Apoio de artistas desafina o tom do "Ocupe Wall Street" - Por Frank Bruni

 
Para os manifestantes do movimento "Ocupe Wall Street", saber que as celebridades compartilham de seus sentimentos deve ser muito reconfortante.

Roseanne Barr, por exemplo. A comediante sangra por eles. Ou, na verdade, propõe que outros sangrem; inspirada pelos protestos, recomendou que os banqueiros mais cobiçosos sejam guilhotinados.

Ela não faz parte dos 99%.

Russell Simmons, o magnata do rap, e o rapper Kanye West visitaram o berço do "Ocupe Wall Street", o Zuccotti Park. Os relatos concordam em que West ostentava mais jóias, ainda que Simmons tenha mais dinheiro: seu patrimônio líquido foi estimado entre os US$ 100 milhões e os US$ 340 milhões. O de West é menor, e ele só faturou US$ 16 milhões no ano passado.

Eles não estão nem nos 99,5%.

E embora o fato não impeça que eles, Barr e outros artistas simpatizem com o "Ocupe Wall Street", faz com que seus gestos públicos de solidariedade assumam um tom dissonante, e ocasionalmente espúrio. Também serve para confundir a identidade de um movimento de protesto que já tem muito a remediar no departamento da coerência.

O lema "somos os 99%" adotado pelo movimento expressa ira não só quanto ao fato de que as maiores instituições financeiras pouco fazem para prestar contas à sociedade mas também quanto à desigualdade de renda nos Estados Unidos e a concentração de tamanha riqueza e privilégio nas mãos de tão poucos. A cada vez que um mensageiro endinheirado se aproxima dos manifestantes, esse aspecto da mensagem se torna confuso e ela pode se ver comprometida.

E a aproximação começou. Pequeno mas crescente número de atores e músicos começa a visitar o Zuccotti Park, e o movimento corre o risco de se tornar uma espécie de papel pega-moscas para apanhar artistas que gostam de alardear sua visão populista.

Susan Sarandon esteve lá. Michael Moore esteve lá. Embora os dois possam ter sido propelidos por raiva genuína, ambos têm raiva de sobra, e são famosos por ela, e a espalham com tamanha intensidade, que sua presença pode fazer o oposto de intensificar os protestos; caso compareçam, as manifestações podem se tornar uma simples modinha passageira entre os famosos, justificando a descrença dos céticos.

Os artistas são membros da elite econômica muito bem relacionada contra a qual o "Ocupe Wall Street" supostamente protesta, quer se vejam dessa forma, quer não. É verdade que eles não criaram pacotes de derivativos hipotecários, e que seus corações, embora possam se expressar de modo extravagante, talvez estejam do lado certo. Muitos deles oferecem apoio generoso a organizações de caridade. Muitos deles fazem o bem, e em escala considerável.

Mas ainda assim ganham carradas de dinheiro, e propiciam lucros ainda maiores para grandes empresas dirigidas por executivos regiamente remunerados que produzem e distribuem seus programas de TV, filmes, discos e turnês; bem como para as empresas que vendem as roupas, eletrônicos e os cada vez mais importantes produtos cosméticos e de cuidados pessoais que os artistas são pagos generosamente para divulgar.

Em certos casos, os artistas chegam a ganhar dinheiro diretamente para o setor financeiro. A questão foi mencionada na semana passada, quando Alec Baldwin visitou o Zuccotti Park.

Críticos mencionaram o fato de que ele estrelou comerciais para o Capital One, um grande banco. Embora tenha rebatido informando que doa o cachê recebido por esse trabalho, o ator ainda assim promove a companhia, e restam outras facetas de seu trabalho e vida que fazem como que ele, e outros astros e estrelas, sejam pouco compatíveis com um movimento cuja preocupação é a influência excessiva das grandes companhias e a má distribuição da riqueza.

Baldwin tem casas em Manhattan e nos Hamptons, fato apontado de maneira proeminente em reportagem sobre uma investigação tributária municipal em Nova York, a cidade onde ele vive a maior parte do tempo.

A série que ele estrela, "30 Rock", é transmitida pela rede NBC, parte da NBC Universal; o presidente-executivo do grupo, Steve Burke, faturou US$ 34,7 milhões em remuneração no ano passado, de acordo com recente pesquisa da revista "Hollywood Reporter" sobre os salários dos executivos.

A mesma pesquisa estimou a remuneração de Brian Roberts, o presidente-executivo da Comcast, acionista majoritária da NBC, em US$ 31,1 milhões. Philippe Dauman, o presidente-executivo da Viacom, que controla a Paramount Pictures, superou a ambos. De acordo com informações prestadas pela empresa à Securities and Exchange Commission (SEC, órgão que fiscaliza e regulamenta o mercado de valores mobiliários), no ano passado ele faturou US$ 85 milhões, mais que o dobro de sua remuneração em 2009. Como os executivos financeiros de Wall Street, os executivos da indústria do entretenimento não parecem estar sofrendo demais no atual clima econômico.

As celebridades ajudam esses executivos a forrar os bolsos, mesmo que não seja esse o seu objetivo, e além disso trabalham por fora em apoio a outras empresas de sucesso, como garotos-propaganda. Alguns parecem estar cientes de como isso pode parecer mercenário, e por isso concentram seu trabalho publicitário em mercados estrangeiros, especialmente na Ásia, onde sua base primária de fãs não se incomoda tanto com isso. Sarandon, ao menos, está fazendo seu trabalho publicitário, para a cadeia de varejo de roupas Uniqlo, bem aqui, em outdoors espalhados por Manhattan e em um anúncio de página inteira na revista "New Yorker", uma semana atrás. Aposto que ela escolheu a Uniqlo porque não se trata de uma Prada, e isso merece elogios; e seus anúncios para revistas promovem outra coisa que não o glamour. O suéter de lã que ela mostra em um anúncio custa US$ 39,90.

Mas a Uniqlo é parte de uma bilionária corporação japonesa, e a vasta maioria de suas roupas é produzida na China. Como isso ajuda os jovens norte-americanos desesperados por um emprego que formam a base do "Ocupe Wall Street"?

Os sinais que as celebridades enviam quanto ao Ocupe Wall Street são contraditórios, e servem para nos lembrar que raramente as criticamos por sua evidente cobiça.

Algumas delas aceitaram centenas de milhares de dólares em pagamentos por presença e apresentações nas festas particulares de déspotas bilionários. Cantores como Mariah Carey, Nelly Furtado, Usher e Beyonce (que faz publicidade para marcas como L'Oreal, Armani, Nintendo e Pepsi) se apresentaram para membros da família de Gaddafi. Será que cantarão seu luto no funeral? Hillary Swank e Jean-Claude Van Damme foram à festa do 35º aniversário do tirano tchetcheno Ramzan Kadyrov. Isso não aconteceu como resultado de uma longa e estreita amizade.

Nossa esperança deve ser de que esses artistas se mantenham longe do Zuccotti Park, mas nunca se sabe. Artistas adoram fazer pronunciamentos políticos, mesmo que observem o mundo de um ponto de vista tão distorcido e isolado quanto o dos presidentes das maiores companhias norte-americanas. Existem muitas causas que precisam de divulgação e poderiam se beneficiar da intervenção de celebridades.

O Ocupe Wall Street não é uma delas, pelo menos não a essa altura. Os artistas que erguerem essa bandeira podem conseguir se promover e acariciar seus egos como recompensa por seus esforços, mas não farão bem ao movimento. E os manifestantes fariam bem em manter longe deles tudo que reluz --o que inclui a corrente de ouro usada por Kanye West.

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