Elton Tada lança “A Cruz do Corpo”


O mestre em Ciências Religiosas, professor universitário e morador do Parque da Gávea, em Maringá, Elton Tada, 25 anos, lança amanhã o livro “A Cruz do Corpo” (Fonte Editorial, 156 páginas) nas Livrarias Curitiba, no Catuaí Shopping Maringá, a partir das 19h30.

Na obra, usa conceitos da Teologia da Cultura de Paul Tillich para traçar uma análise do livro de Clarice “A Via Crucis do Corpo” (1974), que reúne 13 contos sobre,0 segundo a própria autora, o cárcere social que mantém a mulher supostamente distante de seus desejos e fantasias. Ele diz encontrar, principalmente nesse livro, que foi mal recebido pela crítica e considerada obra marginal de Clarice, uma narrativa sem máscaras, cujo âmbito corporal como parte da condição humana é categoricamente trabalhado.

Esse é o destaque de hoje da edição do D+, caderno de entretenimento do Diário de Maringá. Leia abaixo a entrevista completa concedida por Tada:

Conte um pouco da sua história pessoal de vida, Elton. Sempre estudou na Metodista de São Paulo? Mora sozinho em Maringá? Onde mora a família? Quais atividades exercidas na cidade? E sua relação com a religião? Vai à missa ou ao culto? Enfim, conte um pouco da sua rotina.

ELTON TADA - Eu nasci em Fênix e fui criado em Engenheiro Beltrão, onde minha família ainda reside. Sempre que posso vou até lá ver meus pais, minhas irmãs e meus cinco sobrinhos. No ensino médio freqüentei o antigo Cefet, hoje Utfpr de Campo Mourão. E esse foi o princípio de minhas constantes mudanças. Fui de Engenheiro Beltrão a Campo Mourão, depois fiz graduação em Maringá e pós-graduação em São Paulo. Aqui em Maringá estudei Teologia e filosofia. Meu mestrado e doutorado na Universidade Metodista de São Paulo são em Ciências da Religião.

Aqui em Maringá sou professor. Tenho lecionado em cursos de graduação e pós-graduação. Mesmo não participando ativamente, tenho proximidade com o GDI- grupo de diálogo inter-religioso de Maringá. Algo que tenho apreciado fazer é reservar algumas tardes para visitar senhores e senhoras japoneses internos do asilo Wajunkai. Tenho aprendido muito sobre cultura japonesa e cuidado com o próximo lá.

Já visitei e aceito convites para visitar igrejas em Maringá. Entretanto, não sou membro freqüentador de nenhuma. Aprendi com meu pai a ser um freqüentador de igrejas de base, ou seja, aquelas menores e mais simples, nas quais o contato com a comunidade é mais intenso. Fui criado e batizado na Igreja Presbiteriana do Brasil, mas costumo freqüentá-la apenas em Engenheiro Beltrão.

Como foi o processo de aceitação da obra na editora? Que editora é?

Meu editor freqüenta ambientes acadêmicos e sempre tem conhecimento do que há de mais novo nas pesquisas com a temática da religião ou em diálogo com a mesma. Ele já havia publicado alguns livros do meu orientador, professor Claudio Ribeiro. Quando lhe enviei o texto ele aceitou prontamente. A editora é a Fonte editorial, que apesar de não ser tão velha no mercado é atualmente uma das editoras que mais publica livros escritos por teólogos e cientistas da religião.

Como você classifica o livro? Um livro de religião? De literatura?

Essa é uma questão complicada. Eu classifico o livro como uma crítica, tanto da religião quanto da literatura. Entretanto, cada leitor poderá ler o livro de acordo com seus interesses específicos. Desse modo poderão identificá-lo tanto como um livro teológico, quanto como uma crítica literário ou um ensaio sobre a condição humana.

Quanto tempo demorou para finalizar a obra?

A pesquisa original foi feita no período do meu mestrado. Foram dois anos dedicados quase que exclusivamente a esse estudo. Já no ano passado, reservei cerca de dois meses para adaptar aquilo que tinha pesquisado e que estava em linguagem bastante científica, para o formato atual do livro.

Explique a escolha da arte da capa.

A arte da capa do livro foi um presente de uma amiga minha de São Paulo, Débora Ludwig. Além de ser artista visual, ela é filha de um padre Luterano e freqüenta círculos de militância contra a intolerância religiosa. Quando leu partes do manuscrito do livro, captou imediatamente o sentido da obra, e produziu a capa em poucos dias. Gostei bastante da capa, pois ela traz os elementos que trabalho no livro fugindo do que seria óbvio. O fundo da arte, que possui uma variedade de tons amarelados, nada mais é do que a sobreposição de papéis amassados e rasgados, que bem representa a função da literatura na vida cotidiana do ser humano.

Na sua opinião, que público mais vai apreciar o conteúdo do livro?

Acho que o pessoal de mente aberta em geral deve gostar da reflexão. Isso não implica na aprovação ou concordância. Acredito apenas que quem estiver aberto ao diálogo pode encontrar facilmente um interlocutor através do meu livro.

Você acredita em Deus? De que forma?

Eu iniciei meus estudos em teologia muito jovem, com 17 anos, e desde então tenho respondido a essa questão com certa frequência e sei que várias vezes fui mal interpretado e em outras não consegui explicar exatamente o que queria. Posso dizer certamente que acredito em Deus. Todavia, como teólogo tenho frequentado vários ambientes religiosos e me desagradam alguns adjetivos que dão a Deus. Em especial me desagrada ouvir que Deus é rei e pai. Creio que ambos adjetivos são consequências das carências do ser humano, e que não expressam ou expressam pouco do sentido mais profundo de Deus. Quando explico aos meus alunos a “oração do Pai nosso”, faço questão de salientar que ela só faz sentido quando feita no plural, ou seja, o pai é “nosso”, de nós todos, tanto do teólogo, do sacerdote, quanto do errante.

Costumo dizer que acredito em Deus como o fundamento incondicionado do ser, ou seja, nada do que o ser humano faça pode modificar Deus, mas tudo que somos é consequência daquilo que ele permite que sejamos n’Ele mesmo.

Por que unir literatura e teologia em um estudo de dois anos para o mestrado e, posteriormente, para a composição do livro?

A união desses campos de estudo é algo ainda pouco explorado. Eu gosto dessa característica por permitir que haja um horizonte muito amplo a ser explorado. A relação particular da teologia com a literatura é parte de um processo maior, que é o do diálogo da religião com a cultura em geral. Escolhi a literatura por acreditar ser o âmbito cultural que eu tenho mais domínio, mas admiro muito quem escolhe outros campos da cultura, como política e economia.

Por ser um livro inspirado no estudo do mestrado, é um livro mais técnico, com bastante referência e citações, ou tem um texto mais solto?

O meu livro foi adaptado propositalmente para se apresentar em uma fronteira bastante complexa, mas exatamente do jeito que eu gosto de escrever. O texto seria considerado muito livre para o ambiente acadêmico, mas talvez um pouco difícil para o leitor leigo. Dessa forma pretendo tirar qualquer leitor de sua zona de conforto. Faço com que se imprima no livro algo além dos pensamentos que tive, mas também a forma como tenho pensado.

Por que sentiu a necessidade de publicar o livro?

Inicialmente eu não tinha intenção de publicar livros antes do término do meu doutorado, que ainda está em curso. Entretanto, dois fatores me levaram a buscar a publicação nesse momento. Em primeiro lugar existe a necessidade de compartilhar o conhecimento adquirido. Eu mesmo julgo que a produção brasileira é ainda ridiculamente pequena perto do potencial de produção de nossos escritores. Sei que parte dessa defasagem é culpa do complexo processo mercadológico que envolve a publicação de um livro, mas acredito que muito é por falta de incentivo pessoal para a pesquisa e produção de livros. Desse modo, publico esse livro com intenção de somar a tudo que tem sido feito no âmbito da crítica teológica e literária. Em segundo lugar, sinto uma constante necessidade de melhora e para melhorar sei que preciso ser criticado. Hoje tenho 25 anos, ou seja, muito tempo hábil para a produção de textos na minha área, mas faço questão de ser no futuro um teórico melhor do que hoje. Por isso preciso dar a cara a tapa, e descobrir onde tenho errado e como posso fazer para melhorar.

Por que resolveu estudar as obras de Paul Tillich?

A identificação que tenho com o pensamento de Tillich é muito ampla. A partir do momento que conheci seu pensamento não consegui mais me afastar. Existem vários outros teóricos que gosto e estudo, sobretudo latinoamericanos. Mas é lendo Tillich que acredito estar mais próximo do tipo de teologia que eu mesmo pretendo fazer. Conheci Tillich por meio de um estadunidense que reside em Maringá há muitos anos, o Dr. Robert Newnum, um grande amigo.

Quais obras do autor influenciam o estudo e seu modo de enxergar a vida?

Paul Tillich tem uma autobiografia intitulada “On The Boundaries” (“Nas Fronteiras”), que é algo que me acompanha constantemente. Tillich foi criado em uma cidade com ares medievais, mas posteriormente residiram em Frankfurt, Marburg, Nova York e Chicago. Ele viveu nas trincheiras da primeira guerra mundial e depois freqüentou os mais altos círculos sociais da Alemanha e dos Estados Unidos. Ou seja, Tillich se via sempre entre dois mundos, na linha fronteiriça na qual ele poderia experimentar tanto uma realidade quanto a outra. Eu me identifico com isso em vários aspectos. Sobretudo pelo fato de ser descendente de japoneses. Meus amigos costumam me chamar de japonês, entretanto, os japoneses me consideram um brasileiro. Experimento um pouco de cada realidade por estar nessa linha fronteiriça, não sendo nem completamente uma coisa, nem outra.

Quais são os grandes estudiosos brasileiros de Tillich?

Tillich é pouco estudado no Brasil e sinto muito por isso. Existem teóricos que são amplamente estudados na academia brasileira e que são devedores de Tillich. Como exemplo pode citar T. Adorno, que foi uma espécie de pupilo de Tillich.

Há alguns anos faço parte da Sociedade Paul Tillich do Brasil. É um grupo muito bem organizado e que está em contato direto com as sociedades norte-americana, francesa e alemã de estudos sobre o autor. Nossa sociedade é presidida por um professor belga, Etienne Higuet, que estuda o pensamento tillichiano desde a década de 1960. Outros nomes podem ser citados, como Claudio Ribeiro, Eduardo Gross, Rui Josgrilberg, todos os teólogos e membros da Sociedade Tillich.

O que te levou a traçar uma relação entre Tillich e “A Via Crucis do Corpo”, de Clarice Lispector?

“A Via Crucis do Corpo” foi um livro muito mal recebido pela crítica de Clarice Lispector. Ele possui esse caráter marginal. Eu poderia facilmente ter aplicado o pensamento de Tillich a uma das obras mais consagradas da autora, mas acredito que ele mesmo buscaria dar maior atenção àquela obra periférica, que ainda não foi tão bem analisada e que pode oferecer objetos ainda desconhecidos.

Com a preocupação que Tillich tinha no ser e no existir, considera-o um autor existencialista?
Considero Paul Tillich um autor de preocupação existencial. Desse modo, não há como confundi-lo com os pensadores da corrente existencialista protagonizada por Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre. Tillich é anterior à corrente hoje conhecida como existencialista e seu modo de pensar se aproxima mais do pré-existencialismo de Sören Kierkegaard e da filosofia artístico-dramática de Nietzsche.

Qual é a função do corpo para as ideias teológicas de Tillich?

O corpo não chegou a ser uma temática central do pensamento tillichiano. Todavia foi sempre um assunto paralelo, que não podia ser evitado em determinados momentos. Não há no pensamento de Tillich aquela clássica distinção abismal entre corpo e alma. Para ele, tudo que é transcendente é de um modo ou de outro devedor da experiência do corpo.

O corpo seria a perdição para se cometer pecados? O corpo é algo visto de maneira suja, de pouco valor quando comparado à alma?

Não. O corpo é o local no qual se podem cometer pecados justamente por que é nele que se dá toda a religiosidade. O corpo é princípio de toda existência e afeta a mesma diametralmente. Não fosse o corpo simplesmente não viveríamos.

Contou para mim que Tillich se permitiu analisar obras de arte, principalmente no campo das artes plásticas e da arquitetura, mas também na literatura. De que modo, em sua opinião, seria essa análise “tillichiana” no livro citado de Clarice?

Essa análise tillichiana da obra de Clarice é uma das coisas que constam em meu livro. Mas posso afirmar que Tillich iria se ater aos inúmeros questionamentos que Clarice faz sobre a vida e morte, e tentaria identificar nela sinais de coragem, medo e ansiedade.

Poderia citar algumas obras de arte analisadas e apreciadas por Tillich?

O mais famoso exemplo de apreciação artística feita por Tillich é sobre o quadro Guernica, de Pablo Picasso. Nele o autor diz ter identificado à expressão da maior forma de protesto do século XX. Para Tillich, Picasso retratou não apenas no conteúdo, mas principalmente na forma, a capacidade de destruir do ser humano e os rumos desumanos que atormentam as páginas da história do século passado. O autor pensa que sempre que se trata de uma expressão sobre o ser humano há ali também uma forma de expressão daquilo que é religioso.

Para quem é intrinsecamente ligado às artes, assistir a um filme bom ou ler um ótimo livro pode ser algo que substitua a religião, pode ser algo que purifica a alma, que estimula a pessoa a fazer o bem. O que, a seu ver, uma pessoa ligada aos estudos da teologia, assim como Tillich, poderia achar sobre essa “divinização” da cultura?

Tillich certamente aprovaria esse caráter. Entretanto ele não diria que há uma divinização da cultura, mas sim uma simples correlação entre eventos culturais e religiosos. Para Tillich a religião é a substância da cultura, assim como a cultura é a forma da religião. A própria biografia de Tillich nos mostra como funciona esse processo. Tillich diz ter se “convertido” ao ler Nietzsche em uma noite de bombardeios na França, durante a primeira guerra mundial, quando foi capelão militar do exército alemão. Ele conta ainda ter tido uma experiência de êxtase ao se deparar com o quadro “Madonna” de Botticelli.

Questões envolvendo a teologia são amplamente discutidas em obras literárias ou são raros os casos? Cite alguns.

Acredito que as questões teológicas são amplamente discutidas nas obras literárias, mas nem sempre são lidas através de prisma. Um livro que considero importante até para minha forma de fazer teologia é “Jesus a.C.” de Paulo Leminski. Veja a genialidade do autor paranaense de discutir literariamente como foi a vida de Jesus antes de sua jornada messiânica e de seu padecimento a cruz, ou seja, Leminski realmente nos dá a oportunidade de pesar como seria Jesus humano, antes de ser considerado o Cristo. Outros autores que têm sido estudados sob a temática da religião são Dostoievski, Guimarães Rosa, Cecília Meireles, Murilo Mendes, Saramago etc.

Acredita que, na literatura, a visão sobre a teologia é limitada, preconceituosa?

Acredito que a leitura que se faz dessas discussões na literatura é limitada. No Brasil em particular creio que há uma lacuna cultural a ser preenchida sobre a discussão de temáticas teológicas e religiosas. O ambiente universitário brasileiro é herdeiro de um caráter anti-religioso de origem iluminista que não sobrevive nem mesmo nas universidades que deram origem a esse tipo de pensamento.

E na sociedade como um todo? Mesmo sendo grande o número de evangélicos e católicos, acredita haver ainda muita falta de conhecimento relacionado ao estudo das religiões, da Bíblia e das questões metafísicas, transcendentais?

O ensino que se dá na nossa sociedade sobre questões religiosas é estritamente catequético, ou seja, de iniciação na fé. Note que os livros religiosos são produtos de consumo de massa no Brasil. Entretanto, como se ensina apenas para a manutenção dos fiéis, falta o conhecimento que permita o diálogo, o conhecimento daquilo que lhe é estranho, diverso. Nossa sociedade acolhe os mais diversos tipos de expressão religiosa, mas a maioria se mantém na defensiva, com medo de conhecer a tradição que lhe é alheia. Ainda reina o equivocado ditado que diz que sobre política e religião não se discute.

Fique à vontade para comentar o que quiser.

Sempre há música me inspirando em meu trabalho. Respondo a essa entrevista embalada pelo melancólico som de Radiohead.



 

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