Hirsch mostra construção das crises no capitalismo - Por Eleonora de Lucena

"As crises são o veículo com o qual o capitalismo se mantém, apesar de suas contradições, no decorrer do tempo. Para a sociedade capitalista, vale precisamente a ideia de que tudo deve modificar-se para que o velho continue."

Com esse pano de fundo que lembra as palavras do príncipe de Falconeri, personagem do romance "O Leopardo", de Tomasi di Lampedusa, Joachim Hirsch constrói: "A Teoria Materialista do Estado".

No livro, o professor emérito de ciência política da Universidade Johann Wolfgang Goethe de Frankfurt (Alemanha) trata das metamorfoses do capitalismo, focando o entrelaçamento entre Estado e mercado, concebidos como uma unidade.

Desconstruindo visões que apontam oposição entre ambos, Hirsch, 73, afirma: "O Estado enquanto aparelho de força possibilita a existência do mercado, por meio da garantia da propriedade privada e das relações jurídicas apoiadas nela, e deve permanentemente intervir no processo mercantil para mantê-lo em funcionamento".

Baseado nos conceitos do marxismo, o autor traça a trajetória do capitalismo, enfatizando as diferenças entre o período de expansão no século 20 até a década de 1970, classificado como "fordismo", e a ascensão do neoliberalismo, o "pós-fordismo".

Atacando concepções difundidas da "globalização", Hirsch analisa esse regime de acumulação como uma "nova forma de internacionalização da produção, que se tornou possível por meio da liberalização dos mercados de mercadorias, financeiro e de capital, bem como pelas novas tecnologias de comunicação e transporte".

ESTADO E CAPITAL

Para o autor, há "uma nova divisão internacional do trabalho, que suplanta a antiga, fundada na exportação de capital e no comércio de mercadorias".

Ele argumenta que, apesar do avanço das multinacionais, os Estados continuam com força. As empresas precisam deles para impor regras, como as sobre o mercado de trabalho, salário, emprego de imigrantes etc.

O professor enfatiza o aumento das desigualdades econômicas e sociais nas esferas nacionais e internacionais e declara: "Esse desenvolvimento desigual é fundamental para o processo de acumulação global".

Na sua concepção, existe hoje um "hiperimperialismo", um sistema instável, "que pode desmoronar com uma crise econômica de maior envergadura".

O livro, que merecia uma edição mais cuidadosa, quase não trata da China. O autor parece esquecer a importância crescente do país na economia mundial. Sua análise sobre o papel do Estado poderia ganhar outro relevo se abordasse o modelo chinês. É uma lacuna.

Um dos pontos fortes do trabalho de Hirsch é o seu diagnóstico cáustico sobre o quadro político atual.
Ele diz que "o futuro da democracia liberal também está em questão". "A chamada globalização é um ataque politicamente impulsionado contra as conquistas democráticas obtidas ao longo dos séculos 19 e 20", afirma.

Apontando um rompimento entre capitalismo e democracia, ele mostra a corrosão de partidos e de instituições. Identifica um "chauvinismo do bem-estar" e alerta para os riscos de ideologias de extrema direita. Impossível não lembrar os ataques de Oslo.

Hirsch descreve como "os processos mercantis penetram em todas as áreas da vida". O pensamento dominante tira indivíduos de seu contexto social e eles viram "empresários de si mesmos", preocupados com sua emancipação individual.

CRISE E CONFLITOS

O autor chega próximo de prever o acirramento da crise financeira das últimas semanas e os conflitos sociais que estouraram nos últimos meses na Europa e no Oriente Médio.

Entende que a crise "provoca uma aceleração do processo de monopolização e o aumento do entrelaçamento entre capital e Estado".

Para Hirsch, não há uma alternativa visível. Advogando uma "completa reconfiguração das relações entre o público e o privado", quer "uma mobilização social fora e independente do Estado, do parlamente e dos partidos". São ideias radicais.

Um embrião dessa obra foi publicado no Brasil em 1998 na edição 19 da revista: "Ensaios FEE", da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul.

O texto: "Globalização e Mudança Social: O Conceito da Teoria Materialista do Estado e a Teoria da Regulação" teve tradução de Moema Kray, com revisão da então técnica Dilma Vana Rousseff.

TEORIA MATERIALISTA DO ESTADO

AUTOR Joachim Hirsch
EDITORA Revan

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