Encontros e desencontros: Papa Francisco e a Teologia da Libertação – Por Jaime Septién

O Papa Francisco recebeu, na semana passada, o sacerdote dominicano de origem peruana Gustavo Gutiérrez, talvez com a intenção de colocar as coisas no lugar e acabar com as expectativas dos que querem ver o Pontífice como um novo líder a serviço da revolução. 

Gutiérrez é um dos "pais fundadores" do movimento teológico latino-americano que acabou sendo chamado de Teologia da Libertação.

A audiência privada foi um gesto que, para muitos, pode ser considerada como demonstração da "cultura do encontro" promovida pelo Papa Francisco; mas, para outros, foi um erro que traz à tona esse velho fantasma que já consideravam "superado".

A recepção de Gutiérrez pelo Papa repercutiu em todos os cantos da Igreja latino-americana, chegando aos ouvidos de Leonardo Boff e dos seguidores deste movimento teológico surgido após a 2ª Conferência Geral do Conselho Episcopal Latino-Americano, realizada em Medellín (Colômbia) em 1968, com a presença do Papa Paulo VI.

A Teologia da Libertação se caracteriza não pela opção "preferencial", mas "exclusiva" pelos pobres; concebe a Igreja como uma instituição revolucionária, que deve mudar as estruturas da sociedade e acompanhar a viagem dos marginalizados para libertá-los, libertando-se, ela mesma, do seu suposto "compromisso histórico" com a burguesia, com o poder econômico e político.

Considerado como um dos moderados da Teologia da Libertação, Gustavo Gutiérrez não foi chamado a prestar contas no Vaticano e, aos 85 anos de idade, com uma inegável influência em grande parte da Igreja Católica sul-americana, escreveu um texto junto ao atual prefeito da Congregação para Doutrina da Fé, Gerhard Ludwig Müller, que trabalhou em comunidades pobres do Peru, junto a Gutiérrez.

Um ponto em comum: os pobres

O livro de Gutiérrez e Müller, "Da parte dos pobres. Teologia da Libertação, teologia da Igreja", busca estender uma ponte entre os elementos positivos da Teologia da Libertação e a opção preferencial pelos pobres, esta última emana da doutrina social da Igreja. A obra não foi um grande êxito nas livrarias; havia sido escrita em alemão, há mais de uma década.

Esta opção foi enfatizada pelo Papa Francisco desde que, no início do seu pontificado, em 16 de março, ele exclamou, diante dos jornalistas do mundo inteiro acreditados no conclave que o elegeu como sucessor de Pedro, aquela frase que se tornou famosa: "Ah, como eu gostaria de ver uma Igreja pobre e para os pobres!".

Obviamente, houve interpretações errôneas, como a do presidente da Bolívia, Evo Morales, quem disse que o Papa Francisco era um "partidário" da Teologia da Libertação. 

Ainda que o próprio Leonardo Boff tenha sido cauto e até próximo do Papa, sem questionar seus postulados, a realidade é que, entre a ala radical da Igreja latino-americana, o Papa teria de dar um salto rumo a posturas heterodoxas, que saíssem do que eles qualificam como "imposições" de Roma.

Mas Francisco não fará isso. Para ele, a "vaidade autorreferencial" é um dos fardos mais pesados dos grupos, movimentos, leigos e sacerdotes. E o tema do grupo de teólogos da libertação, assim como o dos anti-teólogos da libertação, é este: que não estão abertos ao outro.

Enfrentada duramente pelas correntes católicas de direita, a Teologia da Libertação incorpora, de maneira matizada, mas constante, as categorias de interpretação marxistas, chegando a justificar, também veladamente, o uso da violência para derrubar velhas estruturas e regimes de opressão ao povo. Esta é uma interpretação fechada, de lobby. E o Papa deixou isso claro no voo que o levou do Rio de Janeiro a Roma: "Todos os lobbies são ruins".

Iluminar as práticas sociais

L'Osservatore Romano dedicou um amplo espaço a comentar o livro de Gutiérrez e Müller. Analistas e teólogos enfrentaram a dura tarefa de desenredar as páginas de um texto escrito a quatro mãos, que envolve elementos delicados, por exemplo, na hora de falar dos pontificados de João Paulo II e Bento XVI.

Com destreza, o jornal da Santa Sé fez que seus leitores percebessem o que muitas vezes não se pôde ou não se quis ver: que a Teologia da Libertação possui aspectos positivos. E que o encontro de Gustavo Gutiérrez com o Papa não seria uma mudança de rumo de Francisco, nem um "reconhecimento" do movimento, contra seus antecessores, mas que a Teologia da Libertação já teria superado as "doenças da adolescência".

No demais, A Igreja realizou dois pronunciamentos oficiais sobre a impossibilidade de conciliar a Teologia da Libertação como tal e o magistério da Igreja: a instrução "Libertatis nuntius" (1984), sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação, e a instrução "Libertatis conscientia" (1986), sobre a liberdade cristã e a libertação.

O documento de 1986 afirma que a libertação, "em sua significação primordial, que é soteriológica, prolonga-se, assim, em missão libertadora, em exigência ética. Aqui encontra o seu lugar a doutrina social da Igreja, que ilumina a práxis cristã no âmbito da sociedade".

Em outras palavras, a genuína libertação não é a das ataduras da política, da economia, da justiça ou do poder, mas a libertação do mal e do pecado.

Esta libertação, querida pela Igreja, tem Cristo como caminho, verdade e vida. E é uma exigência de perfeição, de moral, de ética, que ilumina toda a missão dos católicos, com o compromisso de construir uma ordem católica na terra, e não um ordenamento marxista ou de nenhuma outra espécie ideológica.






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