Proibição do véu aprofunda sectarismo religioso na França – Por Suzanne Daley e Alissa J. Rubin



Malek Layouni não estava pensando no islã ou em seu véu quando levou seu filho de nove anos a um parque de diversões perto de Paris. Mas, no fim, era só isso que importava.

Funcionários a pararam a caminho dos brinquedos, citando normas que proíbem cães, pessoas alcoolizadas e símbolos religiosos. Layouni ainda cora quando recorda a humilhação de ser barrada diante de amigos e vizinhos e de não ter resposta a dar a seu filho, que não parava de lhe perguntar: "O que foi que fizemos?"

Mais de dez anos depois de a França ter aprovado sua primeira lei contra o uso do véu, proibindo meninas de usá-lo em escolas públicas, o assunto tornou-se uma das questões mais voláteis nas tensas relações do país com sua crescente população muçulmana.

Políticos franceses de direita ou centro continuam a defender novas medidas para negar o acesso de mulheres que usam véus a empregos e instituições educacionais. Frequentemente, eles dizem que o fazem em nome da ordem pública ou da laicidade, termo usado pelos franceses para designar a separação entre religião e Estado.

Porém, críticos das leis dizem que esses esforços incentivam a discriminação contra muçulmanos. O resultado é o aumento da impressão de muitos muçulmanos de que a França, que celebra feriados cristãos nas escolas públicas, pratica o racismo de Estado. Para alguns críticos, a proibição do véu também atende aos interesses de alguns islâmicos que querem aprofundar as divisões entre muçulmanos e não muçulmanos no Ocidente.

A França aprovou duas leis: uma, em 2004, proíbe o uso do véu nas escolas públicas primárias e secundárias; outra, promulgada em 2011, proíbe o uso do véu facial completo, usado por apenas uma fração minúscula da população. Muçulmanas devotas na França dizem que a discussão constante sobre novas leis as converteu em alvo de insultos, cuspes e empurrões nas ruas.

Não é de hoje que a França, onde os muçulmanos compõem 8% da população, demonstra mal-estar diante de muçulmanas que cobrem a cabeça, comportamento que segue os ensinamentos do Alcorão sobre modéstia. Nos últimos anos, porém, os líderes franceses vêm sendo motivados por vários fatores, incluindo a ascensão da extrema direita e o fato de que extremistas muçulmanos nascidos e criados na França lançaram dois dos piores ataques sofridos no país, incluindo o ataque ao jornal satírico "Charlie Hebdo".

Muitos líderes franceses dizem que a proibição do véu facial completo é necessária por razões de segurança, observando que a Bélgica aplica medida semelhante.  Eles afirmam que a proibição do véu nas escolas se deve à defesa da laicidade (e que solidéus, crucifixos grandes e outros símbolos religiosos são igualmente proibidos). O conceito de laicidade foi desenvolvido durante a Revolução Francesa com o objetivo de limitar a influência da Igreja Católica.

Recentemente, porém, especialistas dizem que ele se converteu na bandeira da direita, que o redefiniu como arma para defender as tradições francesas contra algo que muitos veem como a influência assustadora de uma população muçulmana crescente. A lei francesa que proíbe os véus que cobrem todo o rosto vem sendo problemática. Nos três anos desde que entrou em vigor, foram emitidas apenas cerca de mil multas, cujo valor pode chegar a €150. Parece que várias mulheres se divertem incitando a polícia. Uma já recebeu mais de 80 multas. Poucas pagam. Um rico empresário argelino criou um fundo para pagar qualquer multa emitida.

Muitos muçulmanos franceses ironizam a lei, dizendo que turistas ricas do Oriente Médio que usam véu facial completo podem passear na avenida Champs-Elysées ou tirar férias na Côte d'Azur sem serem multadas. Dizem também que a discussão constante sobre as leis do véu deixa muitas pessoas confusas em relação ao que é ou não ilegal.

Defendendo a proibição de mulheres com véus, Richard Trinquier, prefeito de Wissous, disse a um tribunal que estava defendendo o compromisso da França com o secularismo. De acordo com relatos de jornais, o prefeito disse que a presença de símbolos religiosos em público está se tornando "um obstáculo à convivência".

O juiz que julgou o caso em Wissous discordou, e o parque acabou sendo liberado para Malek Layouni. No entanto, o acontecimento a deixou traumatizada e dividiu a pequena cidade. Depois do julgamento, o movimento na casa de chá de Layouni e seu marido diminuiu. Neste ano, eles fecharam o estabelecimento e se mudaram para outra cidade.

Colaboraram Aya Kordy e Laure Fourquet.





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