Museu Alberto Sampaio, em Portugal: 160 visitas numa só noite - Por Rui Serapicos

Numa só noite registaram-se 160 visitas, revelou ao Correio do Minho Isabel Fernandes, a directora do Museu Alberto Sampaio. Aquela responsável , que interrompe brevemente as férias para uma conversa ao telefone com o CM, demonstra-se satisfeita com mais uma edição da iniciativa ‘Museu à noite’.



 
“Estou de férias e o mês de Agosto ainda está a decorrer, por isso não tenho ainda números que me permitam tirar conclusões. Mas já se pode observar que a abertura durante a noite continua a justificar-se”, adianta.

Aquela responsável salienta que para esta iniciativa, que dada a ampliação do horário de funcionamento implica aumento de custos com o pessoal, essas despesas têm sido repartidas pelo ministério da Cultura e pela Câmara Municipal de Guimarães. A segurança, uma das funções para as quais é necessário reforço, tem sido colmatada recorrendo a título temporário, por via do Instituto do Emprego e Formação Profissional, à colocação de pessoal em situação de desemprego .

 
Criado em 1928 para guardar espólio religioso

 
Desde 2001 que, numa atitude inédita em Portugal, o Museu de Alberto Sampaio abre as suas portas ao público, durante os meses de Julho e Agosto, em horário nocturno. O Museu de Alberto Sampaio é um museu estatal, dependente do Instituto Português de Museus. Foi criado em 1928, para albergar o espólio de extintas instituições religiosas locais então na posse do Estado, tendo sido aberto ao público em 1931. Situa-se no Centro Histórico de Guimarães e está instalado em edifícios de valor histórico e artístico que pertenceram à Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, e que se desenvolvem em torno do claustro.

Loudel de D. João I e Tríptico da Natividade

 
O programa museográfico actual data, no essencial, dos anos 60. Estão expostas valiosas colecções de arte antiga, em que avulta o legado dos séculos XIV, XV, e XVI, e cuja peça de maior significado histórico é o loudel do rei D. João I (séc. XIV).

Outra peça de incomensurável valor artístico é o Tríptico da Natividade. Trata-se de uma peça de referência da ourivesaria portuguesa de finais do séc. XIV, inícios do séc. XV. Para além da excepcionalidade da sua execução técnica e dimensional (1330 x 1735 x 105 mm), a peça tem suscitado, ao longo dos anos, muitas questões relacionadas com o seu significado histórico.

Segundo a tradição, este tríptico foi oferecido a Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães, como sinal de agradecimento de D. João I de Portugal pela sua vitória na Batalha de Aljubarrota. A peça teria pertencido a D. João I de Castela, podendo tratar-se, por este motivo, de um despojo de guerra.

 
Do século XIV à escultura contemporânea

 
Ao acervo permanente acrescenta-se ainda o interesse da mostra temporária de escultura contemporânea de Susana Piteira. de carácter antológico, reunindo um conjunto de trabalhos que podem definir o percurso de 20 anos de actividade artística, focado essencialmente na sua escultura em pedra.

O trabalho exposto desenvolve-se em torno da forma como nos relacionamos com a beleza e a nossa sexualidade e, a partir delas, com o sentido da moral como valor, constituindo o fio condutor de toda a obra, desde 1990.

As suas peças ou as suas séries de peças têm títulos sugestivos, quase todos declinados no feminino: Vénus, Flores, Natura, Beleza, Paixão, Escultura, Navalha, Lágrimas….

Há também um outro denominador comum - uma releitura da Natureza que, nela, se transforma em cultura, mas também em sensualidade e, no masculino, em desejo… Trazendo a intimidade e a sensualidade para o espaço público, a sua obra prima os sentidos, especialmente o visual e o táctil, realizando-se no face-a-face com o(a) fruidor(a) através das formas sensuais, das texturas amaciadas e de uma escala própria ao que é humano.

 
Ourivesaria do século XIX

 
Dado que o claustro do museu está ocupado por uma mostra de ourives do século XIX e XX, a mostra temporária que habitualmente ocupa aquele espaço é desta vez dispersa por todo o museu, em diálogo com o espólio da exposição permanente. “Pretende-se atingir os dois públicos: há quem venha pela mostra de escult ura contemporânea e fica a conhecer o museu mas também há quem venha para conhecer o museu e aprecie a escultura contemporânea”.

 
D. João I ofereceu tríptico à Nossa Senhora da Oliveira

 
O Tríptico da Natividade, que pode ser apreciado no Museu Alberto Sampaio, é considerado uma das peças maiores da ourivesaria do século XIV. Peça muito prezada pelos cónegos, este tríptico era exposto sobre o altar durante a festividade do Natal, e estava presente no exterior do templo, nas cerimónias comemorativas de 14 de Agosto de 1385.  No século XV, foi remido pelo Cabido, para evitar que fosse tomado e mandado fundir pelo rei D. Afonso V.

 
Oferta de D. João I a N.ª Sr.ª da Oliveira

 
O Tríptico da Natividade teve origem numa oferta do rei D. João I a Nossa Senhora da Oliveira.  Fernão Lopes, guarda-mor da Torre do Tombo e cronista do rei D. Duarte, regista que depois da batalha de Aljubarrota o rei D. João I veio “cumprir sua romaria” ao santuário vimaranense, em acção de graças pela vitória militar alcançada; e segundo a versão que merece maior crédito, já veiculada no inventário de 1527, D. João I terá doado à Senhora o equivalente ao seu peso em prata, de que depois foi feito o retábulo e outras peças menores: doze apóstolos, quatro anjos, quatro ceptros, uma caldeira com hissope e um turíbulo com a respectiva naveta.

Estamos, assim, perante um histórico ex-voto e “o único exemplar daquela tipologia, material e época que chegou até nós”, segundo a interpretação de Manuela Alcântara Santos, antiga directora do Museu Alberto Sampaio. O seu principal é o Presépio, cuja relevância é sugerida pela grandeza e centralidade que assume no conjunto.

 
O Tríptico segundo a leitura de Manuela Alcântara Santos

Ainda de acordo com Manuela Alcântara Santos, antiga docente e investigadora que após a suas aposentação em 1999 intensificou o interesse pela ourivesaria de Guimarães, no Tríptico da Natividade o espaço da cena “é indefinido: se os arcos de querena sobre os quais se erguem quatro corpos fenestrados de arquitectura gótica, sugerem uma catedral, a cama em que a Virgem repousa evoca um ambiente doméstico, e a manjedoura-altar vazia remete-nos para o estábulo tradicional, ao mesmo tempo que une simbolicamente os mistérios da Encarnação e da Redenção”

“O Menino, sentado sobre a cobricama, com um pequeno globo na mão esquerda”, acrescenta, “não parece um recém-nascido, é antes a imagem do Salvador do Mundo. Maria, em descanso após o parto, olha em frente, pensativa, como se visionasse e temesse o futuro do pequeno Infante. S. José, sentado aos pés da cama gótica, permanece alheado, olhos fechados apoiado ao bordão. As cabeças dos animais tradicionais marcam a presença simbólica do povo judeu e dos gentios. Dois anjos agitando turíbulos vincam a sacralidade do momento.”,

Nos volantes do tríptico, cada um dividido em dois registos sobrepostos, encimados por arcos trilobados e obra de “macenaria rica” — trabalho rendilhado, vazado —, está patente, “como num missal aberto, o restante ciclo litúrgico do Natal: no lado esquerdo, a Anunciação e a Apresentação do Menino no Templo; no lado direito, a Anunciação aos Pastores e a Adoração dos Magos. Todos os quadros merecem um exame pormenorizado”. Na Anunciação - prólogo do Nascimento -, um S. Gabriel de longas asas esvoaçantes e filactera ondulada contracena com a Virgem, que recebe a mensagem de pé, o vaso de açucenas entre ambos. No registo inferior, a Senhora da Apresentação/Purificação sustenta Jesus sobre o altar, seguida de sua “servidora” com um círio e um canistel, com pombos dentro, para a oferenda ritual. No painel da direita, em cima, um pastorinho, de saio e capirote, perna cruzada e sapatos de pontilha, toca gaita-de-foles, enquanto outro escuta o anjo anunciador da boa nova; um carvalho estilizado e o rebanho espalhado em redor denotam o ambiente rural. Finalmente, os três Reis Magos surgem representados de acordo com os modelos tradicionais, com os presentes simbólicos, o mais velho ajoelhado, o mais novo em trajes galantes da época.

Fonte: http://www.correiodominho.com

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Negociar e acomodar identidade religiosa na esfera pública"

Pesquisa científica comprova os benefícios do Johrei

A fé que vem da África – Por Angélica Moura