Espiritualidade: Viver e Morrer na BR 158 - Por Carlos Alberto dos Santos Dutra


Na semana que passou Brasilândia-MS sofreu mais uma vez a dor da perda de entes queridos, vítimas de acidente de trânsito. 
Por maior que seja a fé que configura consolo às famílias enlutadas; por maior que seja a confiança que depositamos em Deus sobre o destino desses nossos amigos que partiram tão cedo de nossa comunidade; por maior que seja a nossa resignação de tudo aceitar como vontade do Céu, alguma coisa no fundo de nossos corações e mentes parece nos dizer que algo objetivo, humanamente palpável e mensurável acontece. 
Também algo subjetivo, sobre-humano e sombrio paira sobre a pequena humanidade da qual somos feitos, e isso assusta a todos.
O trecho da rodovia Julião de Lima Maia, antiga MS 395, hoje BR 158, entre Brasilândia e Três Lagoas sempre foi o trajeto desta comunidade que desde o berço buscou socorro e progresso no seio da mãe, Cidade das Águas, a qual sempre se manteve presa umbilicalmente à Cidade Esperança, acompanhando-lhes os passos, rebento dileto, último a se desprender, da hoje, metrópole da Costa Leste. 
Por essa estrada, desde o tempo dos areões que a formavam e do lustro de horas que em tempos de chuva se demorava para encurtar a distância, ainda assim, as pessoas saíam de casa com a certeza de lá chegar. E chegavam. Se algum acidente acontecia no percurso – caso da roda do carroção quebrar ou o animal atolar e desfalecer – no mais das vezes, somente no dia seguinte ficava-se sabendo e aí, só então, o socorro ia-se providenciar.
Hoje as notícias correm pelos fios dos alambrados dos postes, e pelo ar que nós não vemos, se aloja em aparelhos pequenos, colados no ouvido e em poucos segundos a informação nos chega. Também, vivemos correndo, com toda a pressa. A agenda sempre cheia, atividades mil. Um amigo meu tem três celulares, um para cada operadora. O filho menor vai para creche, munido também do seu. 
Atendemos a todos ao mesmo tempo. Quem está na linha é mais importante de quem está na nossa frente. Até o campeiro esqueceu o tempo de enrolar o palheiro e pensar duas vezes antes de levantar o moirão da cerca. Esquecemos de olhar para o lado antes de cruzar a rua, não damos sinal de seta, e o cinto de segurança, nem pensar.
Os carros, hoje, cada vez mais potentes, hidramáticos, “airbag” nos quatro bancos e laterais. Freios “abs”,  liga leve, “gps” e tanta coisa que os nossos olhos não acompanha. Carros verdadeiramente blindados, tal qual tanques em tempo de guerra. Sim vivemos em permanente estado de guerra, contra a insegurança e o medo. Pois há muito já nos esquecemos do respeito, da ordem e da obediência. 
A “bênção-pai”, quando beijávamos a mão dos mais velhos tornou-se vergonha; perguntar, quando não se sabe – coisas de quem quer aprender, estudando – tornou-se careta, coisa antiga. Hoje achamos que sabemos tudo, que podemos tudo. No cemitério, hoje pela manhã, em meio a cerimônia de sepultamento, um homem de meia-idade falava aos berros no celular, resolvendo seus negócios, alheio a tudo, e senhor de tudo, agia no maior desrespeito e falta de sensibilidade e educação.
O caos existencial que vivemos preocupa. Buscar a paz e a segurança nos dias atuais exige, entretanto, mais do que a obediência à lei e aos costumes. Exige cultivar acima de tudo, a espiritualidade. Não a espiritualidade, aquela que a gente pensa existir somente dos templos; falo do Espírito Santo de Deus, aquele que “sopra onde quer”. Aquele “vento” que tu “não sabes donde vem, nem para onde vai”. 
Por isso há a urgência de que haja os “nascidos do Espírito” (João, 3,8) para compreender o mistério Superior. É necessário que os líderes do povo abram a mente para entender, no caso em comento, qual o mistério que está causando tantas mortes, neste trecho da rodovia BR 158.
Não se pode negar que essa rodovia tem trazido progresso e qualidade de vida para os moradores de Brasilândia e região, mas ao mesmo tempo trouxe também muita dor e sofrimento. Objetivamente a duplicação do restante da estrada é uma exigência imperiosa. A proibição do trajeto de carretas carregadas e de maquinários, depois da 18:00 horas (horas de maior pico) é outra necessidade. 
Assim como a sinalização, a criação de áreas de escape, e posto policial, minimizaria os problemas no plano da engenharia de trânsito, atributo dos homens e do governo. No plano metafísico, em contrapartida, pode-se dizer que neste trecho de estrada, é como se lá existisse uma legião de anjos inocentes a provocar desatenção dos motoristas no local.
Minha irmã, cristã, de muito longe me fala que pessoas mortas subitamente em acidente, seus espíritos vagam no local, perdidos, por um bom tempo – às vezes anos – pedindo ajuda, pois a morte ainda não lhes é de todo compreendida. Acenam, assim, no plano espiritual, chamando a atenção dos que passam. 
Porém, só alguns percebem. Eles pedem ajuda, pedem luzes e orações para encontrar o caminho endereçado ao Pai celeste. Por isso há tantas cruzes ao longo das estradas. Pegos de surpresa, esses anjos,  – pois não estava no Plano de Deus essa partida repentina –, por isso a comunidade de amor e de fé, ou seja, a Igreja a que pertencem — deve auxiliá-los nessa travessia. Só que a maioria das religiões e seus dirigentes, a maioria céticos, não entendem e seus corações ainda estão fechados: “homens de duras cervizes” (Atos 7,51).
O tempo agora, portanto, exige, acima de fanatismos religiosos e projeções apocalípticas, que saibamos abrir nossos corações e mentes para a oração, para a mentalização positiva dirigida ao culto da Vida e não da morte. A vida como Dom divino Supremo deixado por Deus. Para algumas crenças mais espiritualizadas, essa ideia de oração pelos mortos é bem acolhida, para outras, nem tanto. 
Não obstante, é preciso ir além dos altares e das adorações. O que nos salva não são as horas que passamos dentro da Igreja, mas fora dela, ajudando o próximo, em especial, os mais empobrecidos e necessitados, como pediu Jesus Cristo. O momento de dor dos familiares, pela perda de seus entes queridos, deve ser cultivado no coração de cada um, eles devem ser chorados, pois é própria da natureza humana lamentar a perda.
À comunidade de fé, entretanto, a ela é exigido ir além, uma vez que a ela foram confiadas as ovelhas. Devem, pois, as Igrejas e seus dirigentes, entidades e organismos de todas as denominações, pessoas de correntes filosóficas, médiuns, benzedores, e todos os homens e mulheres de boa-vontade, todos devem irradiar Esperança e energias positivas sobre nossa cidade, dissipando essa sombra. 
De preferência, falando menos em morte e celebrando mais a Vida. E se possível fosse, dar um grande abraço de Vida sobre o local desses acidentes, invocando a força do Amor sobre os que partiram, para que descansem na Paz do Senhor, e encontrem em Jesus Cristo o rumo certo, já que Ele é o único Caminho, a Verdade e a Vida (João 14,6).

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