Cristãos dos EUA criam grupos para estudar a Bíblia bebendo cerveja – Por Marcio Beck

Com mudanças de turno imprevistas e expedientes de sábado às vezes esticados, a vida de comerciários não permitia a um casal de funcionários do bar Silver Cow (Vaca de Prata, em tradução livre), em Jacksonville, na Flória, frequentar a Igreja no domingo de manhã, com seus amigos e conhecidos. 

Ela imaginou então reunir um grupo, pequeno que fosse, para beber alguns copos de boas cervejas... e conversar sobre a vida sobre os ensinamentos do livro sagrado mais lido do mundo, a Bíblia.

Fã de barleywines assim como este repórter, a dona do Silver Cow, Kelsey Dellinger, contou, em entrevista por e-mail ao Dois Dedos de Colarinho, que a funcionária sugeriu a realização do grupo de estudos bíblicos no bar. Com a ajuda de um blogueiro local, Brian Little, do Beer Apostle (Apóstolo da cerveja), que convocou via Facebook "gente de todas as origens e todas as fés" a conversar a partir da leitura do Evangelho segundo João.

Kelsey aproveitou para "praticar a caridade" e ofereceu um descontinho de US$ 1 em cada copo que os fiéis secassem.

"O Silver Cow certamente não é único estabelecimento que tem permitido estudo bíblico e encontros de grupos ligados a igrejas. Bold City Brewery, Intuition Ale Works e Seven Bridges Grille and Brewery, todos têm grupos assim que mantêm encontros regulares", enumerou a dona do bar, que é também blogueira (sob o curioso pseudônimo JaxBrewBitch).

O encontro narrado pelo repórter Andrew Pantazzi, do Florida Times Union, começou com a leitura do Gênesis. Para acompanhá-la, nada mais adequado do que uma He'Brew Genesis Ale (sim, essa cerveja existe), da cervejaria nova-iorquina Schmaltz.

O retorno do público religioso à cerveja é uma tendência que vem fortalecendo nos últimos anos. São tantos que, recentemente, o blog Belief, da CNN percebeu. No ano passado, o pastor evangélico John Donnelly, lançou o grupo Beer, Bible and Brotherhood. A Irmandade Adath Israel se reúne mensalmente em um restaurante indiano (viva a globalização) para discutir a Torah (ou Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia).

Em Abilene, no Texas, o Memories Bar abriga, nos domingos de manhã, a Bar Church da Igreja de Cristo de Southern Hill, onde qualquer pessoa, independente de sua história, realizações, falhas ou questões, possam experimentar amizade, aceitação e a graça que vêm por meio de Jesus". A Valley Church, de Allendale, Michigan, é a sede do grupo "What Would Jesus Brew?”, em que a cerveja é mais do que uma coadjuvante do processo de discussão.

Seus integrantes declaram como missão "ajudar as pessoas a se conectarem com as outras e com Deus através da apreciação comum da cerveja".

"Nós acreditamos que as Escrituras e a tradição pós-Bíblica testemunham que o consumo de álcool é tanto permitido quanto uma provisão divina para nossa satisfação, quando tomada com moderação, responsavelmente", afirma o grupo, que mantém em sua página sobre "Cerveja e Deus" seções detalhadas abordando as citações bíblicas negativas e positivas sobre o consumo do álcool, bem como sobre a embriaguez, amplamente condenada.

Exemplos, definitivamente, não faltam.

Digo "retorno" do público religioso porque até uma recente onda de moralismo (coisa de dois séculos atrás até agora), muitos religiosos cristãos tiveram ligações estreitas com a produção de bebidas fermentadas. Não é a toa que as cervejas da Europa mais cobiçadas por especialistas são produzidas em monastérios católicos.

A Igreja Católica tem até um santo patrono dos cervejeiros, Arnulf de Metz, nascido no fim do século VI e morto na metade do século seguinte. Com sua origem germânica, os protestantes não têm muito do que escapar: até Martinho Lutero se referia favoravelmente à cerveja em suas correspondências pessoais.

Diversos autores, entre eles o jornalista inglês Michael Jackson, relatam que uma das traduções luteranas da Bíblia, nas Bodas de Canaã, dizia que Jesus transformou a água em cerveja. A base disto era uma ambiguidade do termo aramaico usado neste trecho, que significaria "bebida forte".

O vinho, afinal de contas, era a bebida da elite romana. Muito mais lógico que a cerveja, que foi parte indispensável da vida cotidiana na Suméria e no Egito e cujo traço mais antigo conhecido vem do Iraque, fosse preferida pelo povo hebreu. A referência ao vinho teria aparecido nas traduções para o grego e para o latim.

Nada disso, é claro, altera de qualquer maneira o caráter sublime da narrativa do milagre.





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