Para antropólogos, integração não faz índios perderem as tradições - Por Luciana Rossetto

O Dia do Índio é celebrado nesta terça-feira (19). Para antropólogos ouvidos pelo G1, o maior desafio das comunidades indígenas atualmente é conciliar as próprias tradições e rituais com um ambiente cada vez mais moderno.
  
Para o antropólogo Luís Grupioni, do Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena (Iepé), é inevitável que índios tenham cada vez mais contato com segmentos da nossa sociedade e, através dele, modifiquem seus modos tradicionais de vida. “Eles não deixam de ser índios enquanto mantêm o sentimento de pertencer a um grupo e são reconhecidos como integrantes desse povo, mesmo morando em cidades”, afirma.
  
Como exemplo, ele explica que um índio que usa relógio não deixa de ser índio, assim como um não índio que usa um cocar não se torna indígena por isso. Aliás, em algumas comunidades, o acesso à tecnologia reforça a manutenção de algumas tradições.
  
“Há varias experiências de cinegrafistas indígenas que documentam a própria cultura para uso da comunidade. Eles gravam rituais e cerimônias para depois passar para o resto de seu povo, o que acaba reforçando a própria realização desses atos”, afirmou Grupione.

Segundo ele, há casos em que os índios percebem problemas em seu modo de agir durante as gravações e melhoram as pinturas, as roupas e até ensaiam melhor algumas músicas. “É o vídeo colaborando para a manutenção e recriação cultural para aquele povo.”
 
 
 
Hoje, o mundo é globalizado e já houve um contato com outros povos. Não temos mais como mantê-los isolados, à margem da sociedade. O antropólogo Elias Januário, coordenador da Faculdade Indígena Intercultural da Universidade Estadual de Mato Grosso, acredita que o excesso de protecionismo que existe hoje por parte da Fundação Nacional dos Índios (Funai) acaba fazendo com que os índios não tomem decisões por conta própria. Ele cita, como exemplo, índios da Bolívia, da Guatemala, do Canadá e dos Estados Unidos que gerenciam as próprias terras e a própria vida, sem depender de assistencialismo.
  
“Hoje, o mundo é globalizado e já houve um contato com outros povos. Não temos mais como mantê-los isolados, à margem da sociedade. Precisamos dar a eles o direito à cidadania, proporcionando qualificação e educação, para que possam seguir a própria vida e decidir o que é melhor para a sociedade deles”, afirma Januário
  
Para o antropólogo, a integração com a sociedade não faz com que os índios percam suas tradições. Ele explica que o conceito de aculturação já é ultrapassado na Antropologia e, agora, a palavra usada é “ressignificar” – incorporar novos elementos à própria cultura. “Ocorre a interculturalidade, o diálogo entre as culturas. Eles aprendem tudo que nós temos, sem deixar de ser quem são. Eles devem conhecer nossa sociedade, mas manter também seus rituais e tradições”, diz.
  
Januário afirma que é necessário haver um trabalho com os índios para que a nova cultura não se sobreponha à indígena. Segundo ele, houve casos de aldeias que passaram por processo avassalador com a entrada de água, luz e televisores. “Agora, estão em um processo de resgate cultural. É necessário haver o equilíbrio. Ao mesmo tempo em que ele pode usar o celular e um carro, ele tem ciência de sua língua e de seus rituais. Não é fácil, mas esse é o grande desafio dos povos indígenas atualmente, manter seus costumes e conviver com a sociedade tecnológica”, afirma.
  
Lugares na sociedade
 
Januário explica que cada vez mais índios estão ocupando lugares na sociedade que antes eram preenchidos por não índios. “O fato dos índios terem se qualificado os torna sujeitos do processo. Eles deixam de ser figurantes da história e assumem o papel de protagonistas neste novo momento do Brasil. Não vamos mais pensar pelos índios, porque eles estão construindo seus projetos, tomando decisões e ocupando seus espaços”, diz.
  
Podemos comemorar, mas claro que há também o que lamentar. Temos a legislação de fato avançada, mas ela é sistematicamente descumprida. Temos políticas públicas elaboradas, mas mal aplicadas"Luís Grupioni, antropólogoSegundo Grupioni, os índios que se urbanizaram e se distanciaram de suas sociedades de origem tinham o objetivo de buscar melhores condições de vida fora de suas terras. “Eles vão buscar na cidade oportunidades, ali encontram trabalho e acabam se distanciando das comunidades, o que cria uma dificuldade para o governo avaliar em que medida eles são sujeitos a políticas diferenciadas ou não”, afirma.
 
 
Motivos para comemorar
 
Segundo Grupioni, os povos indígenas devem comemorar uma série de políticas específicas que o governo tem elaborado nos últimos anos para atendê-los e ressalta que há uma legislação avançada de reconhecimento dos direitos indígenas. “Podemos comemorar, mas claro que há também o que lamentar. Temos a legislação de fato avançada, mas ela é sistematicamente descumprida. Temos políticas públicas elaboradas, mas mal aplicadas”, afirma Grupione.
  
Já para Januário, a criação pelo governo federal dos Territórios Etnoeducacionais em 2009 – que propõe ações de educação para as etnias indígenas independentemente da região em que estão – é um dos feitos mais importantes.
  
“A população indígena é flutuante. Alguns índios de determinada etnia se beneficiavam porque um estado tinha uma política avançada para os povos indígenas, mas índios da mesma etnia que viviam em outro estado não eram beneficiados. O decreto dos territórios extrapola esses limites territoriais ”, diz.
  
Segundo Januario, os índios são tratados como povos pelo governo federal, sendo que o local onde estão inseridos não é importante. “Acaba a concepção de fronteira estática. Os povos passam a fazer parte de uma política pública que leva em consideração as pessoas, não o espaço onde estão inseridos”, afirma.
  
Etnias indígenas - Fonte: Funai
 
  1. Acre - População total: 9.868 - Amawáka, Arara, Ashaninka, Deni, Jaminawa, Katukina, Kaxinawá, Kulina, Manxinéri, Nawa, Nukuini, Poyanawa, Shanenawa, Yawanáwa.
  2. Alagoas - População total: 5.993 - Cocal, Jeripancó, Kariri-Xocó, Karapotó, Tingui-Botó, Wassú, Xucuru-Kariri.
  3. Amapá - População total: 4.950 - Galibi, Galibi-Marworno, Karipuna, Palikur, Wayampi, Wayána-Apalai.
  4. Amazonas - População total: 83.966 - Apurinã, Arapáso, Aripuaná, Banavá-Jafí, Baniwa, Barasána, Baré, Deni, Desana, Himarimã, Hixkaryana, Issé, Jarawara, Juma, Juriti, Kaixana, Kambeba, Kanamari, Kanamanti, Karafawyána, Karapanã, Karipuna, Katawixi, Katukina, Katwená, Kaxarari, Kaxinawá, Kayuisana, Kobema, Kokama, Korubo, Kulina, Maku, Marimam, Marubo, Matis, Mawaiâna, Mawé, Mayá, Mayoruna, Miranha, Miriti, Munduruku, Mura, Parintintin, Paumari, Pirahã, Pira-tapúya, Sateré-Mawé, Suriána, Tariána, Tenharin, Torá, Tukano, Tukúna, Tuyúca, Waimiri-Atroari, Waiwái, Wanana, Warekena, Wayampi, Xeréu, Yamamadi, Yanomami, Zuruahã.
  5. Bahia - População total: 16.715 - Arikosé, Atikum, Botocudo, Kaimbé, Kantaruré, Kariri, Kiriri, Kiriri-Barra, Pankararé, Pankararú, Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe, Tupinambá, Tuxá, Xucuru-Karirí.
  6. Ceará - População total: 5.365 - Jenipapo, Kalabassa, Kanindé, Kariri, Pitaguari, Potiguara, Tabajara, Tapeba, Tremembé.
  7. Espírito Santo - População total: 1.700 - Guarani [M'byá], Tupiniquim.
  8. Goiás - População total: 346 - Ava-Canoeiro, Karaja, Tapuya.
  9. Maranhão - População total: 18.371 - Awá, Guajá, Guajajara, Kanela, Krikati, Timbira [Gavião].
  10. Mato Grosso - População total: 25.123 - Apiaká, Arara, Aweti, Bakairi, Bororo, Cinta Larga, Enawené-Nawê, Hahaintsú, Ikpeng, Irantxe, Juruna, Kalapalo, Kamayurá, Karajá, Katitaulú, Kayabí, Kayapó, Kreen-Akarôre, Kuikuro, Matipu, Mehináko, Metuktire, Munduruku, Mynky, Nafukuá, Nambikwara, Naravute, Panará, Pareci, Parintintin, Rikbaktsa, Suyá, Tapayuna, Tapirapé, Terena, Trumai, Umutina, Waurá, Xavante, Xiquitano, Yawalapiti, Zoró.
  11. Mato Grosso do Sul - População total: 32.519 - Atikum, Guarany [Kaiwá e Nhandéwa], Guató, adiwéu, Kamba, Kinikinawa, Ofaié, Terena, Xiquitano.
  12. Minas Gerais - População total: 7.338 - Atikum, Kaxixó, Krenak, Maxakali, Pankararu, Pataxó, Tembé, Xakriabá, Xucuru-Kariri.
  13. Pará - População total: 20.185 - Amanayé, Anambé, Apiaká, Arara, Araweté, Assurini, Atikum, Guaruajá, Guarani, Himarimã, Hixkaryána, Juruna, Karafawyána, Karajá, Katwena, Kaxuyana, Kayabi, Kayapó, Kreen-Akarôre, Kuruáya, Mawayâna, Munduruku, Parakanã, Suruí, Tembé, Timbira, Tiriyó, Turiwara, Wai-Wai, Waiãpi, Wayana-Apalai, Xeréu, Xipaya, Zo'e.
  14. Paraíba - População total: 7.575 - Potiguara.
  15. Paraná - População total: 10.375 - Guarani [M'byá e Nhandéwa], Kaingang, Xeta.
  16. Pernambuco - População total: 23.256 - Atikum, Fulni-ô, Kambiwá, Kapinawá, Pankararú, Truká, Tuxá.
  17. Rio de Janeiro - População total: 330 - Guarani.
  18. Rio Grande do Sul - População total: 13.448 - Guarani, Guarani Mbya, Kaingang.
  19. Rondônia - População total: 6.314 - Aikaná, Ajuru, Amondawa, Arara, Arikapu, Ariken, Aruá, Cinta Larga, Gavião, Jabuti, Kanoê, Karipuna, Karitiana, Kaxarari, Koiaiá, Kujubim, Makuráp, Mekén, Mutum, Nambikwara, Pakaanova, Paumelenho, Sakirabiap, Suruí, Tupari, Uru Eu Wau Wau, Urubu, Urupá.
  20. Roraima - População total: 30.715 - Ingaricô, Macuxi, Patamona, Taurepang, Waimiri-Atroari,Wapixana, Waiwaí, Yanomami, Ye'kuana .
  21. Santa Catarina - População total: 5.651 - Guarani, Guarani Mbya, Guarani Nhandeva, Kaingang, Xokleng.
  22. São Paulo - População total: 2.716 - Guarani, Guarani M'Bya, Guarani Nhandeva, Kaingang, Krenak, Pankararu, Terena.
  23. Sergipe - População total: 310 - Xocó.
  24. Tocantins - População total: 7.193 - Apinaye, Ava-Canoeiro, Guarani, Javae, Karaja, Kraho, Tapirape, Xerente.

 

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Negociar e acomodar identidade religiosa na esfera pública"

Pesquisa científica comprova os benefícios do Johrei

A fé que vem da África – Por Angélica Moura