Conflitos no Mali afetam turismo no país predominantemente muçulmano do oeste da África - Por Holland Cotter


Como na maior parte do mundo islâmico, "insha' Allah" – "se Deus quiser" - é como as pessoas pontuam conversas em Mali, um país predominantemente muçulmano do oeste da África. Se você falar em iniciar um projeto, fazer uma viagem ou tentar pagar uma dívida, sempre se entende que o resultado é condicional.

Recentemente os moradores de Mali tiveram que confiar nos céus mais do que o normal. A safra anual de painço chegou muito cedo e foi muito escassa. No final do outono e no inverno houve ataques contra europeus por uma afiliada da Al Qaeda. 

Os militares derrubaram o governo em Bamako, capital do país, deixando uma das nações mais pobres da África isolada do mundo. Enquanto isso, rebeldes Tuareg e forças islamitas tomaram a metade norte do país, incluindo Timbuktu.

O turismo, tão essencial para a economia, foi reduzido a um gotejamento, embora o oeste da África nunca tenha atraído o tipo de multidão faminta por monumentos que vai para o Egito. A maioria dos turistas que visitam o país está em busca da África "negra" - a África da chamada arte tribal – e muitos têm apenas uma pequena noção da extraordinária vitalidade da cultura islâmica, antiga e nova, abaixo do Saara.

Em cidades modernas como Bamako, capital de Mali, e Dakar, no Senegal, esta cultura costuma assumir uma voz pop, com frases religiosas pintadas de spray nas paredes e música devocional lamuriosa nas ondas aéreas. 

Na antiga cidade de peregrinação de Djenne, localizada entre dois rios no centro do país e acessível apenas por balsa, a voz é mais tranquila, temperada pela tradição, mas também moldada e, dizem alguns, distorcida, pela intervenção moderna.

Djenne, junto com Timbuktu, foi por muito tempo um ponto central para a difusão do Islã no continente. Embora o Islã só tenha tomado firmemente a cidade no século 13, quando um governante local se converteu, ele vinha se infiltrando pelas rotas de comércio da costa do Mediterrâneo e do Oriente Médio durante séculos. 

Junto com o sal, ouro e escravos, as caravanas de mercadores levavam acadêmicos e escribas, muitos dos quais pararam ao longo do caminho para montar escolas muçulmanas e ateliês de manuscritos.

Seu caminho ainda pode ser imaginado hoje nas incontáveis mesquitas de pequenos vilarejos que pontuam a paisagem de Mali como pontos de parada, algumas baixas e pintadas de turquesa e branco, outras moldadas com terra como potes de cerâmica. E é fácil experienciar o entusiasmo antigo de chegar em Djenne, com sua majestosa Grande Mesquita vista de longe contra o horizonte, deixando pequena a cidade em torno.

A mesquita é um dos monumentos religiosos mais reverenciados da África. Construído quase que inteiramente de tijolos secos ao sol cobertos com argila, é o maior exemplo sobrevivente do distinto estilo de arquitetura africano. Em tributo a seu status, ele foi designado, junto com o bairro adjacente de casas baixas de adobe, como patrimônio mundial da Unesco.

Mas para um observador ocidental o selo de aprovação da Unesco pode causar expectativas que a construção não cumpre exatamente. Patrimônio mundial implica algo bastante antigo, e a mesquita, como existe hoje, não é antiga. 

A mesquita original, datada do século 13 ou 14, era uma ruína quando o explorador francês reportou vê-la em 1828, e depois foi demolida. Foi só em 1907, no momento em que Djenne se tornou um posto colonial francês, que a mesquita que vemos hoje foi construída no local da primeira.

O arquiteto, Ismaila Traore, construtor chefe da cidade e muçulmano, usou materiais tradicionais incluindo inserções de troncos de palmeira aparentes na fachada. Mas como observaram os historiadores, o projeto como um todo adere ao estilo neo-sudanês que na época era promovido pelos franceses, que queriam dar uma aparência uniforme para todas as suas propriedades no oeste da África.

Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes

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