então, tesouros enterrados. Era uma das maneiras de conseguir, por via indireta, que os símbolos pagãos fossem destruídos. O mesmo já havia ocorrido muito tempo antes, na Europa. Isso explica, por exemplo, por que alguns sítios de inscrições localizados no litoral de Santa Catarina estão bastante danificados, bagunçados.

Boa parte das intervenções rupestres, curiosamente, localiza-se em pontos de acesso fácil, muitos dos quais frequentados diariamente. Uma das razões seria a pouca atenção dada às inscrições e monumentos por arqueólogos. A mobilização científica em torno dessas manifestações é recente. No Norte da Ilha de Santa Catarina, o cenário também é descaracterizado. Na trilha do Costão do Morro das Aranhas, no Santinho, um dos sítios mais interessantes – o “sítio da poltrona” – foi bastante castigado, mas ainda mantém algumas das características deixadas pelos nativos. Uma delas, claro, é a “poltrona”, uma pedra que foi limada de modo a comportar a presença de uma pessoa sentada.

O local ainda conta com uma “cabeça” de pedra, um ofertório – semelhante aos que os incas utilizavam nos Andes –, e um rosto oculto no paredão. Mas não seriam as formas encontradas na pedra simples coincidência? Não, explica o pesquisador de inscrições rupestres Keler Lucas. Lucas é pesquisador há 29 anos, e autor das obras: Arte Rupestre em Florianópolis (1994) e Arte Rupestre em Santa Catarina (1996). Ele mostra que o trabalho feito na pedra pela intervenção humana é fácil de ser identificado. Até a textura da pedra fica diferente. Uma marca de entalhada indica claramente a nova descoberta de Keler e do coordenador de Ecologia do resort Costão do Santinho, Ciro Couto: uma grande pedra em formato de cabeça, localizada na metade da trilha. "Imaginávamos que pudesse ser a representação de uma cabeça, mas há pouco é que, enxergando a pedra do outro lado, tivemos a certeza de que trata-se de uma figura trabalhada", explica Lucas.

Rochas são de diferentes tipos

Quase todas as inscrições do local estão gravadas em diabásio, um tipo de rocha escura que possui grande quantidade de ferro em sua composição. A curiosidade explica algumas das intervenções encontradas ali, como o ofertório, que foi criado com a colocação de uma grande pedra gnaisse (metamórfica) sobre uma laje de diabásio. "Essa rocha não é daqui, com certeza foi transportada de alguma maneira para compor esse altar",  afirma o pesquisador. A ideia de Keler agora é fazer um completo levantamento não apenas da trilha, como também de todo o Morro da Aranha. O objetivo do pesquisador é que a área possa ser aproveitada também para o turismo e a educação ambiental. Projeta também a ampliação de infraestrutura.

Acredita-se que o local ainda pode conter antigas estações líticas, os pontos que eram utilizados pelos antigos povos para afiar instrumentos e triturar alimentos. Hoje, pouco mais de 100 metros da trilha foram calçados. O pesquisador está à procura de patrocínio para a empreitada. "O objetivo é esquadrinhar toda a área, localizar todas as inscrições, e também estimular o conhecimento e a visitação aos sítios rupestres. A esperança é que patrocinadores como o próprio resort fiquem sensibilizados com a iniciativa", explica. A trilha do Costão é de fácil acesso. Começa no final da Praia do Santinho e o estende-se por 2,3 quilômetros, circulando o Morro da Aranha. O morro conta com 100 hectares de área verde, dos quais 55 hectares são de Área de Preservação Permanente e 45 hectares Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN), administrada pelo resort.

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