Por uma nova Investigação Científica - Por Fábio de Castro - Agência FAPESP



Uma concepção do conhecimento científico que, em uma abordagem alternativa à filosofia da ciência tradicional, não leve em consideração apenas postulados e modelos, mas também o contexto em que o conhecimento humano é produzido. Essa é a proposta central do livro: Pragmática da Investigação Científica, do professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Henrique de Araújo Dutra.

Segundo o autor, o livro, que enfoca importantes temas da filosofia da ciência no século 20, é resultado de diversos projetos de pesquisa apoiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e realizados na UFSC desde 1996. “A principal novidade da obra é trazer uma discussão aprofundada sobre o tema dos modelos científicos. Além de fazer uma revisão das concepções tradicionais sobre o conhecimento, há uma reinterpretação, sob a perspectiva pragmática, do que são os modelos científicos”, disse à Agência FAPESP.

Dutra, que voltou em março de uma temporada na Universidade de Paris 1, onde atuou como professor visitante, explica que não se trata de uma obra introdutória. “É voltada especialmente para filósofos da ciência e alunos de pós-graduação na área de epistemologia, além de cientistas que já tenham algum conhecimento na área”, indicou. Além de defender uma visão epistemológica que se baseia na concepção pragmática do conhecimento, o autor procura entender as razões que levam a determinadas escolhas de modelos científicos. “Antes de explicar as abordagens alternativas de interpretação do conhecimento, o livro enfoca as questões tradicionais que nortearam a filosofia da ciência no século passado”, afirmou.

Segundo ele, o pensamento dos positivistas lógicos – como ficou conhecida a primeira grande corrente de pensadores que tratou do tema – caracterizava-se pela chamada “concepção sintática”, ou “concepção axiomática”, do conhecimento científico. “Esses pensadores concebiam o conhecimento como uma série de proposições ou enunciados que constituíam um sistema a partir de teorias científicas. Delas, podiam ser deduzidas as leis a serem seguidas pela ciência”, disse. As idéias dos positivistas lógicos prevaleceram até o fim da década de 1960, quando uma segunda corrente começou a ser desenhada: a concepção semântica do conhecimento científico. “O ponto central dessa segunda corrente é uma crítica à concepção axiomática. Esses autores passaram a interpretar as teorias científicas como modelos e não apenas como proposições”, afirmou Dutra.

Segundo ele, o mais destacado autor da abordagem semântica de interpretação das teorias científicas é o norte-americano Bas van Fraassen, professor do Departamento de Filosofia da Universidade Princeton, nos Estados Unidos. “O ponto de partida do livro, além de algumas questões levantadas pela abordagem axiomática, é principalmente uma reflexão sobre a abordagem semântica. Nos últimos anos, uma série de autores tem sustentado uma terceira perspectiva que começa a ser conhecida como concepção pragmática”, disse Dutra, enfatizando que a perspectiva pragmática não deve ser confundida com a filosofia dos pragmatistas norte-americanos. A concepção pragmática, segundo ele, não interpreta as teorias científicas nem como coleções de proposições, nem como séries de modelos. O ponto central dessa perspectiva é a atenção às práticas científicas. “Esses novos autores sustentam que podemos intepretar as teorias científicas de forma axiomática ou semântica, mas elas são mais do que isso. Os modelos ainda representam um tema importante, mas é preciso levar em conta como os cientistas os utilizam em suas práticas científicas e que compreensão eles têm das relações entre modelos e teorias”, disse.

Concepção externalista

Segundo o professor da UFSC, a novidade trazida pelo livro é uma reinterpretação da noção de modelos científicos do ponto de vista pragmático que não substitui, mas complementa, as interpretações anteriores, propondo uma perspectiva mais ampla, voltada para a prática científica concreta.

Ele afirma que as abordagens tradicionais deixam de lado o problema da interpretação do que é o conhecimento humano. Na concepção pragmática, o conhecimento não é apenas uma interpretação interna do sujeito, mas um conjunto de acontecimentos externos e públicos, que remete ao contexto em que a pesquisa é realizada. “A abordagem tradicional do conhecimento é internalista, isto é, ela entende que nossas crenças e opiniões sobre o mundo são representações internas de nossas mentes. Herdamos essa tradição dos pensadores fundacionalistas e dos empiristas modernos. A abordagem pragmática é externalista e leva em conta aspectos contextuais do conhecimento humano”, disse Dutra.

O enfoque principal da abordagem pragmática do conhecimento, portanto, é a insistência na observação da própria prática científica. “O conhecimento é interpretado como uma prática pública e não algo privado que o indivíduo produz em sua mente e depois comunica aos outros”, apontou. A perspectiva pragmática, segundo Dutra, oferece uma concepção do conhecimento mais dinâmica do que as perspectivas tradicionais. “Fazemos aqui uma associação entre temas da filosofia da ciência, da filosofia da mente, da filosofia da linguagem e da teoria do conhecimento”, disse.

Pragmática da Investigação Científica

É um livro que trata da filosofia da ciência, resultado de um trabalho de mais de três anos do autor Luiz Henrique de Araújo Dutra. O objetivo é esboçar uma teoria externalista da investigação científica que toma em consideração os aspectos contextuais do conhecimento humano. Ou seja, defende um visão epistemológica da ciência que se baseia em fontes confiáveis, em concepções pragmáticas do mundo, para edificar o conhecimento. Mas, simultaneamente, também procura entender as razões que levam a determinadas escolhas de modelos científicos. Dutra realiza uma abordagem alternativa sem perder o foco das questões tradicionais que nortearam os filósofos da ciência ao longo do século XX, ainda que parta de uma perspectiva inovadora e crítica em relação à tradição epistemológica. Suas reflexões incorporam também os resultados da pesquisa no domínio da filosofia da mente e da linguagem. Ao longo do livro, discute uma ampla variedade de questões relacionadas com seu tema principal, como: behaviorismo, intencionalidade, teorias, leis, entidades, espécies e indivíduos, entre outros. E argumenta que a utilização de modelos é essencial na investigação científica. Assim, baseando-se em certas concepções bem conhecidas dos modelos na ciência, e criticando-as, ele dá especial atenção ao tipo de modelo que denomina "modelos-réplica", que são distinguidos dos modelos matemáticos e das analogias, embora estejam com estes relacionados. A obra faz parte da Coleção Filosofia de Edições Loyola, que reúne textos de filósofos brasileiros contemporâneos, traduções de textos clássicos e de outros filósofos da atualidade, pondo a serviço do estudioso de Filosofia instrumentos de pesquisa selecionados segundo os padrões científicos reconhecidos da produção filosófica. A coleção é dirigida pelo Departamento de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE).
Luiz Henrique Dutra é professor associado no departamento de filosofia da UFSC e pesquisador do CNPq. Doutor pela UNICAMP, foi professor visitante na Universidade de Paris I e pesquisador visitante na Universidade de Paris VII e na UNICAMP.

Fontes: http://www.agencia.fapesp.br e http://www.amigosdolivro.com.br

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