A tragédia da Noruega e a extrema direita europeia - Por Luiz Felipe de Alencastro

O atentado e o massacre de 77 pessoas perpetrados por Anders Behring Breivik em Oslo e na ilha de Utoya causaram horror e estupefação na Noruega e no resto do mundo. Mas levantaram também polêmicas sobre as atividades dos grupos e partidos de extrema-direita em diversos países europeus.

 
Breivik tinha alvos precisos: o bairro governamental de Oslo e o acampamento dos jovens na ilha de Utoya. Foi pouco notado que a ilha pertence ao próprio partido trabalhista (social-democrata) que atualmente governa a Noruega, e que ela tem servido, há vários anos, de sede para as chamadas Universidades de Verão, onde jovens socialistas debatem temas políticos e sociais da atualidade.

 
Ao contrário dos autores do massacre da Columbine School em 1999 (15 mortos) e da Virginia Tech University em 2007 (32 mortos), Breivik não é um maluco que saiu atirando ao acaso em meio a um surto assassino. Mais próximo do ideário racista e extremista de Tim McVeigh e Terry Nichols, autores do atentado a uma agência federal de Oklahoma em 1995 (168 mortos), ele preparou longamente os ataques que atingiram o governo social-democrata e os jovens militantes trabalhistas reunidos em Utoya. No entanto, a mixórdia ideológica que serviu para justificar seus atos criminosos, sintetizada no seu texto de 1.600 páginas que circula na internet , tem mais a ver com o contexto europeu do que com o americano.

 
Identificado pela mídia como "fundamentalista cristão" ou como protestante tradicionalista, Breivik não cita a Bíblia nem personagens do Velho Testamento e se concentra noutro referencial ideológico. Suas principais obsessões são o ódio aos muçulmanos, ao multiculturalismo e à mestiçagem étnica e cultura que, segundo ele, são protegidas pelo "marxismo cultural" e pelos trabalhistas noruegueses. Ora, estes delírios, por mais maníacos que sejam, também alimentam movimentos de extrema-direita em vários países europeus.

 
Neste contexto, na França, onde o partido de extrema-direita Front National é um dos mais estruturados e eleitoralmente mais fortes dentre os que se alinham ao extremismo europeu, o debate sobre a tragédia da Noruega tomou uma feição particular. Qual o impacto da propaganda anti-islâmica do Front National na criação de um clima hostil, e de eventuais atentados, contra os musulmanos franceses? Este caldo cultural islamofóbico pode fazer surgir na França um terrorista isolado, outro "lobo solitário" como Anders Breivik, disposto a atacar os muçulmanos ou seus alegados "aliados" de esquerda ?

 
Tais são as questões que foram debatidas por vários editorialistas e, em particular, por Laurent Joffrin, da revista parisiense de esquerda "Le Nouvel Observateur". Observe-se que o Islã aparece atualmente como a segunda religião na França, atrás do catolicismo, mas na frente das duas outras religiões tradicionais do país, o judaísmo e o protestantismo. Além do mais, um terço dos 5 ou 6 milhões de muçulmanos residentes na França têm cidadania francesa. Assim, as discussões vão além do tema imigração dos países muçulmanos da África ou do Oriente Médio e concernem diretamente a questão da identidade nacional francesa.

 
É preciso também lembrar que a candidata do Front National, Marine Le Pen, pesará nas presidenciais de abril/maio de 2012, nas quais, segundo as sondagens, ela já tem um mínimo de 20% de votos. Atualmente, ela aparece em terceiro lugar entre os presidenciáveis, atrás do candidato socialista (Martine Aubry ou François Hollande) e do presidente Sarkozy.

 
Segundo os especialistas, as peripécias da campanha eleitoral e o declínio do prestígio de Sarkozy podem, talvez, levar Marine Le Pen ao segundo turno da presidencial, fazendo-a assim igualar a performance de seu pai, Jean-Marie Le Pen, nas presidenciais de 2002. Desse modo, o tema do Islã e do anti-islamismo estará em pauta na campanha eleitoral francesa de 2012. No curto prazo, os serviços de segurança franceses e europeus tem outras preocupações.

 
De fato, como observou no "Le Monde" o politólogo francês François-Bernard Huyghe, a ação solitária e maníaca de Anders Breivik demonstrou que indivíduos de extrema-direita, isolados, mas imbuídos de racismo anti-islâmico, podem praticar tragédias de grande porte. Este novo fato, conclui Huyghe, "muda singularmente as perspectivas das políticas anti-terroristas, até agora orientadas para o perigo islamistas e Al Qaeda".


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