Ciência e fé: por um diálogo fecundo e transformador - Por Cleiton José Senem


Ciência e religião, razão e fé, quando vistas rapidamente parecem ser contraditórias. Mas será isso verdade? Conhecendo a história da humanidade pode-se perceber que a relação entre fé e razão é muito antiga. Alguns pensadores dizem que desde o início da filosofia (séc. VI a.C.) há uma tensão entre ambas. O período patrístico (séc. I - VII d.C.) é marcado por um diálogo profundo entre razão e fé; onde os padres da Igreja encontraram na filosofia a sustentação racional para construção de uma teologia cristã. Na Idade Média, especialmente no período escolástico, houve uma supremacia da fé sobre a razão. Tomás de Aquino dizia que razão e fé não são contraditórias. A separação entre ciência e fé iniciou-se propriamente dita na Idade Moderna, a partir do século XV. O século XVII marcado pelo empirismo e pelo surgimento da ciência moderna, seguido pelo racionalismo iluminista do século XVIII foi o momento auge deste processo que provocou uma separação entre ciência e fé e impulsiona debates acirrados até a atualidade.



Pode-se dizer que essa separação tem aspectos positivos e negativos ao mesmo tempo. Positivo, por exemplo, porque deu liberdade tanto para a ciência quanto para a fé para se desenvolverem autonomamente. Negativo, porque muitas vezes os pólos foram radicalizados e excluíram-se mutuamente. Neste sentido, é importante frisar que embora ciência e fé sejam formas distintas de conhecimentos, cada uma com sua especificidade, contribui para o desenvolvimento da humanidade. Metaforicamente, fé e razão são como duas asas de um avião. A falta de uma traz prejuízos enormes à outra, impedindo muitas vezes de alçar vôos mais longínquos.



Razão e fé têm suas distinções. A ciência e a filosofia têm seu fundamento na razão, enquanto a religião e a teologia, na fé. Sabe-se que a fé não exclui a razão, muito pelo contrário. Embora a religião tenha seu princípio na fé, a razão é o movimento segundo, através do qual a fé busca a intelecção. Pode-se ver isso de maneira especial em Santo Anselmo quando diz: “Não tento, Senhor, penetrar na sua profundidade, porque não posso nem de longe confrontá-la com o meu intelecto; mas desejo entender, pelo menos até a um certo ponto, a sua verdade, que o meu coração acredita e ama. De fato, não procuro entender para crer, mas creio para entender” (Proslogion, 1).



Razão e fé não são necessariamente separadas, e jamais contraditórias, mas sim distintas, atuando em movimentos diferentes e complementares. Neste sentido, a ciência deve ajudar a fé na busca por explicações para os fenômenos religiosos que podem ser compreendidos à luz da razão. Da mesma forma, a fé poderá contribuir com a ciência lembrando-lhe sempre que seu conhecimento é limitado no tempo, não podendo perder a dimensão transcendental da própria razão e da vida. Se por um lado a ciência se torna crítica da fé, por outro, a fé é continuamente um questionamento ao limites do conhecimento racional e científico.



A história da filosofia ajuda a perceber a grandeza e o limite do conhecimento racional e científico, e como eles foram se desenvolvendo num processo dialético. Ao olhar para a história das religiões, percebe-se que essas nunca estiveram alheias à cultura e ao contexto social de onde surgiram, mas da mesma forma, estiveram sujeitas a erros e a equívocos, pois, afinal de contas, embora tenham seu fundamento da fé, sempre possuem uma dimensão humana, histórica e construída socialmente. Portanto, como a fé não pode fechar-se sobre si mesma correndo o risco de se “dogmatizar”, a própria razão encontra na fé uma interlocutora que lhe chama atenção para sua limitação e finitude.



Enfim, a relação entre ciência e fé pode ser fecunda e transformadora se ambas se abrirem para um verdadeiro diálogo. Todo e qualquer diálogo somente tem sentido quando existir uma verdadeira abertura para o outro. Por caminhos diferentes, métodos distintos, tanto a ciência quanto a fé, quando compreendidas em suas singularidades, poderão se transformar e contribuir para a construção de um mundo mais justo, fraterno, onde as diferenças são respeitadas e consideradas na sua autenticidade. O que garante a possibilidade do diálogo entre Ciência e Fé é que ambas tem um compromisso com a Verdade e com o ser humano.

 
O autor é professor de Ética e Cultura Religiosa na Universidade do Sagrado Coração

Fonte: http://www.jcnet.com.br

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