Religião e identidade - Por Alexander Ellis



Participei ontem na comemoração dos vinte e cinco anos da Mesquita de Lisboa. Os participantes na cerimónia fizeram questão de elogiar Portugal como um país, e Lisboa como uma cidade, no qual várias religiões se dão bem. Concordo, plenamente; uma das características mais agradáveis deste país é a tolerância das pessoas. Mesmo assim, há vozes dissonantes; o historiador Abdool Karim Vakil fez referência a um comentário menos entusiasta sobre a construção duma mesquita em Lisboa. Há ecos disto hoje em dia na Europa, com movimentos contra a construção de novas mesquitas.
Este não é um fenómeno exclusivo em relação a muçulmanos; infelizmente, ouvi na rádio britânica o jurista Antony Julius, que acabou de publicar um livro sobre anti-semitismo no Reino Unido, dizer que no meu próprio país há guardas em escolas judaicas; e constato que em Londres não há sinalização para sinagogas - porque são alvo de ataques. E há, de facto, discriminação contra a religião cristã em várias partes do mundo. Também este não é um fenómeno exclusivo da religião; há outras formas de intolerância - por razões de sexualidade, cor de pele, etc. Desde que existem seres humanos, existe tolerância, e intolerância.
Subjacente à intolerância está o medo. Medo de quê? A meu ver, da diferença. Diferença de aparência, de hábitos, de fé. "Eles não são como nós" é a frase típica. Por trás desta frase há uma bipolarização de identidade - "eles" e "nós". A história está cheia de exemplos de líderes que têm aproveitado esta visão simples de identidade para provocar conflitos; desde o conceito de Henrique VIII de que era impossível ser-se Católico e súbdito leal a ele, à determinação dos perseguidores de Albert Dreyfus pela probabilidade de ser um traidor a França, pelo simples facto de ser judeu.
Esta atitude ainda existe; por exemplo, há quem diga que não é possível ser-se Europeu e Muçulmano. Mas parece-me perfeitamente normal ter muitas identidades - todos nós temos (eu, por exemplo, sou uma mistura de inglês e escocês, também sou europeu). Claro que às vezes há conflitos entre estas identidades. Mas são conflitos nossos, que resolvemos todos os dias. Tenho uma certa desconfiança em pessoas de fora que me obrigam a escolher entre estas identidades, porque querem reduzir a complexidade da minha própria existência. Claro que não se pode levar esta atitude ao extremo; há momentos de escolha, por exemplo numa guerra. Mas são excepções à regra. E também há limites, normalmente definidos pela lei. Mas o nosso dever cívico é de criar um espaço dentro do qual todos podemos manter as nossas várias identidades, e até celebrá-las. Como ontem, na mesquita de Lisboa.

Fonte: http://aeiou.expresso.pt

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