"Sinto que existe uma força maior que nos move" - Por Mariana Toniatti


O trabalho voluntário é sentido como missão. Voluntárias da Pastoral da Criança, fundada por Zilda Arns, melhoram o cotidiano de milhares de crianças menores de seis anos no Ceará e no mundo. No Estado, estima-se que cerca de 100 mil crianças são atendidas pela Pastoral

Não à toa, a Pastoral da Criança nasceu de uma mulher. Em 1982, Zilda Arns concebeu a rede de voluntariado. No grupo ligado à Igreja Católica, a grande maioria sempre foi de mulheres. Elas se desdobram como mães de outras dez, doze famílias da comunidade onde vivem. E vão acumulando jornadas. ``Nossas líderes são ainda mais admiradas porque muitas trabalham a semana toda, oito horas por dia. Se dedicam à família e no final de semana estão nas comunidades, fazendo as visitas``, diz Francisca Ferreira, 45, coordenadora da Pastoral da Criança da Arquidiocese de Fortaleza, mãe de duas filhas e por muitos anos, supervisora de uma confecção.
Uma visita mensal a cada família faz parte da rotina da chamada líder. Elas passam pesando as crianças, controlando as vacinas e acompanhando seu desenvolvimento. Anotam tudo num caderno, orientam as mães, mas, principalmente, conversam com elas. ``Não precisa dar cesta básica. É atenção, o mais importante``, diz Juciele Silva Rodrigues, 53. Em 1986, pouco depois de ter a segunda filha, Juciele passou a ter o acompanhamento de uma líder da Pastoral. ``Tive uma visão melhor de como cuidar dela. Tinha deixado de amamentar minha primeira filha cedo. Achei que estava grávida, sentia o leite salgado, não tinha ninguém para me orientar e acabei parando de amamentar``, lembra.
Dois anos depois, ela virou líder também. Há oito, é coordenadora do chamado setor 44 que abarca comunidades da Praia do Futuro, o Poço da Draga, a Jacarecanga e outra dezena de bairros, e cuida também da região episcopal 1, formada por seis municípios do sertão. Mais de dez mil líderes atuam no Ceara. Na Arquidiocese de Fortaleza são 2.300. A coordenadora, Francisca, diz que cerca de 80% são mulheres, às vezes de pouco estudo, mas que acreditam que podem fazer alguma coisa pela comunidade. ``É muito simples. Não tem que ter discurso. É saber como está, conhecer a realidade da família, escutar aquela mãe às vezes aflita porque não sabe o que fazer diante de situação do filho. Orientamos, abrimos portas e trabalhamos na prevenção``, descreve Francisca.

Juciele não vê a hora de voltar para seu caderninho. Pelo estatuto, a coordenadora de setor ocupa o cargo por no máximo oito anos. Ela se prepara para sair. ``Em julho entrego o setor. Estou voltando à minha origem de líder. A gente se sente mais fortalecida``, diz, entusiasmada. Quando começou, Juciele e uma vizinha preparavam mingau de banana - ``tinha muito nos quintais`` -, e distribuíam à noite, depois do trabalho, uma vez por semana. Ela sente falta disso. ``É um amor muito grande. Indecifrável. Não foi ninguém que escolheu, foi Deus. O voluntariado é difícil``, diz.
Na próxima segunda-feira começa o curso de capacitação de líderes na Comunidade do Campo do América. Não é a primeira vez que a Pastoral dá o curso lá. ``Já tentamos várias vezes. Começa com 30 e no fim só duas querem continuar``, conta Juciele. Francisca também não consegue explicar porque exerce o voluntariado com tanto amor. ``Foge à compreensão. Está no sangue. Não fui eu que busquei, chegou até a mim, e quando chegou, abracei. Sinto que existe uma força maior que nos move, nos impulsiona``, diz. A mesma forca que estranhamente faz tudo dar certo no fim e espanta o cansaço de Janiele. ``Às vezes me pergunto como consegui fazer tudo isso?``, sorri.

E-MAIS

A médica pediatra e sanitarista Zilda Arns fundou a Pastoral da Criança em 1982. Ligada à Igreja Católica, a pastoral está hoje em mais de 20 países, reunindo 240 mil voluntários que acompanham quase 95 mil gestantes e 1,6 milhão de crianças menores de seis anos em todo mundo. A pastoral atua em 40.853 mil comunidades de 4.016 municípios.

No Ceará, a Pastoral da Criança foi fundada em 1984. Atualmente, mais de dez mil voluntários cuidam, cada um, das crianças de zero a seis anos de dez a doze famílias da comunidade onde vive. Arredondando as contas, chega-se ao número de cem mil famílias acompanhadas. As líderes passam por uma capacitação de 55 horas. Estudam os dez mandamentos para a paz na família, noções de saúde e direitos básicos. Um livro guia do líder compila as mensagens bíblicas, a história da pastoral, orientações sobre cuidados com gestantes e com crianças de zero a seis meses.

A partir da realidade da comunidade & se há violência, se o esgoto é a céu aberto, se há problemas de higiene, discute-se também temas específicos. Além das visitas mensais para as anotações no caderno, uma vez por mês ocorre a Celebração da Vida, um grande encontro para pesar todas as crianças e reunir mães e líderes. Num outro encontro, as líderes avaliam o trabalho daquele mês. O foco não são só as questões sociais. O trabalho é missionário e a evangelização também é objetivo. ``Levamos uma palavra de incentivo, de fé, para que a mãe possa acreditar que esta contribuindo para o desenvolvimento da criança``, diz Francisca.

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