Francisco de Assis e Francisco de Roma – Por Beja Santos


Leonardo Boff é um dos nomes mais sonantes da teologia da libertação, escritor, professor e conferencista, apoiante de movimentos sociais de diferente índole. 

É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Ecologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. Sentiu-se atraído por esta primavera da Igreja que é o Papa Francisco, numa belíssima narrativa procede a uma comparação entre Francisco de Assis e o antigo cardeal de Buenos Aires que atrai cada vez mais a atenção de cristãos e não-cristãos. “Francisco de Assis e Francisco de Roma”, por Leonardo Boff, Editora Pergaminho, 2014, gira à volta de um concertado olhar que se espraia por três vertentes: 


como era a situação da Igreja antes do advento do Papa Francisco; as afinidades e análogas entre o Pobrezinho de Assis e Francisco de Roma; e os principais eixos de ação pastoral de Francisco depois de 2013.

Francisco trouxe a viragem, onde o catolicismo parecia como uma ideologia de fortaleza, uma monarquia absolutista, um guardião contra quaisquer veleidades de crítica, e onde era pública e notória uma crise sem previsível saída na autoridade, na credibilidade e na liderança, o novo Papa deu sinais inequívocos de que traz um novo recado. E como diz Leonardo Boff, o recado é: de agora em diante tentar-se-á um novo modo de exercer o papado, despojado de títulos e de símbolos de poder e procurar-se-á dar ênfase a uma Igreja inspirada na vida e no exemplo de São Francisco de Assis: na pobreza, na simplicidade, na humildade, na confraternização entre todos.

O autor recorda a história da Igreja com papas adúlteros, assassinos e vendilhões, os poderes ditatoriais, a idolatria à volta da figura do Papa, tido como praticamente infalível. O primeiro sinal é a da Igreja do diálogo que acolhe todos os que se aproximam dela.

Que analogias entre Francisco de Assis e Francisco de Roma? Logo um ponto comum: a crise da instituição eclesiástica. “Francisco de Assis viveu a antítese do projeto imperial da Igreja. Para o evangelho do poder, apresentou o poder do evangelho lido e assumido à letra; para a riqueza dos papas, bispos e abades, propôs o despojamento total”. Francisco de Roma deu logo sinais de querer reformar a Cúria e os hábitos clericais de toda a Igreja. 

Francisco de Assis estava sentado nos pobres e Francisco de Roma clama pela justiça social. Mas há outras analogias: a ética do cuidado, a relação respeitosa e fraterna com todos os seres, inteligência cordial. Em suma dois Franciscos chamados a restaurar a Igreja. Há, evidentemente, matizes neste Papa que vem do Grande Sul onde vivem 60 por cento dos católicos. 

O teólogo Leonardo Boff fala com brilhantismo dos dois milénios do cristianismo, o primeiro marcado pelo paradigma da comunidade, o segundo milénio caraterizado pelo paradigma da Igreja como sociedade perfeita e hierarquizada, com costumes palacianos dos padres, bispos, cardeais e papas. 

A eleição do Papa Francisco, vindo da periferia da cristandade, parece inaugurar o paradigma do terceiro milénio: a Igreja enquanto vasta rede de comunidades cristãs, um cristianismo que terá como protagonistas os leigos, homens e mulheres, animados por padres, casados ou não, ou por mulheres-sacerdotes e bispos mais interessados em animar a fé do que em administra-la. 

Francisco estava à frente da Ordem Frades Menores, em nome da pobreza e da simplicidade. Francisco de Roma terá de reformar a Cúria Romana, valorizar a fraternidade, exaltar o despojamento. Francisco surpreende-nos a todos pela sua liberdade de espírito, pelo seu sorriso, pela sua permanente admoestação às inocuidades, lembrando a sentença: “A medida da grandeza de uma sociedade é dada pelo modo como trata os mais necessitados”. 

Leonardo Boff repertoria o que Francisco trouxe de novo, as suas mensagens. Os seus princípios estão igualmente estudados: a centralidade do Jesus histórico, a prática pastoral para com os pobres, mostra-se pastor de uma Igreja que caminha com o povo para aquecer os corações. É um Papa que não conheceu a crise trazida pelo Iluminismo, que não sofreu sob a força da erosão das grandes ideologias de progresso material e das duas grandes guerras, a Igreja para ele é uma casa aberta para todos.

O que há de mais entusiasmante neste livro de Leonardo Boff é o olhar refrescado sobre o que está em jogo a partir do bispo de Roma e da inspiração e mensagem evangélica que se difunde do seu exemplo e da sua atitude com as outras Igrejas, religiões e caminhos espirituais. Francisco de Roma surpreendeu-nos a todos e este livro é igualmente um grande anúncio sobre o seu pensamento e as suas obras.





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