A influência da religião na Constituição da República Árabe do Egipto – Por Roger Godwin|


O grupo de pessoas, na sua esmagadora maioria islamitas, encarregados de elaborar um projecto para a nova Constituição egípcia está a ser acusado de ignorar os apelos feitos por membros de outras confissões religiosas no sentido de verem alguns dos seus anteriores direitos inscritos na futura lei magna do país.

Recentemente, um grupo de cristãos coptas, influente na sociedade, por ser composto na sua quase totalidade por empresários que apoiaram a candidatura do Mohamed Morsi, lançou um apelo no sentido de verem reafirmados os privilégios que tinham no tempo do regime de Hosni Mubarak que os reconhecia como a segunda mais importante forca religiosa do país.

Esse grupo, que já tem ligações institucionais como empresários cristãos na Tunísia e Sudão e que em breve os pensa estabelecer, também, com homens de negócios da Líbia, está a receber o apoio de outras confissões cristãs, como a extrema minoria católica, composta fundamentalmente por africanos. Neste momento, o grande debate prende-se em torno de alguns pressupostos esboçados para fazerem parte da futura Constituição e que, para os cristãos, são inaceitáveis por configurarem violações dos direitos humanos.

Um dos pontos em que a esmagadora maioria islamita não abdica e da futura constituição reconheceram a “Sharia” como sendo a lei que deve reger a aplicação da justiça, embora admitam alguns “ajustes” em aspectos que se prendem, fundamentalmente, com a integração da mulher na sociedade e na forma de dirimir conflitos no seio das famílias.

Aqui, os extremistas islâmicos, agrupados nos chamados salafistas, tem revelado a sua intolerância, exigindo o “tudo ou nada” – a aplicação total da lei fundamental islâmica naquilo que ela tem de mais radical.

Caso prevaleça este ponto de vista, que actualmente é maioritário, os cristãos teriam que se reger pela tal lei radical islâmica que, como facilmente se deixa perceber, não tardaria a interditar os seus direitos fundamentais, nomeadamente os de manifestação religiosa através da realização de cultos. 

Os diversos tipo de tendência islâmica que se uniram em redor do candidato dos Irmãos Muçulmanos para o elegerem Presidente da República querem, agora, cobrar o preço desse apoio, pressionando a aprovação de uma Constituição com a qual o Chefe de Estado teria pouco espaço de manobra para exercer as suas funções em termos de gestão de política interna.

Entre os clérigos islâmicos, sejam eles mais ou menos radicais, existe um consenso de que a integração da “Sharia” na futura Constituição é um dado incontornável e inegociável, seja em que circunstancias for.

A divisão – e com ela o debate – prende-se com a possibilidade da lei poder prever algumas excepções para outras confissões religiosas em matérias que tenham exclusivamente a ver com a sua vivência interna. Ou seja, em termos de lei da família (como o casamento, divórcio e educação dos filhos) tudo ficaria de fora das obrigações inscritas na “Sharia”, podendo-se criar “órgãos jurídicos especiais” para lhes dar a forma de “lei nacional”.

Mas aqui surge o perigo de com esta “excepção” se estejam a criar pequenos guetos que se tornariam alvos demasiado fáceis contra quem os grupos radicais islâmicos pudessem exprimir toda a sua ira por verem violados alguns preceitos daquilo que consideram a única lei válida no mundo, a “Sharia”.

Esta discussão, que ameaça a estabilidade interna do Egipto, por poder originar a ocorrência de actos de grande violência, está a ser acompanhada com particular atenção nos restantes países do Norte de África, onde a Tunísia e a Líbia, em breve, têm também que encontrar e aprovar uma nova Constituição. 

Por isso, a forma como os egípcios conseguirem ­­s­olucionar este dilema pode ser exemplo a seguir por aqueles dois países onde também existem minorias cristãs que correm sérios riscos de se verem confrontadas com a necessidade de encontrar fórmulas inovadoras para poderem conviver com a intolerância religiosa que actualmente se propaga um pouco por todo o mundo. 

Com as quedas dos anteriores regimes e a consequente chegada ao poder de elementos islamitas, uns mais radicais do que outros e em processos onde a violência foi dominante, os cristãos do Norte de África, nomeadamente da Tunísia, Líbia e Egipto, passaram a viver no fio da navalha e sob a constante ameaça de serem um alvo fácil de abater.

Contrariamente ao que sucedeu nos países assolados pela chamada “Primavera Árabe”, os do Norte do continente negro ainda não se viram confrontados com a obrigatoriedade de abandonarem os seus países de origem em busca da salvação da sua própria pele.



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