Cientificismo nas redes sociais – Por Rogério Fernandes da Silva


Lendo Galileu na prisão e outros mitos sobre a Ciência e a Religião, fiquei fortalecido em minha reflexão sobre o que acontece no Brasil atual. 

O atual sucesso de livros como Deus, um Delírio, de Richard Dawkins, Deus não é grande, de Christopher Hitchens, e das obras de Sam Harris popularizou uma visão sobre a ciência. Em torno dela se uniram vários ateus, cientistas ou não, que autodenominaram seu movimento de neoateísmo. 

Tem por características um ateísmo militante que procura conversões e uma visão de conflito permanente com o sentimento religioso. Eles acabaram servindo, graças ao sucesso de vendas de suas obras, para mostrar como havia um mercado para o segmento antirreligioso carente de pessoas de destaque no Brasil. Não que não haja ateus brilhantes no Brasil; mas estes não estão preocupados em converter ninguém, e nem em produzir obras proselitistas.

Podemos perceber, nos últimos anos, um aumento do discurso de que há um antagonismo entre fé e ciência nos meios das mídias sociais. Entretanto, esses discursos dificilmente pensam os limites da ciência; em vez disso, tendem a um elogio e à crença infinita no poder da ciência para explicar e solucionar tudo. Muitos desses "ateus de mídias sociais" são jovens que já estão na vida universitária; outros ainda estão entrando na faculdade, ou são apenas curiosos e amantes das descobertas científicas. O grande problema é que são justamente esses os mais suscetíveis a um doutrinamento ideológico como o que acontece nas redes sociais em que o movimento neoateísta é mais predominante.

Esse movimento, iniciado por Sam Harris, tem entre suas características uma crença na superioridade da ciência e no antagonismo com a religião. O neoateísmo, por sua característica radical, tem arrebanhado muitos jovens internautas. Já me deparei, em discussões com jovens universitários influenciados por leituras desse grupo, com afirmações de que a filosofia da ciência só serve para discutir os "fios capilares do ovo de galinha" ou que a filosofia não é nada diante da ciência. Ou, ainda, que quem conhece a ciência tem as respostas para tudo, como se o que consideramos belo fosse possível de ser avaliado. Enfim, para essas pessoas a ciência tornou-se salvífica, substituindo o papel da religião em suas vidas.

Parece até que nossos cursos superiores estão criando tecnicistas, e não pesquisadores que pensem o papel de seus ofícios e limites de suas atividades. O que dificilmente seria verdade, por vermos professores universitários se esforçando para que seus alunos se tornem pesquisadores e reflitam o papel de sua atividade.

Galileu na Prisão é uma obra que quebra muitos mitos antirreligiosos que continuam sendo muito numerosos na internet. Fico admirado, como professor de História, com alguns mitos recorrentes, como aquele segundo o qual a Igreja católica teria sido anticientífica, desconsiderando que ela foi uma das patrocinadoras da ciência, tendo inúmeros cientistas a integrando não só no passado, mas atualmente também. 

Outro mito que me estarrece, muito comum nas redes sociais, é o de ainda se rotular a Idade Média como "Idade das Trevas", sendo que a historiografia moderna reconhece o momento como época de sínteses culturais e avanços científicos. Isso demonstra que os avanços no conhecimento histórico demoram muito para chegar às pessoas fora da academia.

Se devemos dar graças ao movimento criado por Sam Harris, é por tornar pertinente de novo uma velha discussão que superamos graças ao avanço da compreensão do que é a ciência e de quais são seus limites. Harris faz parte de um grupo periférico de cientistas que tem as luzes da mídia direcionadas a eles por causa da "fé" de milhares de pessoas que acreditam em seus discursos radicais. Nada mais anticientífico que transformar ciência em dogma.

Rogério Fernandes da Silva, professor de História na rede pública estadual do Rio de Janeiro e mestrando em Ciência da Religião pela PUC-SP. Participou do VII Congresso Latino-Americano Sobre Ciência e Religião, no Rio, e apresentou o trabalho Pensamento neoateísta: usos e abusos dos conceitos de ciência nas redes sociais.




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