Professor universitário do Cairo: califado é heresia – Por Amru Omran


O que é o Estado Islâmico do ponto de vista da lei? Em quê ele se baseia no islã? 

Um correspondente da Voz da Rússia conversou sobre isso com o professor da Universidade de al-Azhar no Cairo, Saad al-Din al-Hilali.

al-Hilali: No passado, muitos pesquisadores já chegaram à conclusão de que não existe um sistema de governo de Estado “puramente islâmico”. Esses cientistas foram perseguidos. Por exemplo, o xeque Ali Abdul Sattar, que escreveu em 1925 o livro: “O Islã e os pilares do governo”. 

Abdul Sattar chegou à conclusão de que o governo do Estado deveria ser civil e não religioso. Em primeiro lugar, porque isso corresponde ao Alcorão e a Suna. Em segundo lugar, porque isso daria a oportunidade de garantir um governo estável e justo.

Em 2012, no desenvolvimento dessas ideias, eu escrevi o livro: “Islã e o estado civil”

Eu escrevi este livro em condições de propaganda por parte daqueles quem tinha prometido às pessoas restaurar o califado islâmico como o supostamente verdadeiro sistema de governo islâmico. 

No livro eu mostrei que entre a religião e o Estado secular não há conflito nenhum. Eu provei isso com opiniões de juristas conhecidos que mostraram que, segundo a xaria, um governante deve obrigatoriamente ser justo, mas não necessariamente muçulmano.

Voz da Rússia: Qual foi na altura a reação ao seu livro?

al-Hilali: Após o lançamento do livro, aqui em al-Azhar alguns começaram a escrever comentários que, eu diria, causaram mais dano à ciência do que a mim ou ao meu livro. Era uma diretiva política, pois isso aconteceu sob o governo de Mursi, em 2012.

Eu esperava tudo isso, mas não podia ficar calado na altura. Este suposto califado é apenas uma grande fraude da Irmandade Muçulmana que dura os últimos 80 anos. Mas há algo muito interessante. No outro dia eu li nos jornais uma declaração do xeque Yusuf Al-Qaradawi, na qual ele diz que agora não precisamos de um califado islâmico, mas precisamos de uma federação de países islâmicos. Depois disso, os simpatizantes da Irmandade Muçulmana começaram a repetir a mesma coisa em suas redes sociais.

E não importa que agora os simpatizantes da Irmandade e dos salafistas não perguntem aos seus líderes espirituais como eles puderam apelar à criação de um califado islâmico durante 80 anos, e hoje num dia abandonar esse projeto, anunciando que agora precisamos de uma união federativa? 

Primeiro eles dizem que só um califado islâmico é a solução para todos os problemas em nossas vidas e o caminho para o paraíso. E agora uma federação semelhante à União Europeia. 

Uma federação pode não ser mal, mas o que tem isso a ver com religião? Quer dizer que a Europa usou os princípios da Irmandade, ou apenas seguiu a lógica humana normal?

De um ponto de vista teológico, não importa se a ideia do califado é relevante ou irrelevante. O que importa é que essa ideia não faz parte do Islã, e quem diz o contrário, cai em heresia. É justamente esse erro que cometem os líderes espirituais que afirmam que o sistema de administração pública, do ponto de vista do Islã, é uma parte tão integrante da religião como, por exemplo, a oração.

Eles inculcam que o califado é parte da religião. Mas isso não é assim. Será que o próprio profeta Maomé foi um califa? Será que em seu tempo foi criado um califado islâmico? 

Maomé não foi califa e não criou califado nenhum. Daí segue que a proclamação do califado como um sistema de governo verdadeiramente islâmico é heresia.


As opiniões expressas são de responsabilidade do entrevistado



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