Preciosa: a força da esperança sobre a destruição da psique humana - Por Cássia Lorenza

Uma história de superação



A estrutura emocional dos seres humanos é como um castelo de cartas, mesmo quando está em equilíbrio necessita de cuidado devido à suscetibilidade a eventos que podem fazê-lo desabar a qualquer momento. O filme Preciosa, dirigido por Lee Daniels, retrata a vida de uma jovem cuja vida atravessa condições extremas tais quais as de um furacão e cujo castelo emocional de cartas só perdura porque ela o solda arduamente com esperança.

Adaptado da obra literária intitulada “Push” escrita por Sapphire, o filme aborda questões sociais contemporâneas como a banalização da violência, os diferentes tipos de preconceito e discriminação, problemas decorrentes à baixa escolaridade, AIDS, Síndrome de Down, gravidez na adolescência e inexistência de um ambiente familiar saudável ao mostrar a vida de Claireece “Precious” Jones, uma garota pobre, analfabeta, obesa, molestada pelo pai, rejeitada e violentamente mal-tratada pela mãe, satirizada pelos outros jovens, afundada em um mar de desgraças e sem perspectiva de um futuro melhor. O filme é incisivo também na cruel ironia de seu título: “Preciosa”, um termo que denota cuidado é dado à personagem mais desamparada em todo o universo fílmico.

Dirigido de forma bastante dinâmica, a linguagem audiovisual usada por Lee Daniels em sua decupagem é híbrida: fundamentada na linguagem clássica mas quebrada e subvertida em diversos momentos, não possui uma unidade mas constitui um estilo. A precisão em movimentos de câmera e a estabilidade de alguns planos é totalmente quebrada com inserções constantes de uso da lente zoom e da câmera trêmula que permeiam seqüências decupadas sob a forma clássica de plano e contra-plano.

Estes elementos estéticos funcionam tanto como reflexos da vida interior da protagonista, quanto contribuem para o aumento da tensão dramática e agem ainda como referências a alguns movimentos cinematográficos que buscam valorizar o real em relação à construção fílmica ficcional formalista, tais como Dogma 95 e o Neo-Realismo italiano, independendo até que ponto Daniels os relacionou intencionalmente em sua obra. Este estilo de direção propicia uma montagem também estilisticamente interessante que lembra a teoria de montagem do documentarista romeno Pelechian, que propõe cada plano como único e sem ligação direta com o plano subseqüente, somente manifestando sentido quando analisada a montagem do filme como um todo - um grande bloco formado por pequenas especificidades.

O diretor também utiliza de forma criativa recursos imagéticos para representar a subversão mental da protagonista em tentativas imaginárias de fuga da realidade, sendo estes também os momentos em que a ficção se sobressai à plausibilidade dos eventos dramáticos e evidencia o trabalho estético da direção de arte.

Estrelado não só por atores, mas também por cantores da música pop americana, como Mariah Carey e Lenny Kravitz, “Preciosa” é um filme cuja atuação de todos é notável, não apenas pelas atrizes principais como se esperava, mas surpreendentemente também pelos convidados, cujas atuações se destacam pela verossimilhança de seus personagens e por suas aparições não serem tendenciosas nem mal-caracterizadas de forma que induzissem o espectador à dispersão do drama e das conexões psicológicas latentes nesta história e sobressaltassem as participações especiais de astros da música.

Indicado ao Oscar 2010 em quatro categorias, “Preciosa” não é nem de longe um filme para entreter o espectador, como geralmente os filmes indicados os Oscar o são. “Preciosa” é um filme psicologicamente violento que leva o espectador a uma reflexão social em detrimento da experiência de diversão e entretenimento na sala de cinema. É uma obra intensa, sendo a forte carga emocional vivenciada no horizonte de eventos que dilaceram o mundo de Preciosa o fator desencadeador de uma das mais belas atitudes humanas: a perseverança fortificada pela esperança, a única coisa que impede que o castelo interior da protagonista se transforme em cartas soltas ao vento. A história de “Preciosa” sintetiza-se perfeita e simplesmente nas palavras proferidas pelo filósofo William James: “Um marinheiro naufragado, enterrado nesta costa,/ Pede-lhe que se faça à vela./ Muitos veleiros, quando estávamos perdidos,/ Venceram o vendaval.”

No conflito entre as personagens de Gabourey Sidibe e Mo'Nique - ambas indicadas ao Oscar - a segunda sai na vantagem. A atriz, que criou uma mulher complexa e repugnante, já levou o Globo de Ouro, o Screen Actors Guild (SAG) e está indicada ao BAFTA (o Oscar inglês), tornando-se uma das favoritas a levar a estatueta dourada da Academia para casa. O diretor Lee Daniels também concorre ao Oscar.Além do melhor filme, melhor roteiro e melhor edição.

Ficha técnica

título original:Precious: Based on the Novel Push by Sapphire
gênero:Drama
duração:01 hs 50 min
ano de lançamento:2009
site oficial:http://www.weareallprecious.com/
estúdio:Lee Daniels Entertainment / Smokewood Entertainment Group
distribuidora:Lionsgate / PlayArte
direção: Lee Daniels
roteiro:Geoffrey Fletcher, baseado em livro de Sapphire
produção:Lee Daniels, Gary Magness e Sarah Siegel-Magness
música:Mario Grigorov
fotografia:Andrew Dunn
direção de arte:Matteo de Cosmo
figurino:Marina Draghici
edição:Joe Klotz
efeitos especiais:LOOK! Effects

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