As Novas Cores da Revolução – Por Dellano Rios




Obras do filósofo alemão Karl Marx e de autores marxistas ganham novas traduções e se abrem a novas leituras

O comentário de um colega de redação diante de uma nova edição de “A Ideologia Alemã” é um sinal dos novos tempos: “e este livro era deste tamanho?”. Até alguns meses atrás, não. Pelo menos, no Brasil. Escrito entre 1845 e 1846, pelos socialistas alemães Karl Marx (1818 - 1883) e Friedrich Engels (1820 - 1895), o livro ganhou sua primeira edição, na Alemanha, apenas em 1932. Por aqui, chegou mutilado, traduzido parcialmente, e assim ficou até pouco tempo. Nossas capengas edições do texto de Marx e Engels acabam de ser sucedidas não por uma, mas duas edições que vertem a obra integralmente para o português. “A Ideologia Alemã” acaba de chegar às livrarias, pela Civilização Brasileira e pela Boitempo Editorial. Nos dois casos, as editoras superam de longe as versões anteriores. Primeiro, por trazer o texto na íntegra, pelas mãos de equipes elogiáveis de tradutores. A Boitempo colocou o trabalho nas mãos de Rubens Enderle e Luciano Cavini Martorano, dois especialistas em temas marxistas/socialistas; e Nélio Schneider, tradutor de formação mais clássica. A supervisão editorial ficou por conta do filósofo marxista Leandro Konder. Do lado da Civilização Brasileira, o trabalho foi todo concentrado pelo escritor Marcelo Backes, que havia trabalhado com edições dos trabalhos de Marx para a coleção de obras do autor da Boitempo. Os livros ainda trazem muito material extra, que contribuem não para uma simples leitura de “A Ideologia Alemã”, mas para o estudo da obra. Na edição da Boitempo, temos uma série de pequenos ensaios de Marx e dois trechos riscados dos manuscritos do livro. Já Serkes acertou na inclusão óbvia das famosas “Teses sobre Feuerbach”. O filósofo Ludwig Feuerbach (autor de “A Essência do Cristianismo”, obra que antecipa algumas idéias da psicanálise de Freud) é um dos autores que passam pela crítica da dupla Marx e Engels.

Revolucionários
A Ideologia Alemã” é o primeiro trabalho da parceria Karl Marx e Friedrich Engels, que mais tarde renderia o célebre “Manifesto do Partido Comunista”. Nele, assistimos Marx se desprender da influência do pensamento de Hegel que havia marcado suas obras anteriores. O livro se divide em três capítulos, em que a dupla ataca os “jovens hegelianos” Ludwig Feuerbach, Bruno Bauer e o anarquista Max Stirner. A dupla de socialistas alemães defendia que estes produziam uma ideologia alemã conservadora, apesar de se auto-denominarem “teóricos revolucionários”. Em tempos em que as administrações de esquerda caem aos pedaços e movimentos coletivos da sociedade civil se fortalecem, a denúncia de “A Ideologia Alemã” toma novo fôlego. Suas páginas soam como um alerta - de que é preciso estar atento para o discurso, desvendando as práticas para as quais ele aponta. O ranço anti-comunista deixado pela Ditadura Militar afugentou muitos leitores de Marx. Hoje em dia, outro tanto foge graças aos discursos clichês de certos “marxistas”. A leitura de “A Ideologia Alemã” aponta em outra direção. Traz, a um só tempo, um autor denso, que exige atenção redobrada, e um texto sedutor. Um convite à sua redescoberta.


Dos dias de luta ao inferno do cárcere

As novas traduções das obras marxianas se inserem na tendência do mercado editorial em explorar temas de “esquerda”. De autores clássicos, como os russos Lenin e Trotski, a estudos sobre as realidades latino-americanas, a lista de temas é rica e extensa. “Minha fuga sem mim” é um interessante lançamento que faz parte deste filão. No livro, o leitor tem a oportunidade de explorar o tema dos embates políticos que tomaram a Europa nos anos 70, protagonizados por grupos de esquerda, chamados de “euroterroristas”. O livro em questão traz o depoimento de Cesare Battisti, ex-militante político italiano e escritor de romances policiais, que hoje se encontra preso no Brasil, desde 18 de março do ano passado. Ontem, aconteceu a primeira audiência no País para julgar o pedido de extradição do governo italiano, que o acusa de participar de quatro homicídios nos anos 1970. Battisti nega que tenha cometido “crimes de sangue”, enquanto integrou as fileiras do grupo Proletários Armados para o Comunismo (PAC). Após fugir da Itália, Battisti ganhou asilo político na França. Acusado dos crimes por seu ex-companheiro Pietro Mutti (um dos fundadores do PAC), o escritor perdeu este direito no governo do presidente francês Jacques Chirac, quando fugiu para o Brasil.

Argumentos
Para além do depoimento de Battisti sobre a repressora Itália dos anos 70 e 80, o livro vale pela introdução, assinada por Bernard-Henri Lévy, intelectual argelino, conhecido na França como crítico do descompasso entre as teorias marxistas e as práticas que pretendem nelas se basear. “Porque o defendo” é um texto curto, de apenas 14 páginas, que traz uma argumentos de uma sobriedade rara no meio intelectual. Nele, Lévy não teme parecer contraditório. De cara, afirma não concordar com o tipo de luta política na qual Cesare Battisti se engajou, condenando as ações armadas e os “crimes de sangue”. Ainda assim, o intelectual demole, um a um, os ataques arbitrários de que Battisti foi alvo, culminando numa dura crítica do posicionamento do Estado francês diante do caso. Lévy critica duramente o governo francês por “mudar de opinião”, após ter garantido segurança à Battisti. O autor ainda questiona a lei italiana, por considerar de forma “acrítica” as acusações de Mutti, interessado em reduzir sua pena. Uma amostra pequena do poder de fogo de Lévy, que merece ser observado com atenção em tempos que se exige da crítica social, cada vez mais, sutileza e precisão.


Cara e coroa da Revolução Russa de 1917

Escreveu o revolucionário Leon Trotski, na abertura de seu “A Revolução de outubro”: “claro está que os acontecimentos de 1917 – de qualquer prisma que os consideremos – merecem ser estudados”. Seu estudo-depoimento sobre a ebulição da Revolução Russa ganhou nova tradução pela Boitempo. Além do valor histórico do texto (afinal, seu autor foi uma das principais cabeças pensantes da Rússia pós-1917), o livro traz o texto elegante de Trotski, bem amarrado e acessível, sem ser pobre. Um outro olhar sobre o mesmo acontecimento chega com “O ano I da Revolução Russa”, de Victor Serge, escritor de formação anarquista, que fez oposição intelectual a Trotksi.


Fonte: http://diariodonordeste.globo.com

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