A miopia sobre o outro e do mundo - Por Thífani Postali e Paulo Celso da Silva


A África é um território com clima escaldante. Ela é selvagem, tomada de animais agressivos e prontos para devorar qualquer turista desavisado. 

Lá só existe fome, miséria e talvez, culturas pouco compreendidas pelo resto do mundo, como a religião que evoca o demônio e as tribos de canibais. Há quem acredite que a África se resuma a isso. 

E a China? O que sabemos sobre ela? No momento, que está crescendo economicamente e que se continuar nessa velocidade, irá dominar o mundo, podendo inclusive, acabar com o consumo de carne - pelo menos essa é uma das preocupações apresentadas pela indústria agropecuária.

A questão é que estamos em um estágio de envolvimento entre países que vem crescendo desde a década de 1970, cujo fenômeno é intitulado globalização. Segundo o geógrafo Milton Santos, em seu livro: "O país distorcido", ela pode ser entendida como o caldeamento de culturas, línguas, religiões e manifestações existenciais, tendo o processo de internacionalização como seu estágio supremo.

Milton Santos reforça ainda que nesse processo "o mundo inteiro torna-se envolvido em todo tipo de troca: técnica, comercial, financeira, cultural". Entretanto, qual será o nosso grau de envolvimento nisso tudo? 

Pensando as nossas preferências, perceberemos que elas envolvem alguma cultura diferente. Como exemplo, minha culinária predileta pode ser a japonesa, o modelo de carro alemão, o cinema o norte-americano, os perfumes franceses. 

Já para o meu vizinho, carros japoneses, culinária italiana, perfumes norte-americanos, cinema espanhol são os seus prediletos. Podemos então, optar sobre as nossas preferências e, com isso, ampliar os costumes.

Todavia, ocorre algo contraditório dentro de todo o processo: temos as nossas preferências, mas pouco sabemos sobre o local de onde elas vêm. Estamos praticando o legado alheio, no entanto, não fazemos ideia nem de como tudo foi criado. Apenas adotamos certos gostos, tornando-os parte do que somos, construindo então nossos modos variados e, assim, globalizados. 

Mas, na verdade e, na maioria dos casos, não possuímos aprofundamento sobre o que realmente estamos adotando como parte de nós. Aplico grande parte da culpa de não conhecermos efetivamente "os outros", nos meios de comunicação de massa e na educação formal brasileira que parece não se importar em criar novas estratégias e adequar o ensino para se compreender as mudanças sociais. 

Ainda sobre os meios de comunicação, pensemos o conteúdo dos canais fechados, tão consumidos no momento. Uma rápida passagem pela televisão e percebemos como vamos construindo conceitos sobre o que são os outros e do que até mesmo nós somos para eles. Como exemplo, é muito comum nos casos de homicídios desvendados pelos seriados dos CSI Miami e Nova York, aparecerem os latinos como causadores dos problemas estadunidenses e, nesses, os mexicanos lideram! 

Outro dia, assisti a um programa norte-americano sobre os vírus letíferos e uma das frases do documentário chamou a atenção: "um dos principais motivos que leva os Estados Unidos a possuírem vírus mortais é o turismo de estadunidenses em países subdesenvolvidos". 

Já o Discovery Channel e o National Geographic apresentam, periodicamente, programas sobre como sobreviver à selvageria da África, como se o continente se resumisse a isso. A fim de saber também como os africanos vêem o Brasil, perguntei a angolana Neusa Bambi, que está no Brasil há dois anos. 

A estudante de jornalismo revelou que antes de conhecer o Brasil, imaginava selva, carnaval e mulheres com pouca roupa. Fiz a mesma pergunta a diversos estadunidenses e as respostas foram idênticas as de Neusa. Ela disse que quando conheceu o país pessoalmente, percebeu que era bem diferente daquilo que a televisão mostrava. Ressaltou que o Brasil parece-se em contexto urbano com algumas regiões de seu país.

A verdade é que os brasileiros, igualmente, nem imaginam que Angola possui uma cidade semelhante a São Paulo, quando ainda muitos, nunca pararam para entender que a África possui inúmeros países, formados por culturas distintas. 

Nós, brasileiros, a imaginamos como um território em que todos os espaços são iguais, incluindo religião, língua, culinária, música entre outras manifestações. E, se tratando da África, devemos levar em consideração que grande parte de nossa cultura possui qualidades africanas que são heranças de nosso contexto sócio-histórico. Sendo assim, nos seria uma obrigação entender parte do que também somos.

A miopia sobre o outro é mundial, já que aceitamos os modelos dos continentes e países apresentados pelos meios de comunicação. O problema é que ainda não procuramos formas efetivas de mudar o nosso conhecimento. 

Continuamos recebendo e aceitando o que nos é mediado, sem questionamentos. E enquanto possuirmos essa visão distorcida, a globalização estará limitada às questões econômicas, sendo as culturais nos dada parcialmente e, por vezes, distorcida.

Thífani Postali é mestre em Comunicação e Cultura pela Uniso (thifani@terra.com.br).
Paulo Celso da Silva é doutor em Geografia Humana e professor do Mestrado em Comunicação e Cultura da Uniso (paulo.celso@prof.uniso.br).


Fonte: http://www.cruzeirodosul.inf.br

Comentários

Thífani disse…
Legal saber de seu interesse pelo texto! Abraços e parabéns pelo blog.
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