Partido de Sarkozy discute papel dos muçulmanos na França - Por Steven Erlanger e Maia de la Baume

O partido governista francês deu seguimento na terça-feira (05/03) a um debate polêmico sobre a natureza do secularismo e a respeito dos desafios representados pelo islamismo, uma iniciativa que foi criticada por alguns membros do governo e por diversos líderes religiosos e que foi ridicularizada como sendo cínica tanto pela oposição socialista quanto pela Frente Nacional, um partido de extrema direita.

O debate, que ocorreu em um hotel de Paris, com a presença de cerca de 600 lideranças religiosas, parlamentares e jornalistas, foi menosprezado por integrantes proeminentes do governo, e o seu título foi alterado de forma a remover qualquer referência ao islamismo, o que resultou na denominação anódina: “Secularismo: Para Vivermos Melhor Juntos”. Foram três horas de debate após dois meses de acaloradas discussões políticas.

 
Iniciada pelo presidente Nicolas Sarkozy, o debate for organizado por Jean-Francois Cope, o líder do partido de Sarkozy, a União por um Movimento Popular. Mas o primeiro-ministro, François Fillon, recusou-se discretamente a participar, temendo que isso empurrasse o partido demasiadamente para a direita e pudesse levar a uma “estigmatização dos muçulmanos”, disse ele, o que levou Cope a acusá-lo de “não ser um jogador de equipe”.

 
A ideia, segundo ele, é ajudar a promover uma versão ocidentalizada do islamismo que se coadune com as normas comportamentais e culturais francesas, que aceite a igualdade entre os sexos e a natureza privada da crença religiosa. Cope disse que o debate foi “polêmica mas necessário”, e afirmou que “os valores da França são como os Três Mosqueteiros: liberdade, igualdade, fraternidade”. Ele disse que acrescentaria um quarto valor: o secularismo.

 
Mas os críticos, incluindo o cardeal Andre Vingt-Trois, manifestaram dúvidas quanto ao debate, afirmando que “os riscos não são pequenos”, não apenas no que se refere a alimentar a demagogia, mas também à possibilidade de que isso leve “a uma recusa de toda a expressão religiosa na nossa sociedade”.

 
O Conselho dos Bispos não participou, e os líderes das seis principais religiões – católicos, protestantes, cristãos ortodoxos, judeus, muçulmanos e budistas – emitiram uma declaração conjunta manifestando preocupação com a possibilidade de que isso pudesse “acrescentar confusão no período já conturbado que nós estamos atravessando”.

 
Mohammed Moussaoui, diretor do Conselho Francês para a Fé Muçulmana, afirmou: “Os muçulmanos franceses de hoje estão pedindo indiferença.” Existem entre cinco e seis milhões de muçulmanos na França, o que representa cerca de 10% da população do país, o que faz do islamismo a segunda maior religião após o catolicismo.

 
Yazid Sabeg, um assessor de Sarkozy, também se opôs ao debate, tendo afirmado que os problemas reais para os imigrantes e as suas famílias são o desemprego que atinge a juventude, a formação de guetos e o acesso justo à educação, e não o islamismo. Farid Hannache, um assessor próximo do imame moderado de Drancy, Hassen Chalghoumi, participou do debate. É necessário respeitar um consenso republicano, disse ele. “Se não debatermos essa questão, estaremos sendo covardes”, argumentou Chalghoumi. “Se não agirmos, estaremos cometendo traição”.

 
Omar Ait Mokhtar, diretor cinematográfico e membro do partido governista, afirmou: “Este é um debate muito interessante, necessário e construtivo. Nós, imigrantes vindos do norte da África, somos seculares; é só uma minoria que é formada por fanáticos”. A princípio ele mostrou-se cético, mas achou que o debate valia a pena, e que a iniciativa foi até corajosa.

 
Mas existe uma corrente política contrária forte. Sarkozy está tentando fazer com que a direita volte a se unir ao defender os “valores franceses” e adotar uma postura dura em relação ao crime. Com números muito baixos nas pesquisas de opinião pública, a possibilidade de que ele não consiga se reeleger no ano que vem assusta o partido, e isso já está provocando cisões entre campos diferentes e figuras importantes como Fillon e Cope, que no futuro poderão competir para suceder a Sarkozy. Neste sentido, o debate é um sinal do futuro do partido.

 
O partido também está assustado com o aumento acentuado da popularidade da Frente Nacional, sob a liderança de Marine Le Pen, a filha do fundador do partido, Jean-Marie Le Pen. O partido de Sarkozy está tentando desenvolver uma estratégia para 2012 e para enfrentar a Frente Nacional, competindo com ela em questões como o islamismo e a imigração.

 
As pesquisas revelam que até dois terços dos franceses acreditam que o “multiculturalismo” e a integração dos muçulmanos à sociedade francesa fracassaram, e esse é um dos principais temas abordados pela Frente Nacional. Um mês após Le Pen ter comparado as multidões de muçulmanos orando nas ruas em frente a mesquitas superlotadas à ocupação nazista da França, Sarkozy disse aos legisladores: “Eu não quero minaretes, chamadas para orações em espaço público, nem orações nas ruas.”

 
Argumentando que certas práticas religiosas estão desafiando o secularismo, a neutralidade religiosa do Estado e a vida pública na França, Sarkozy também introduziu e garantiu a aprovação de uma lei, que entrará em vigor na próxima segunda-feira, proibindo o uso de véus que cobrem a face inteira em espaços públicos.

 
Entre as questões debatidas está a possibilidade de incluir o islamismo no texto de uma lei de 1905 que separa igreja e Estado, mas que permite subsídios indiretos a igrejas e a sinagogas, que são mantidas por fundos estatais. As mesquitas não contam com tais benefícios, e alguns líderes muçulmanos desejam ajuda governamental para construírem novas mesquitas.

 
Claude Gueant, um confidente de Sarkozy que atualmente é o ministro do Interior francês, provocou controvérsia na última segunda-feira quando afirmou, referindo-se ao islamismo: “É verdade que o crescimento do número de seguidores dessa religião e uma certa quantidade de comportamentos representam um problema.”

 
Cope discutiu cerca de 26 propostas para a preservação do secularismo, incluindo um projeto de lei que proíba os cidadãos de rejeitarem um funcionário prestador de serviços públicos devido ao seu sexo ou religião. “A ideia é prevenir aqueles casos em que as mulheres muçulmanas, frequentemente devido à pressão dos seus maridos, se recusam a ser tratadas por médicos do sexo masculino”, disse ele.

Fonte: http://noticias.uol.com.br

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