Rabinos alertam para distúrbios alimentares entre judeus ortodoxos nos EUA - Por Roni Caryn Rabin

Nas grandes e cada vez maiores comunidades de judeus ortodoxos em volta de Nova York e em outros lugares, os rabinos estão alertando as pessoas para um problema inesperado: uma onda de anorexia e outros distúrbios alimentares entre meninas adolescentes.


Embora ninguém saiba se esses distúrbios são mais comuns entre os judeus ortodoxos do que na sociedade como um todo, eles podem ser mais impressionantes para quem é de fora. As mulheres ortodoxas são notoriamente conhecidas por se vestirem com modéstia, mas os serviços de casamento não têm pudores em perguntar sobre o tamanho do vestido da candidata a noiva – e da mãe dela – e a resposta preferida está entre 0 e 4, extra-pequeno.

 
Os rabinos dizem que o problema é particularmente difícil de tratar por causa do sentimento de vergonha que por muito tempo esteve associado às doenças mentais entre os judeus ortodoxos. “Há um grande estigma relacionado aos distúrbios alimentares – este é o verdadeiro problema”, disse o rabino Saul Zucker, diretor educativo da União de Congregações de Judeus Ortodoxos dos Estados Unidos, O.U. na sigla em inglês, a organização que emite o importante selo “kashrut” para os alimentos. “Mas esconder isso não fará com que o problema desapareça. Se não o enfrentarmos, ficará pior.”

 
Referindo-se ao alto risco de morte por problemas cardíacos e suicídio em pacientes com anorexia, ele disse: “Este não é um tipo de doença de luxo, em que alguém está simplesmente um pouco abaixo do peso. As pessoas morrem disso.” Quando era adolescente, Naomi Feigenbaum desenvolveu hábitos alimentares estranhos que não tinham nada a ver com as normas dietéticas dos judeus: cereal de chocolate com leite de manhã, uma vez que tinha o dia todo para queimar as calorias, e nada além de suco dietético e chiclete durante o restante do dia.

 
No mesa de jantar kosher em sua casa perto de Cleveland, ela diz que começa discussões com seus pais para que possa sair correndo e não comer. Ela perdeu peso tão rápido no segundo grau que usava alfinetes para ajustar suas longas saias em volta da cintura. Quando o rabino foi visitá-la, ela estava definhando. Ele disse que ela deveria frequentar um programa de tratamento aos sábados, o dia do descanso judeu, mesmo que tivesse que violar regras religiosas, dirigindo seu carro para chegar lá. Ele poderia até comer alimentos que não fossem kosher.

 
“Foi então que eu percebi que era uma questão de vida ou morte”, disse Feigenbaum numa entrevista. “Meu rabino leva a lei judaica à risca. Mas ele me disse que as leis judaicas são normas pelas quais Deus queria que nós vivêssemos, e não que nós morrêssemos, e que salvar uma vida está acima de todas elas.” Agora com 24 anos, ela escreveu um livro de memórias chamado “Uma Vida” (Jessica Kingsley Publishers, 2009) sobre sua recuperação da anorexia depois do tratamento na filial do Centro Renfrew na Flórida, uma clínica de distúrbios alimentares dos EUA.

 
Há poucas pesquisas que indicam quantas mulheres estão numa situação similar. Estudos israelenses revelam altas taxas de distúrbios alimentares entre adolescentes judeus, mas não entre os árabes, e o número de pessoas que fazem dieta em Israel está entre os mais altos do mundo – mais de uma mulher em cada quatro – embora as taxas de obesidade sejam relativamente baixas.

 
Os dados sobre os judeus norte-americanos são limitados, mas dois breves estudos reportaram altas taxas de distúrbios alimentares em certas comunidades. Um deles, um estudo de 1996 feito por uma escola de segundo grau ortodoxa do Brooklyn, revelou que uma em cada 19 meninas tinha distúrbio alimentar – cerca de 50% a mais do que na população em geral na época. O estudo de 1996 foi feito com a condição de que não poderia ser divulgado. O outro estudo, feito em 2008, observou 868 alunos judeus e não judeus de Toronto e descobriu que 25% das meninas judias sofriam de distúrbios alimentares que mereciam tratamento, em comparação com 18% das meninas não judias.

 
A demanda por programas de tratamento que acomodem as adolescentes ortodoxas fez com que o Centro Renfrew começasse a oferecer comida kosher em suas clínicas da Filadélfia, Nova York, Dallas e Flórida, enquanto um novo centro residencial que atende a mulheres jovens dos Estados Unidos abriu no ano passado em Jerusalém. Ele não é filiado ao Renfrew.

 
A Relief Resources, uma agência de saúde mental que atende às comunidades ortodoxas, tem uma linha telefônica para distúrbios alimentares, e no ano passado a O.U. se juntou a um assistente social para fazer o documentário: “Famintas por serem Ouvidas”, sobre distúrbios alimentares entre os ortodoxos.

A maioria das mulheres jovens entrevistadas para este artigo dizem que não culpam a cultura judaica por seus problemas de saúde e dizem que recebem apoio de sua fé religiosa. Mas elas falaram abertamente sobre a enorme pressão que sentem para se casar enquanto são jovens, e imediatamente constituírem famílias, e sobre os desafios de equilibrar suas carreiras profissionais com o imperativo de serem donas de casa perfeitas que preparam refeições elaboradas no Sabbath.

 
Especialistas dizem que os distúrbios alimentares costumam surgir durante a adolescência e outras épocas de transição. E em grandes famílias ortodoxas, costuma-se esperar que as meninas ajudem a cuidar de seus irmãos mais novos, deixando-lhes pouco tempo para ir atrás de seus próprios interesses. Especialistas suspeitam que a anorexia pode fornecer uma forma de postergar as responsabilidades adultas, literalmente parando o relógio biológico: a drástica perda de peso pode impedir a menstruação.

 
Jovens mulheres ortodoxas também devem seguir um rigoroso código de conduta, com poucas possibilidades de rebelião. Espera-se que elas sejam virgens até o casamento e que não namorem até começarem a procurar um marido. Até a fofoca é considerada um pecado.

 
Uma vez que os arranjos começam, pode ser que elas tenham que escolher um parceiro para a vida interia depois de apenas um breve namoro. Saber que existem doenças mentais na família pode afetar as chances de encontrar um bom parceiro, não apenas para o indivíduo mas também para os irmãos, então as jovens acabam evitando tratamento psiquiátrico.

 
Além de preencher os papéis tradicionais de dona de casa e cuidar dos filhos, muitas mulheres ortodoxas também assumem o papel do principal provedor do lar para que seus maridos possam seguir os estudos religiosos em tempo integral.

 
“É demais”, disse uma mulher de 23 anos da região de Nova York que está se recuperando de um distúrbio alimentar e pediu para não ser identificada pelo nome para proteger sua privacidade. Ela é casada e estuda em tempo integral, e preferiu engravidar mais tarde. “Muitas das minhas amigas estão trabalhando para sustentar seus maridos”, continuou ela, “mas faz parte da minha recuperação dizer que eu não posso fazer tudo – eu não sou a mulher maravilha.”

 
O alimento desempenha uma papel central na família e na vida religiosa judaica, e tanto o jantar da noite de sexta-feira quanto a refeição do Sabbath, bem como as refeições dos feriados, podem ter várias sequências de pratos. Mas os dias de jejum – quando nenhum alimento ou água é consumido por 24 horas – também estão espalhados pelo ano inteiro, normalmente precedidos por uma grande refeição.

 
Os sêderes da Páscoa judaica, que tradicionalmente incluem pão ázimo e quatro taças de vinho, junto com sopa, peixe recheado, carne de boi e kugel de batata, são um desafio em particular, dizem os especialistas. Para mulheres que têm distúrbios alimentares, isso tudo pode ser um convite para vomitar.

 
“Há muitas mensagens confusas”, disse uma mulher de 27 anos de uma comunidade ortodoxa rígida do Brooklyn, Nova York, que já pesou menos de 45 quilos apesar de seu 1,67 metro de altura. “Minha avó me via e dizia: 'você está tão bonita, está tão magra – venha, coma, coma.'” Muitos rabinos recebem pedidos para solucionar os conflitos entre as obrigações religiosas – como a exigência de jejuar no Yom Kippur, o Dia da Reconciliação – e as ordens dos médicos para que os pacientes não restrinjam o consumo de alimentos sob nenhuma circunstância.

 
“Uma paciente me liga e me diz que está pesando 37 quilos, e que está com fraqueza no corpo, e eu digo que não há dúvida de que ela deve comer durante o jejum – não é que ela pode comer, mas ela precisa comer”, disse o rabino Dovid Goldwasser, da Sinagoga Bais Yitzchak no Brooklyn, que ficou conhecido no mundo ortodoxo como especialista em distúrbios alimentares e aconselha mulheres do mundo inteiro.

“Elas têm muita dificuldade com isso”, disse Goldwasser, “e me dizem: 'mas não é verdade que jejuando você consegue o perdão pelos seus pecados?'”

 
“Eu tento responder ao conflito espiritual e digo que não, que Deus quer que ela coma. Digo que o fato de ela comer naquele dia é considerado como se tivesse jejuado.”

Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes

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