EI destrói vestígios de civilizações milenares para implantar seu projeto de poder – Por Alfredo Valladão


Grupo Estado Islâmico destrói tesouros arqueológicos iraquianos. Sem dúvida, o pseudo-califado terrorista do chamado “Estado Islâmico” (ou Daesh em árabe) já garantiu o seu lugar na história da humanidade (ou do inumano). 

Não só porque se vangloria e se projeta nas redes sociais como um grande massacrador e torturador de populações inteiras, mas, também, porque decidiu apagar os vestígios e a memória de todas as civilizações milenares que encontra pelo caminho. 

Depois da destruição da estátua assíria do museu de Mossul e das ruínas da velha Nínive, coração do império Assírio (um dos mais importantes da Antiguidade), os fanáticos do Daesh resolveram derrubar os templos e as construções de Hatra, a capital dos Partos velha de mais de dois mil anos. E não adianta a UNESCO denunciar apavorada de que se trata de uma perda absolutamente inestimável. Pela simples razão que essa vontade de acabar com tudo e com todos é a verdadeira gasolina da ideologia do “Estado islâmico”.

Só que esse estrago irrecuperável não é só raiva e loucura. O objetivo é afirmar que não pode haver nenhuma verdade e nenhuma identidade possível fora daquelas proclamadas pelos jihadistas. O projeto de poder do Daesh não tolera nenhuma divergência, nenhuma diferença, nenhum pensamento “outro”. Nem que sejam outras versões do Islã e ainda menos o Islã tradicional. O mundo dos fundamentalistas é totalitário já que o combate é para tomar conta de todo o mundo muçulmano.

Claro, o Ocidente é considerado como o inimigo histórico mas, para eles, mais perigoso ainda é a concorrência de outras instituições ou denominações islâmicas, sejam elas moderadas ou até radicais. Essa guerra para dominar totalmente territórios e populações passa por liquidar todas as referências ao passado nacional de cada comunidade.

Daesh não tolera nem mesmo outras correntes do Islamismo

O califado não tem fronteiras e Daesh já borrou os limites entre o Iraque e a Síria. Além das outras correntes religiosas islâmicas, o pior inimigo é o antigo nacionalismo árabe com seus estados e instituições nacionais. Estes sempre tentaram preservar e celebrar o passado glorioso das antigas civilizações. 

Uma maneira de ganhar legitimidade e de promover a unidade nacional a partir de uma história ilustre. Mesmo se, na verdade, os assírios, os partas, os babilônicos ou até os egípcios das dinastias faraônicas têm muito pouco a ver com os atuais habitantes dessas regiões.

Arrebentar os vestígios desta história é tentar arrancar as raízes dos Estados nacionais no Oriente Médio, abrindo o caminho para o delírio de um ditadura ideológica-religiosa atemporal. É tentar transformar as pessoas e os grupos humanos em zumbis submetidos à vontade totalitária dos novos profetas. 

Claro, a ideia de destruir estátuas ou pinturas consideradas como “ídolos” contrários à verdadeira religião não é uma invenção do Estado Islâmico. Todas as religiões monoteístas, judeus, católicos, ortodoxos, protestantes ou islâmicos, tiveram as suas fases iconoclastas. Mas todas rapidamente aproveitaram e integraram as tradições pré-existentes. A própria pedra negra da Meca, o lugar mais sagrado do Islã, era um antigo santuário pagão.

E não são só os fanáticos religiosos. Um dos elementos mais característicos da cultura ocidental moderna são as ideologias totalitárias. Os revolucionários franceses de 1789 queriam acabar com qualquer resquício do passado monárquico e saíram cortando dezenas de milhares de cabeças e quebrando Igrejas e estátuas. Tanto o nazismo quanto o comunismo queriam “fazer tábua rasa do passado” como diz a estrofe da Internacional.

Oriente Médio paga o preço alto pela modernização tardia

O drama do Daesh é que, até sem saber, ele está macaqueando a pulsão ideológica ocidental, que não tem nada a ver com a cultura e a religião tradicional do mundo muçulmano que eles pretendem redimir. 

Pior ainda, os jihadistas, no afã de destruir “ídolos”, estão se idolatrando eles próprios. Qual mais insuportável idolatria do que aquela que pretende recriar o mundo, a vida dos povos e das pessoas, à sua imagem, como se o passado não houvesse existido? Nada mais blasfematório do que se substituir a Deus, ou a Alá, para, como na Gênese, criar um mundo completamente novo, como se saísse do nada.


O Daesh tem pouco a ver com religião e muito com uma expressão delirante desse momento histórico da ocidentalização do mundo muçulmano. O Oriente Médio está entrando tarde na modernidade e está pagando um preço exorbitante por isso.




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