Fronteira ritual judaica provoca divisão real em município dos EUA – Por Sharon Otterman


Todo sábado, o enfermeiro anestesista Eugene Milanaik caminha mais de oito quilômetros entre sua casa de veraneio, localizada na rua Dune, e a sinagoga ortodoxa que frequenta. 

Quando chove, Milanaik fica encharcado, pois não pode carregar um guarda-chuva. Quando seu neto de 3 anos está na cidade, como no final de semana passado, sua esposa tem que ficar em casa, pois ela não pode empurrar o carrinho da criança.

A vida seria muito mais fácil, do ponto de vista de Milanaik, se Westhampton Beach finalmente permitisse a instalação de uma sequência de estreitas tiras de plástico, que em hebraico se chamam lechis, nos postes do vilarejo (que servem de suporte para fios de alta tensão, cabos de fibra ótica e lâmpadas de iluminação, entre outros). As tiras criariam uma eruv, uma fronteira ritual, que permitiria aos judeus ortodoxos, que não empurram nem carregam nada quando saem de casa durante o Sabbath, realizarem essas ações quando estivessem dentro do perímetro da eruv.

As eruvim (plural de eruv) são um assunto misterioso para a maioria das pessoas, mas elas não são incomuns: grande parte de Manhattan encontra-se dentro dos limites de uma eruv, assim como dezenas de comunidades ortodoxas espalhadas pelos Estados Unidos.

"Se outras cidades têm, nós deveríamos ter uma eruv também", disse Milanaik, 68, na última sexta-feira, após esconder sua mochila com as coisas do Sabbath, dois livros de oração, um xale de oração e filactérios, em uma lata de lixo de plástico da Sinagoga Hampton. Dessa forma, ele não precisa carregá-la durante o Sabbath. "Eu me viro sem uma eruv, mas seria bom ter uma. É como ser deficiente".

Lá se vão cinco anos desde que a Sinagoga Hampton propôs pela primeira vez a construção de uma eruv neste vilarejo à beira-mar, o que gerou uma disputa emocional que dividiu opiniões e colocou judeus menos fervorosos contra judeus praticantes, lojistas que temem a eruv contra judeus idosos em cadeiras de rodas e funcionários públicos do vilarejo, para quem a eruv envolveria erroneamente o governo em assuntos religiosos, contra os moradores que dizem que essa visão é discriminatória.

A eruv seria formada por aproximadamente 60 tiras de PVC que teriam de 3 m a 4,5 m de comprimento por 12 cm a 20 cm de largura e seriam afixadas nos postes de iluminação e pintadas para se fundirem a eles. Dessa forma, ficaria difícil visualizar as tiras, e elas seriam mais curtas do que os postes, disse Robert G. Sugarman, advogado da Associação East End Eruv, que quer instalar as tiras.

Três ações judiciais federais referentes ao tema foram arquivadas, e na segunda-feira passada, o juiz Leonard D. Wexler, do Tribunal Distrital dos EUA em Islip, rejeitou uma delas: um processo movido por um grupo anti-eruv, o Jewish People for the Betterment of Westhampton Beach (Judeus pela Melhoria de Westhampton Beach, em tradução livre). 

Esse grupo disse que vai recorrer ao Segundo Tribunal de Recursos Itinerante de Manhattan. O juiz também estabeleceu um cronograma para a tramitação das outras duas ações, uma apresentada pela Associação East End Eruv, que pede a instalação da eruv, e outra compartilhada pelos três vilarejos em cujas terras a eruv seria instalada (Westhampton Beach, Quogue e Southampton) e pelas empresas de serviços públicos que são proprietárias dos postes.

As sentenças finais podem ter amplas implicações e afetarão a legalidade das eruvim em todo o país. Mas, aqui em Westhampton Beach, onde a população de 1.500 habitantes sobe para 15 mil durante o verão, muitos moradores estão simplesmente esperando que os tribunais coloquem um fim à tensão que o tema tem causado.

"Este costumava ser um vilarejo agradável", disse Ellen Indursky, membro da Sinagoga Hampton, que afirmou sábado passado lamentar que sua sinagoga tenha dado a ideia para a instalação da eruv. "Essa questão criou uma divisão ao estilo ‘nós’ e ‘eles’. Ou você está de um lado ou do outro", disse ela, acrescentando: "Há mais antissemitismo aqui agora do que em qualquer outra época".

Apenas um pequeno percentual dos residentes Westhampton Beach é formado por judeus ortodoxos, e a Sinagoga Hampton é a única congregação ortodoxa da região. Somente cerca de 20 frequentadores regulares da sinagoga, além de aproximadamente 200 famílias durante o verão, são judeus tão praticantes que precisam da eruv, de acordo com o rabino Marc Schneier.

Mas muitos em Westhampton Village, onde reside uma mistura diversificada de católicos, protestantes e judeus, dizem temer a perspectiva da chegada de mais judeus ortodoxos no vilarejo caso a eruv seja instalada. 

Conrad Teller, prefeito do município, estima que hoje provavelmente entre 90% e 95% dos habitantes de Westhampton Village se opõem à eruv. "É uma questão que divide opiniões", disse ele. "Eu acredito que eles acham que alguém está tentando empurrar algo goela abaixo".

Lojistas que trabalham na rua principal do vilarejo têm manifestado preocupações de ordem prática, uma vez que os judeus ortodoxos tradicionalmente não gastam dinheiro durante o Sabbath. 

"A situação do varejo já é difícil do jeito que está", disse Anick Darbellay, sentada em sua loja de roupas na última sexta-feira. "Eu não quero ter que fechar as portas aos sábados. Você já foi para a Five Towns?", perguntou ela, referindo-se a um enclave de judeus ortodoxos localizado no Condado de Nassau. "Foi isso que aconteceu lá".

Katherine Steinmüller, dona de um salão de beleza na rua principal, se pergunta por que os judeus ortodoxos não contratam outras pessoas para empurrar seus carrinhos de criança, em vez de gastar dinheiro com disputas judiciais. Ela disse que tem clientes judeus que são contra a eruv, e pergunta: "O dizer quando pessoas da mesma religião são contra (a instalação da eruv)?"

Arnold Sheiffer, presidente da Jewish People for the Betterment of Westhampton Beach, descreve-se como um orgulhoso judeu reformado. Ele argumenta que é inconstitucional o governo permitir a instalação de uma fronteira religiosa simbólica em terras públicas.

"Eu não devo ser obrigado a viver em nenhuma área demarcada por uma seita religiosa", disse ele. "Eu não gosto dessa ideia".

Estelle Lubliner, que também é membro do grupo judaico anti-eruv, disse temer que a eruv "gere um fluxo de ortodoxos para o vilarejo, e isso não seria bom para a história dessas cidades".

"Por que eles estão obrigando a comunidade a mudar?", acrescentou ela.

Os proponentes da eruv também se armaram. Em vez de apresentar uma proposta formal que seria votada pela prefeitura de Westhampton Village, a Associação East End Eruv firmou um acordo direto com a Verizon e a Long Island Power Authority em 2010, argumentando que não precisa da aprovação do vilarejo. Os defensores da eruv também ampliaram a área que a eruv abrangeria, que passou de Westhampton Beach, segundo a proposta original de 2008, e agora inclui também as comunidades vizinhas de Southampton e Quogue.

Em 2012, o conselho de curadores de Quogue decidiu que a construção de uma eruv "muito provavelmente constituiria uma violação da cláusula de estabelecimento" da Constituição dos EUA, e negou o pedido. Southampton e Westhampton Village não emitiram nenhuma decisão formal, mas Teller, o prefeito, disse que concorda com esse raciocínio.

"Tem a ver com a separação entre Igreja e Estado", disse ele.

Para os membros da Sinagoga Hampton, a decisão final já demorou demais. "Em minha opinião, é um fato desprezível que, em pleno século 21, alguns oponentes da eruv tenham dito publicamente que nós não queremos judeus ortodoxos vivendo em nossa comunidade", disse Schneier. "Estou confiante de que a instalação da eruv não é uma questão de se, mas uma questão de quando".





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Negociar e acomodar identidade religiosa na esfera pública"

Pesquisa científica comprova os benefícios do Johrei

A fé que vem da África – Por Angélica Moura