Igreja cenário da única Palma de Ouro do Brasil está abandonada em Salvador - Por João Paulo Gondim


A Igreja do Santíssimo Sacramento do Passo, palco do filme:

 "O Pagador de Promessas"

 está fechada desde 1998 e não há projetos concretos para restauração

Foto: ReproduçãoCena do filme "O Pagador de Promessas"
Do alto da sua escadaria de 55 degraus, ela surge imponente. Mas quando se vê de perto, decadente. Construída em 1736 para ser a matriz da freguesia criada 18 anos antes, a igreja do Santíssimo Sacramento do Passo, no Centro Histórico de Salvador, está trancada desde 1998. Naquele ano, telhas e forro, devorados por cupins, caíram sobre o retábulo e o altar, atingindo cinco imagens sacras.
A partir de então, está de portas fechadas, quebradas e sujas o templo eternizado em um filme de Anselmo Duarte (1920-2009, que há 50 anos, 23 de maio de 1962, causou furor em Cannes, dando ao Brasil a sua única Palma de Ouro: "O Pagador de Promessas".
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Procurando locações para a versão cinematográfica da peça homônima de Dias Gomes (1922-1999), Duarte e o produtor Oswaldo Massaini (1920-1994) se encantaram com a escada, aberta no século XIX para ligar o imóvel à rua do Passo. Nem se importaram com o fato de a igreja não ser a de Santa Bárbara, como o texto da peça exige. 
Para ambos, a vasta escadaria, ladeada por oito centenários postes de ferro gusa ingleses (hoje, inexplicavelmente trocados por postes de ferro comum) serviria como cenário ideal para a via-crucis de Zé do Burro, o roçeiro que percorreu 42 quilômetros com uma cruz de madeira nas costas, e a mulher a tiracolo, para pagar a promessa que restituiu saúde ao animal do apelido, seu melhor amigo.
Por isso, é recorrente o espanto de turistas e até mesmo baianos, ao serem informados que o nome daquela construção é Santíssimo Sacramento. "Então não é Santa Bárbara? Mas na minissérie dizia que era", aturdia-se a psicóloga paulista Vera Santos, 45, em alusão ao seriado da TV Globo sobre a mesma história, em 1988. 
Se a verdadeira identidade da igreja causou surpresa para Vera, outro sentimento veio à tona quando ela se aproximou da porta: tristeza. "Que ruim estar tudo assim, largado", lamenta.
O abandono se dá em toda parte. Das grades enferrujadas da escadaria com degraus com lixo espalhado e quebrados a portas enfeitadas com adesivo de candidato em eleições passadas. De folhas que nascem nas torres dos sinos a paredes descascadas e sujas.
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"Para mim, esta é a igreja mais bonita da Bahia. É horrível ver essas portas fechada. De quê adianta igreja sem missa, sem padre, sem fiéis?", questiona a comerciante Wilma Rocha, 66, vizinha do santuário desde que nasceu. "Eu vi Glória Menezes, Othon Bastos, Geraldo Del Rey...", lista o elenco da fita laureada na França.
 "E daqui acompanhei as gravações da minissérie, José Mayer, Walmor Chagas, essa gente toda", relembra.
A comerciante diz ter ouvido boatos de que o Santíssimo Sacramento do Passo vai ter um novo perfil, em data incerta. "Estão falando que quando acabarem de pintar a frente dessas casas todas, vão pintar a fachada da igreja e transformá-la em centro cultural", conta Wilma.
Próximo ao templo, funcionários a serviço da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) pintam paredes de imóveis do entorno. Um engenheiro da companhia, que preferiu não se identificar, afirma que recebeu ordens para "limpar, e não pintar" a fachada da igreja. "Agora, o que vão fazer lá dentro eu não sei", diz. A reportagem questionou os planos da Conder em relação ao templo, mas não obteve resposta.
Se a estatal não confirma se tem ou não ações planejadas para um dos símbolos de Salvador, o cantor Geronimo, há oito anos, já mostrou quais as suas: transformar, toda terça-feira, a escadaria em um palco a céu aberto.
"Em todo dia de show, passam por aqui aproximadamente três mil pessoas. Esse local é ideal para a cultura do nosso Estado, procuramos reativá-lo com nosso trabalho", afirma o artista, que acha a igreja maltratada e faz uma revelação.
"Na década de 1970, quando fizeram obras de recuperação no Centro Histórico, o Ipac depositou os entulhos dentro da igreja", afirma, referindo-se ao Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia, do governo do Estado, que não tombou o santuário, e afirma desconhecer esse episódio.
A manutenção da igreja é de responsabilidade da Arquidiocese de Salvador. Segundo a Mitra, há um projeto de recuperação do espaço para serviços religiosos, missas, casamentos, batizados, entre outros tramitando, "devagar", no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que tombou o templo. A Arquidiocese não informa se tem outros planos.
Para qualquer intervenção ser feita em um patrimônio protegido, deve-se ter a autorização do Iphan. A superintendência baiana do instituto afirma desconhecer pedidos da Arquidiocese sobre o templo.
Segundo o historiador Cid Teixeira, a igreja tem esse nome porque era parada obrigatória de fiéis nas procissões das Sextas-Feiras Santas, Em tais ocasiões, havia, na sua porta, a exposição da imagem do Senhor dos Passos - a representação de Cristo ferido, chicoteado à caminho da Cruz.
Esse jogo de empurra-empurra de responsabilidade breca a recuperação de uma igreja histórica, que mesmo vista do alto, está abandonada.

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