Tarsila do Amaral é alvo de grande retrospectiva no Rio - Por Silas Martí


Mais de 30 anos depois de pintar "A Negra", de 1923, retrato de uma antiga ama de leite que virou um ícone do modernismo brasileiro, Tarsila do Amaral tentou fazer uma segunda versão da tela.

Não conseguiu ou não quis, deixando enormes faixas cinzentas atravessando a tela no lugar das cores da original. É essa obra incompleta que norteia a mostra da artista, morta aos 86 em 1973, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio.

Enquanto discursos surrados sobre a artista tendem a ganhar mais força no marco dos 90 anos da Semana de Arte Moderna de 1922, sua "Negra" inacabada aponta para outra direção, Tarsila foi mais volúvel e errática do que a musa moderna que virou depois uma espécie de mito.

Seu quadro inacabado data de um momento conturbado na vida da artista. Em crise financeira e amargando a morte da neta Beatriz, que morreu afogada em 1949, esse retorno tardio à fase áurea da carreira, a década de 1920 em que vivia em Paris, até hoje intriga seus estudiosos.

"Todos os grandes artistas deixam algo inacabado", diz Antônio Carlos Abdalla, curador da mostra. "Reproduzir uma obra anterior numa época em que estava frágil pode ter sido uma espécie de freio."


Fotomontagem
Fotografia que inspirou tela "A Negra", de Tarsila do Amaral
Fotografia que inspirou tela "A Negra", de Tarsila do Amaral


DIÁRIO

Pelas ausências, como a "Negra" original, consagrada como obra-prima, e o "Abaporu", hoje numa coleção argentina, a mostra no Rio constrói um retrato afetivo da artista, calcado no diário de suas viagens pela Europa, África e Oriente Médio com o marido Oswald de Andrade.

Nesse mesmo diário, Tarsila colou uma fotografia da negra, uma ex-escrava de sua fazenda no interior paulista, que deu origem à tela.

Suas impressões sobre o corpo, o fascínio pela vida urbana, a flora tropical e mais tarde suas telas de cunho social aparecem em trabalhos pontuais. De um nu acadêmico, com discreta influência impressionista, para os corpos geometrizados que fez no ateliê de Fernand Léger, em Paris, Tarsila mostra como absorveu a vanguarda.

Outras telas pontuam a transição da infância numa fazenda cafeeira para a metrópole. Também há uma série da fase surrealista, provável influência de André Breton, mentor do movimento, que frequentava as feijoadas na casa de Tarsila em Paris.

TARSILA DO AMARAL

Início , 2ªfeira, 13/02, às 19h, para convidados; de ter. a dom., das 9h às 21h; até 29/4

CCBB-Rio (r. Primeiro de Março, 66, Rio, tel. 0/xx/21/3808-2020)

Entrada franca


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