Projeto com 52 unidades no país reabilita 80% de dependentes - Por Adauri Antunes Barbosa


Uma das mais bem sucedidas experiências na recuperação de dependentes químicos do país, a Fazenda da Esperança conseguiu a reabilitação de 80% das cerca de 20 mil pessoas que passaram por suas comunidades terapêuticas em 28 anos de atividade. 

Visitada pelo Papa Bento XVI em 2007, que foi à sua sede, em Guaratinguetá, a 180 quilômetros de São Paulo, a fazenda tem sua metodologia baseada em três fundamentos: vida em comunidade, trabalho e espiritualidade. 

E é um contraponto aos péssimos resultados e às barbaridades constatadas pelo Conselho de Psicologia em visitas a clínicas de todo o país, que divulgou relatório mês passado.
- A comunidade terapêutica não tem médico, não tem remédio, não é tratamento psiquiátrico. Nosso método tem como base a convivência, o trabalho e a espiritualidade. Não é um leito, como se diz de outros tipos de tratamento de dependentes químicos, com remédio o tempo todo, que deixa a pessoa dopada, babando o dia inteiro. O que vale é a convivência - explica o coordenador Marcos Silva de Jesus, de 30 anos.
As comunidades da Fazenda da Esperança são espaços onde os recuperandos, como são chamados, moram em várias casas. Cada uma representa um passo dado no processo terapêutico. Assim que chega, o interno passa por um período de adaptação que varia de três a quatro meses. O principal instrumento terapêutico é a convivência. São formadas redes de ajuda entre as pessoas que moram na mesma casa ou trabalham juntas.
Sem grades, sem cadeados
Para entrar na Fazenda o recuperando assume o compromisso de permanecer durante um ano para o tratamento. Ele pode sair quando quiser. Não há grades nas janelas nem cadeados nos portões. Cerca de 80% ficam até o fim do tratamento. Depois desse período, há a volta à sociedade, que é acompanhada, já que todos vão enfrentar a realidade, onde há drogas, bebidas alcoólicas, cigarros - tudo o que aprenderam a evitar.
Nos primeiros meses, conta o coordenador Marcos de Jesus, o recuperando é apresentado à nova forma de vida. As principais dificuldades, geralmente, são de relacionamento, a convivência comum e a disciplina, principalmente com os horários, e ter de parar de fumar cigarros.
- Muitos vêm de um ambiente degradado de vida, onde não há horário para nada, a não ser o consumo de drogas - observa Marcos, lembrando que todos trabalham e, conforme a etapa do tratamento, vão aumentando as responsabilidades pessoais e com a comunidade.
Experiências no Brasil e no exterior
Atualmente, são 72 Fazendas da Esperança - 52 no Brasil e 20 em outros países. São atendidas 2.500 pessoas entre 15 e 55 anos. A comunidade terapêutica é ligada ao movimento Focolares, da Igreja Católica, e administrada pela entidade Obra Social Nossa Senhora da Glória. Em Guaratinguetá, onde o projeto começou, em 1983, há uma unidade masculina com 120 recuperandos e outra feminina com 70 recuperandas.
Além de manifestar expressamente sua vontade de fazer o tratamento, o recuperando tem de ter a colaboração da família que, uma vez por mês, se encarrega de vender um cesta de produtos feitos pelos recuperandos. Cada cesta custa um salário mínimo e os produtos variam, de artesanato a suco de babosa, água sanitária e quiosques de plástico reciclado.
Ao contrário do que ocorre entre homens, ala feminina de fazenda tem vagas sobrando
Há quatro meses na Fazenda em Guaratinguetá, André de Oliveira, de 28 anos, mecânico de automóveis, viveu durante dois anos e meio na Cracolândia, em São Paulo. Conta que, desde os 17, usava maconha, cocaína e crack. Roubava do pai, da mãe, das irmãs e da mulher, que teve de vender o apartamento onde moravam. A filha, de 9 anos, não o vê há três anos.
- Roubei, tirei tudo da minha família. Eu me senti covarde, muito covarde, e resolvi morar na rua.
Quando percebeu que estava no fundo do poço, pediu socorro a sua irmã. O cunhado, que ele não conhecia, indicou a fazenda.
- Nunca tinha visto o cara. Quando encontrei, ele não me xingou, não me humilhou, não fez nada contra mim. Ele me abraçou e disse: "Vou ajudar você" - diz André.
João de Deus Pereira dos Santos, de 33 anos, que está em Guaratinguetá há nove meses, é farmacêutico e sempre teve uma vida regrada: estudava e trabalhava. Começou a usar cocaína ocasionalmente aos 28. Filho adotivo, há cinco anos seu mundo começou a desmoronar com uma sucessão de fatos: surgiu uma irmã de sangue que não conhecia, casou-se, teve um filho, a mãe de sangue apareceu para lhe pedir perdão e a mãe que o criou morreu.
- Mergulhei na cocaína. Via que estava me afundando mas não conseguia pedir ajuda. Não tinha força para brincar com meu filho. Só conseguia trabalhar, cheirar e dormir. Usei o exemplo do caso do Fábio Assunção para sentir a reação da família. "Um vagabundo", disse minha mulher. "Todo drogado tem que morrer", disse um outro familiar. Um dia, transtornado, disse para eles que era dependente e que a briga deles deveria ser contra isso, e mostrei a cocaína que tinha acabado de comprar. Cheirei na frente da minha mulher, da família e pedi ajuda. Eu precisava de ajuda - conta, emocionado.
A fazenda também tem uma ala feminina, coordenada por Angelúcia dos Santos Moura, de 46 anos. Ao contrário da masculina, há vagas.
- Temos 70 recuperandas, mas podemos abrigar até 80. É mais difícil para a mulher admitir que precisa do tratamento. A mulher é mais sensível, muito mais machucada. É preciso tempo para adquirir confiança.

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