SP irá receber Cátedra Foucault no segundo semestre


Michel Foucault (1926-84), filósofo francês considerado um dos maiores pensadores do pós-guerra, ensinou no Collège de France de janeiro de 1971 até sua morte, em junho de 1984, ocupando a cátedra de História dos Sistemas de Pensamento.

Nesta instituição, os professores devem expor a cada ano uma pesquisa original em forma de curso, o que os obriga a sempre renovar o conteúdo do seu ensino: “Nos cursos, nada é fixo e tudo está em movimento”, afirma Guillaume Le Blanc, professor na Universidade de Bordeaux.

Ao final, totalizaram 13 cursos ministrados pelo pensador, e seus conteúdos foram conservados graças a gravações em fitas cassete realizadas por seus alunos.

O Collège de France oferece aos pesquisadores o conjunto das gravações dos cursos que ele preserva e cedeu cópias de todas as gravações para a Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), a única no mundo a receber tal material:

“A concessão das gravações para a PUC-SP é objeto de um acordo entre as duas instituições e não estão previstos outros acordos atualmente”, afirma Claire Guttinger, responsável pelos arquivos da instituição francesa.

A previsão é de que os áudios estejam disponíveis para consulta a partir do segundo semestre de 2012.

Leia abaixo a entrevista concedida à CULT por Guillaume Le Blanc, organizador também do livro Foucault au Collège de France – Un Itinéraire (Foucault no Collège de France – Um Itinerário, Presses Universitaires de Bordeaux, 2003).

CULT – São Paulo é hoje um centro de referência sobre o filósofo?

Guillaume Le Blanc – A cidade de São Paulo sempre exerceu uma forte atração sobre o pensamento francês e, em contrapartida, os pensadores franceses tem frequentemente uma segunda vida no Brasil e, especialmente, em São Paulo.

Penso em Lévi-Strauss e tenho o sentimento de que o trabalho feito sobre Foucault e com Foucault em São Paulo faz com que, desde já, a cidade funcione como um centro de referência para as novas aplicações do filósofo.

O projeto de uma Cátedra Foucault na PUC vai nesta direção. O que está em jogo é criar novas relações entre as áreas de pensamento e intensificar as relações no interior destas áreas.

Ao se conjugar Foucault com Deleuze e Guattari, pode-se dizer que o que está em jogo é a invenção das formas do pensamento contemporâneo, reduzindo todos os rizomas vinculados a essas formas e às áreas que as abrigam. São Paulo parece participar dessa invenção.

Qual a importância dos áudios para o estudo de seu pensamento?


Acho que se deve ler os cursos como laboratórios de pensamento em ação, como estranhos mecanismos que testam hipóteses. Lá onde os livros nos dão a ilusão do traço definitivo, os cursos fazem reaparecer o pensamento no estado de esboço.

Nos cursos, nada é fixo e tudo está em movimento. Se a filosofia de Foucault é uma caixa de ferramentas a ser usada por qualquer pessoa, as ferramentas são fabricadas nesta forja que é o curso no Collège de France.

Ao lermos os cursos, nos damos conta, melhor que nos livros, da aceleração vertiginosa das hipóteses. Tão logo a hipótese da biopolítica é testada em 1976, a locomotiva se acelera e Foucault passa à hipótese da governamentalidade, que mal tem tempo de se estabilizar, pois logo se inicia o estudo sobre os gregos e sobre a hipótese do governo de si, com novas hipóteses sobre o dizer verdadeiro, a espiritualidade.

É como se nos situássemos numa locomotiva que acelerasse o pensamento, como se Foucault impusesse urgência a si próprio, a partir da qual seria pertinente tomar a palavra.
Essa tomada de posição não é isenta de riscos, testa uma hipótese que ela não hesita em rejeitar no decorrer do percurso, como no curso de 1976 “É preciso defender a sociedade”, no qual se pergunta se o poder pode ser interpretado como guerra social.

É significativo o fato de que Foucault, para explorar uma concepção não econômica do poder, se pergunte se a economia do poder reconduz à guerra e rejeite essa hipótese após uma análise genealógica que conduz, do lado do pensamento inglês do século 17, ao pensador da soberania, Thomas Hobbes, e aos historiadores ingleses da conquista.

Foucault abandona essa hipótese, mas foca na figura da guerra social e, assim fazendo, descobre a importância do tema da guerra social como modo de governar uma sociedade, tema que se ampliará para a Revolução Francesa. Esse tema encontrará novo vigor, uma vez que o inimigo será identificado a partir de seus traços biológicos, na perspectiva biopolítica.

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