Religião e Política – Por Aldo Vannucchi



A verdade é que o Estado pode ser laico, mas ninguém suprime o sopro de espiritualidade que move o coração humano do chão da vida, para se perguntar: quem sou, donde vim, para onde vou.

Noto, hoje, duas posições sorocabanas: uns insistindo que o Estado é laico; outros, a maioria, demonizando a Política. Quanto à primeira tese, acho que a população não está nem aí. Respeita o totem que proclama o senhorio de Jesus Cristo, como não brigará com ninguém, se aparecer outro afirmando que a cidade é dos Tropeiros.

Já a tendência de repúdio à Política, essa está a devastar o melhor das energias populares. Sabe-se por quê. Muita corrupção, decepção com partidos, votos comprados com promessas mentirosas, péssimos exemplos de altas figuras dos três poderes e portas que só se abrem azeitadas com dinheiro.

Essas duas atitudes parecem explicar a tradicional sentença de que "Religião e Política não se discutem", primeiro, porque ambas parecem terrenos minados e divididos; segundo, nesse viés, cada um tem lá suas opiniões e ponto final, e, terceiro, porque são áreas de desavenças históricas, que é bom não repetir nem relembrar.

Acho, porém, que Religião e Política se discutem, sim, desde que se exponham as próprias convicções, em nível de respeito mútuo. Discussão pode ser análise de alguma questão, sem rixa, sem paixão. Mas, como nem todos conseguem tal equilíbrio, o melhor mesmo é a gente mostrar as maravilhas da própria fé, vivenciando-a pelo bom exemplo e, no tocante à seara política, não pôr a mão no fogo por ninguém.

Nesse dilema de Religião e Política, porém, é sempre conveniente lembrar o "dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus", lição que Jesus ensinou aos fariseus interessados em pegá-lo como líder contrário à dominação estrangeira. Ficou claro para eles e para nós que a moeda apresentada com a imagem do imperador romano justificava que a ele se pagasse tributo, tanto quanto nós, como cidadãos e contribuintes, com a imagem de Deus em nós gravada, devemos cumprir nossos compromissos filais com Ele.

Assim esclarecido, qualquer brasileiro veria Política e Religião como esferas autônomas, mas que se mesclam no envolvimento e desenvolvimento social das pessoas, inclusive dos não religiosos. Sem Religião, não se cultivam valores transcendentes, e sem Política, prevalecerão os tiranos. Sem uma a outra, cai-se na barbárie.

Coisa muito diferente é a relação entre Estado e Igreja. Pode haver países em que se confundem, como no Irã, que é uma teocracia, mas no Brasil são instituições totalmente distintas. Totalmente? Bem, temos o nome de Deus no preâmbulo da Constituição Federal e "Deus seja louvado" escritinho em nossas notas de dois a cem reais. E alguma autoridade pública já deixou de gozar os feriados que lhe presenteiam as comemorações da Semana Santa, de Corpus Christi e de Nossa Senhora Aparecida?

A verdade é que o Estado pode ser laico, mas ninguém suprime o sopro de espiritualidade que move o coração humano do chão da vida, para se perguntar: quem sou, donde vim, para onde vou. É pela força desse sopro, aliás, que se explica muito da história e da vida de Sorocaba, sustentada por escolas, hospitais, asilos, orfanatos e tantas outras instituições de orientação religiosa.

Lembro, por fim, que estamos na era cristã, ou seja, de Cristo. Por que Sorocaba, um pontinho nesse mundo ocidental, não pode ser dele também?

Aldo Vannucchi é ex-reitor da Universidade de Sorocaba (Uniso) e escreve aos sábados neste espaço -aldo.vannucchi@uniso.br


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