UnB concede título de doutor honoris causa a Paulo Freire

Paulo Freire foi professor, escritor, teórico, político e militante de causas sociais. Por todas as suas realizações e pela sua extensa obra, simbolizada pelo clássico. Pedagogia do Oprimido, ele foi diplomado doutor honoris causa por 40 universidades brasileiras e estrangeiras.
 
Nesta quinta-feira, 6 de outubro, ele recebeu postumamente o título da Universidade de Brasília. Uma homenagem especial, segundo sua viúva, a professora Nita Freire. "Quando penso na UnB, penso em Paulo. Este título, mais do que outros, é diferente por ser esta a universidade situada na cidade-símbolo do sonho de todos os brasileiros, uma universidade que possui uma conduta ética e política a favor do povo esfomeado e oprimido do Brasil", disse Nita na cerimônia realizada no Memorial Darcy Ribeiro. Ela lembrou de quando Darcy convidou Paulo para participar da concepção da UnB.
 
O antropólogo insistiu bastante, mas a recusa tinha motivos sentimentais: Paulo Freire não queria sair de Recife, sua cidade natal. "Darcy, parabéns e sucesso. Participarei no que puder desse troço formidável, mas à distância", disse na época o educador. Anos depois, em 1987, ele chegou a participar do Conselho Superior da Fundação Universidade de Brasília.
 
O reitor José Geraldo de Sousa Junior destacou que, embora tenham sido contemporâneos e lutado por causas semelhantes, Darcy e Paulo nunca realizaram nenhum projeto juntos. Segundo ele, a Semana Universitária em homenagem ao criador da Pedagogia do Oprimido é também uma tentativa de unir os ideiais desses dois sonhadores. "A UnB quer se realizar como uma universidade emancipatória, que busca transformar a sociedade por meio da ação social coletiva, guiada por valores como liberdade, solidariedade, dignidade", disse. "Para isso, Paulo Freire é um interlocutor necessário".

"Essa homenagem traduz a atualidade, a relevância e a necessidade do pensamento de Paulo", afirmou Nita Freire. "O Brasil está vivendo uma ruptura de um modelo arcairo para um país onde todos e todas participam da construção da cidadania. Paulo é um dos maiores responsáveis por essa transformação".

Segundo a professora, para que essa transformação continue, é preciso que a UnB e todas as universidades que reconheceram o valor do pensamento freiriano unam-se para realizar uma política de educação libertadora. Nos moldes pensados por Paulo Freire e Darcy Ribeiro, unindo educação e cultura.

"É na nossa produção cultural, imbricada com a educação formal, que vamos poder autenticar a nossa brasilidade e nos dar a cara de um Brasil democrático", disse Nita. "Falta uma política cultural que possibilite a homens e mulheres se conscientizarem de seu poder de transformar a sociedade". Como escreveu o próprio Paulo: "Ninguém liberta ninguém. Ninguém se liberta sozinho. Os homens se libertam em comunhão".
Professores da Faculdade de Educação também estavam presentes à homenagem, confirmando a importância que Paulo Freire ainda tem na formação dos pedagogos. A diretora da FE, Carmenísia Jacobina, o vice-diretor, Cristiano Muniz, mais os professores Erlando da Silva Régis, Maria Luiza Angelim, Antônio Fávero Sobrinho, Laura Coutinho e Carlos Alberto Lopes reafirmaram seu compromisso de disseminar os ideais plantados pelo maior educador brasileiro. "Considero a concessão desse título um dos compromissos mais expressivos da FE", disse Carmenísia.

Segundo Nita Freire, o reconhecimento deixaria Paulo "muito alegre e com um orgulho contido". O certo é que, mais que o título, ele se emocionaria com a convicção com que suas ideias são carregadas pelas pessoas dentro da universidade.

Na sua última conferência, em 1996, ele falou dessa emoção quando foi homenageado durante a instalação do Fórum Regional de Alfabetização de Jovens e Adultos da Ceilândia. Na ocasião, Paulo Freire disse o seguinte:

"Hoje eu recebo um outro doutoramento, que pra mim tem tanta importância, tanta significação quanto o doutoramento da academia. Eu recebo aqui, agora, um doutoramento do povo, o diploma do povo, um diploma que não está aqui, mas que está na cabeça de todo mundo: no corpo, na imaginação, no sonho. O diploma deve dizer:

'Paulo, meu camarada, você andou brigando, andou lutando, andou fazendo coisas com outros paulos, outras marias. E essas coisas sempre disseram respeito a nós. Nós agora, aqui em Ceilândia, damos a você um diploma que não é igualizinho ao doutoramento da universidade, mas que tem a mesma significação, porque é o testemunho que você faz uns trecos certos'.

Então, é isso que eu sinto hoje, aqui nesta noite. E outra coisa que eu queria dizer, para terminar. É que eu estou absolutamente convencido, e sempre estive desde a minha mocidade, de que nunca fazemos as coisas sozinhos. O que coube a mim, talvez mais do que a outras pessoas, foi ter visto, imaginado, sonhado claramente com coisas que nem todos estavam vendo, ou sonhando, mas que se não tivesse havido a solidariedade de uma quantidade enorme e crescente de gente que confia em si mesma, de gente que quer assumir um papel sério na história da vida política deste país, se não houvesse tanta gente assim, gente como vocês, evidentemente que Paulo Freire estaria esquecido, ou seria convertido em um verbete de enciclopédia.

Eu me sinto mais do que um verbete de enciclopédia, eu me sinto gente como vocês, cheio de esperança. Convencido de que eu posso até não ver este país mudado, mas não tenho dúvida nenhuma de que terei contribuído com um mínimo para a mudança deste país. Obrigado
". 

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