Migrantes desenvolvem táticas para sobreviver em São Paulo - Por Mariana Melo

Moradores de São Paulo que vieram de outros estados desenvolvem astúcias para conseguir se estabelecer na metrópole. 

Essas astúcias envolvem a busca por redes de contatos, como organizações não governamentais e associações locais e/ou religiosas, que orientam questões como a obtenção de vagas em creches, empregos, moradias para locação, assistência de saúde, entre outros. 

“Essas associações atuam onde o Estado está ausente” diz a psicóloga Luiza Fernandes Ferreira, autora de um estudo sobre o tema apresentado no Instituto de Psicologia (IP) da USP.

Para realizar a pesquisa, Luiza entrevistou cinco pessoas que vieram dos estados de Alagoas, Bahia, Ceará e Pernambuco. Atualmente, todos residem nos bairros da região da Cidade Ademar, na Zona Sul de São Paulo. 

A migração, segundo Luiza, é um acontecimento que, mesmo que tenha relação com uma decisão individual, é fortemente influenciada pela condição social na qual a pessoa vivia ao optar por se mudar. O estudo teve a orientação da professora Leny Sato.

Astúcia

O conceito de astúcia empregado na dissertação de mestrado foi criado pelo francês Michel de Certeau. “Certeau fala sobre astúcias num sentido mais amplo e não só como algo típico das pessoas sem garantias financeiras e sociais.” Luiza define que essas táticas são utilizadas por pessoas em situações de desigualdade de poder ou de desigualdade política. “Nas táticas descritas, não há um lugar próprio para o planejamento das ações, sendo preciso ‘se virar’ no espaço que é do outro, tentando criar caminhos possíveis.”

Ela exemplifica: “Quando você é um trabalhador sem carteira assinada ou vive de bicos, você tem que criar táticas que não envolvem planejamento, não existem estratégias, você acaba ‘se virando’ com o mínimo que aparece, inventa formas para sobreviver”. A psicóloga também esclarece que astúcia não significa “esperteza” ou “malícia” mas sim corresponde às maneiras de fazer ou a táticas.

Segundo Luiza, os migrantes entrevistados, assim como a população brasileira em geral, não tem consciência de que têm direitos. “No Brasil é comum a visão do privilégio e de que você é destituído de direitos, ou seja, não tem direito a ter direitos. Se você não tem privilégios, você não é cidadão”, diz. 

As astúcias representam que há luta para se equilibrar nas situações difíceis, mas não existe a ideia de que essas pessoas, assim como qualquer outra, em qualquer situação social, podem ser os autores das suas reivindicações e atuar nas mudanças sociais que os envolvem.

Narrativas

As entrevistas eram estruturadas de forma a manter os participantes à vontade. “Fiz um roteiro com os pontos que queria seguir, mas não trabalhei com um questionário. Pedia para que eles [entrevistados] contassem sua história e ia abordando alguns tópicos”, conta. O roteiro continha perguntas sobre o processo de migração, motivos, datas, o estabelecimento em São Paulo, entre outras.

Para encontrar os participantes, Luiza acionou conhecidos. “Comecei procurando um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), mas não pude fazer a pesquisa lá. Então, uma conhecida indicou um ‘guarda de rua’ que era um migrante”, conta. “Por meio desse contato, encontrei os outros entrevistados”.

Ao escrever sobre os migrantes entrevistados, a psicóloga procurou fazer com uma estética narrativa e assim tratar de seus relatos como histórias. Para auxiliar nessa composição, usou recursos como músicas ou poesias para tornar o processo da escrita mais intimista e sensível. “A mágica das narrativas é trazer isso, cortar com o senso comum”, conta.


Essa construção levou Luiza a enxergar pontos comuns nos relatos dos participantes. Num levantamento das palavras e expressões mais reincidentes nos testemunhos, quando os migrantes se referiam à capital paulista, Luiza detectou “barraco” e “aluguel”, entre outras. 

“A mais simbólica é aluguel, porque a moradia própria dá uma maior segurança para a pessoa. Em moradias próprias, não precisa se preocupar com o aluguel todo mês e, consequentemente, com o medo de morar na rua. Assim, não precisa aceitar qualquer tipo de trabalho pela urgência do dinheiro”, finaliza.

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