Intolerância religiosa gera violação de direitos – Por Waldelúcio Barbosa



Divergências entre as religiões ainda geram preconceitos e conflitos.

O Brasil é constitucionalmente laico, sem religião e uma das nações que mais possuem diversidade de credos do mundo, mas esse cenário nem sempre foi assim. Até meados do século 20 o candomblé e a umbanda, com seus batuques e cantigas, eram proibidos em todo território brasileiro. 

Em outros países, as divergências entre as religiões têm intensificado o preconceito em relação aos muçulmanos, por exemplo, induzindo-se a crer que todo adepto da religião islâmica tem a responsabilidade por ataques terroristas causados por uma minoria radical.

A Constituição da República Federativa do Brasil traz que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias, mas o respeito à religião do outro envolve o ser humano em sua mais pura essência.

De acordo com o doutor em Antropologia, Arnaldo Eugênio, os conflitos religiosos fazem parte do cenário de lutas pelo poder ou hegemonia espiritual entre os homens em diversas sociedades no mundo, cujo objetivo é impor uma ordem religiosa absoluta em determinado tempo e lugar. Para ele, tais conflitos influenciam a política, a economia e as relações sociais nas comunidades.

“Atualmente, se fala em 'mercado religioso', um espaço sociocultural de disputa por fiéis, onde cada denominação religiosa oferece ao ‘fiel cliente’ ou ‘cliente fiel’ uma promessa de salvação para a sua vida problemática. Nessa lógica de mercado, a procura é maior quando a oferta é mais tentadora, ou seja, imediatista”, pontuou.

Fanatismo religioso

A intolerância religiosa representa um dos problemas mais delicados do mundo, em que o fanatismo conduz uns a realizarem, contra os outros, verdadeiras guerras, em nome, supostamente, de sua religião, como se fosse possível estabelecer qual religião teria a “razão”. 

A falta de bom senso e de respeito mínimo à diversidade podem ser citados como fatores que criam e fortalecem as situações de caos e violência vistas em todo o planeta, inclusive no Brasil, decorrentes de divergências de crenças.

O professor universitário avalia que não se muda uma realidade de intolerância sem que estabeleçam práticas sociais de respeito aos diferentes, de conhecimento e de reconhecimento da diversidade cultural entre os homens, sem uma educação crítica e reflexiva capaz de instaurar a tolerância ao outro, rompendo os preconceitos. Para ele, ser diferente é uma condição humana e se achar superior a outrem é ser etnocêntrico.

“A violência não vem apenas do lado da religião. Nos últimos 100 anos, as principais religiões foram mais perseguidas do que em qualquer outro período histórico. Em geral, trata-se não de religião perseguindo religião, mas de ideologia perseguindo religião. Na medida em que umas religiões se recuperam da perseguição, outras reiniciam suas próprias perseguições”, completa.

Liberdade deve atingir todos os campos

Segundo Arnaldo Eugênio, é preciso conhecer os valores das outras religiões para reconhecer a importância para os seus praticantes e respeitar a sua existência. “A educação de qualidade, o diálogo e o reconhecimento da diversidade é um caminho para a tolerância entre os diferentes, independentemente de qualquer religião”, considera o antropólogo.

Aperfeiçoar a tolerância às diferenças é indispensável no regime democrático. A laicidade do Estado tem interface com diversos direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão, a liberdade de crença e de não crença, a igualdade de gênero e os direitos da população LGBT, população esta que sofre forte discriminação em virtude de dogmas religiosos.

“Toda forma de intolerância, religiosa ou não, constitui violação e uma ameaça a uma sociedade livre. Na medida em que, especificamente, os meus valores religiosos não são respeitados socialmente nem protegidos pelo Estado, não faz sentido reconhecer a importância de outras religiões nem tão pouco admitir qualquer autoridade política do Estado que seja capaz de mediar os conflitos sociais”, avaliou.

Umbadistas buscam respeito e igualdade

A coordenadora estadual do Centro Nacional da Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab) em Teresina, Mãe Ruthinéa de Iansã, afirma que a umbanda é uma das religiões que mais sofrem discriminação no país, por isso o Cenarab nasceu, a partir de lideranças formada pelas minorias para combater a intolerância à comunidade umbandista. 

Ela lembra que em 1920, houve uma invasão em diversos terreiros, onde foi tudo destruído e houve perseguição aos praticantes da religião. Ela lembra que até hoje existem instrumentos característicos da religião sendo colocados como de magia negra.

“Nós estamos no movimento de busca e resgate desses materiais para devolver para nossa comunidade. No ano de 2015, nós registramos o incêndio criminoso em cerca de 15 terreiros em todo Brasil. Em Brasília, o terreiro da mãe de santo mais antigo foi incendiado. No Piauí, nós tivemos muitos pais de santos assassinados”, revelou.

Segundo Mãe Ruthinéa, isso acontece porque geralmente os pais e mães de santos representam a classe das minorias, que incluem mulheres, negros e homoafetivos. Por isso, ela acredita que a intolerância tem imperado nas pessoas de forma a impor uma crença, uma fé, esquecendo que a Legislação garante que cada cidadão tem direito a ter sua crença.

Ela ressalta ainda que existe uma resistência até mesmo no ambiente escolar, pois nenhum livro didático coloca a história da cultura africana, que são os responsáveis por estruturar o Brasil no que se refere a economia, culinária, saúde e principalmente religião.

A mãe de santo cita a Lei 10.639/03, alterada pela Lei 11.645/08, que prega a obrigatoriedade do ensino sobre a história e a cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e particulares, do ensino fundamental ao ensino médio.

“Nossas crianças e adolescentes precisam ter conhecimento da história da cultura africana, porque existe uma história do negro sem o Brasil, mas não existe uma história do Brasil sem a presença do negro. Nós buscamos a valorização e qualidade de vida para os nossos terreiros”, acrescentou.

Sociedade capitalista

Segundo Mãe Ruthinéa de Iansã, a sociedade capitalista faz com que as pessoas vivam em religiões para economia e por isso existe um universo de denominações de igrejas com inúmeras subdivisões que brigam por capital e o dinheiro que são oriundos dos dízimos. “A Umbanda é da paz, do amor, da caridade. Nós somos uma mãe de braços abertos que abraça o católico, o evangélico, o saudável, o doente, o pobre e o rico”, disse.

De acordo com a coordenadora do Cenarab, a ganância capitalista do homem gera a intolerância porque os homens buscam o poder, enquanto a Umbanda está ligada à espiritualidade da natureza.

“Você vai a um terreiro e não vê ostentação, mas sim um pai de fé nas tronqueiras recebendo seu povo e fazendo um atendimento social e isso incomoda, porque quando o pequeno faz acontecer o grande se incomoda. A umbanda é pequena no sentido de não ter uma estrutura elitista, mas é grande na sua convicção, na sua fé, espiritualidade que carrega um povo que não está preocupado de quanto vai arrecadar das pessoas”, pontuou.

Católicos associam intolerância a falta de fé

Ataques e destruição de imagens santas, assim como atos de desrespeito aos dogmas religiosos pregados pela Igreja Católica também exemplificam o direito de religiosidade de cada cidadão. Para o vigário geral da Arquidiocese de Teresina, padre Tony Batista, a falta de conhecimento é o principal impulso para intolerância religiosa.

“A intolerância parte de uma má-formação, ausência de fé, porque quando você tem fé , você não pode ser intolerante à fé do outro. Deus não faz distinção de pessoas, Deus ama a todos, porque ele é Pai, o problema é que o ser humano cria esses preconceitos religiosos”, considerou.

Segundo ele, os católicos não fazem essa distinção e acolhem todos os filhos de Deus. De acordo com o padre, a ignorância intelectual e de fé de algumas pessoas é que levam para o desrespeito à crença do outro. O padre revela que sempre é muito triste os casos em que as imagens e representações dos santos são quebrados e crê em uma sociedade mais tolerante.

“O sentimento que fica é tristeza, pois o que nós vemos em outros países é que eles fazem o máximo para conservar as suas imagens e esculturas, mas um dia nós seremos mais civilizados. Eu creio nisso”, observou.

Igreja Evangélica não concorda com ato

De acordo com o pastor Marcos Sérgio, líder da Igreja Batista Nacional Filadélfia da Piçarra, as igrejas evangélicas não concordam e são contra o ato da intolerância religiosa e defendem a diversidade de pensamento e posicionamento, que dá o direito do outro em pensar diferente. Segundo ele, o intolerante é uma pessoa sem cultura e as pessoas que acusam os protestantes de serem intolerantes é porque não conhecem os seus verdadeiros líderes.

O religioso afirma que a igreja evangélica é bastante atacada com acusações de que discriminam os homoafetivos e para ele, isso não é verdade. “A igreja respeita os homossexuais, agora o meu direito de pensar diferente dele, não me faz ser intolerante. Eu sou a favor do respeito ao outro e não defendo a agressão física e moral”, pondera.

Ele considera o que acontece no Oriente Médio como fanatismo, loucura e exalta a característica do Brasil em dar o direito de cada pessoa ter sua crença. Ele diz que para combater a intolerância, os evangélicos trabalham os conceitos bíblicos, mostrando que Jesus nunca foi intolerante com ninguém e sempre respeitou as pessoas, dando aos homens o livre o arbítrio. “Deus não criou máquinas, ele criou homens que têm capacidade de seguir ou não aqueles preceitos”.

O pastor disse ainda que nos cultos, as pessoas não são orientadas e ensinadas a serem intolerantes, mas sim a respeitar, compreender o outro, mesmo que o seu pensamento seja diferente. “Nós não concordamos com a intolerância, isso não quer dizer que isso nos tira o direito ao pensamento contraditório”, destacou.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Negociar e acomodar identidade religiosa na esfera pública"

Pesquisa científica comprova os benefícios do Johrei

A fé que vem da África – Por Angélica Moura