Umbanda: uma religião brasileira? – Por Fabiano Possebon



A Umbanda (que está completando 100 anos) é um culto mediúnico, mas sua origem não é africana, como é a do Candomblé.
Recentes estudos apontam o surgimento da Umbanda a partir de um grupo de espíritas de Niterói, RJ. Segundo a doutora em Antropologia Diana Brown, da Universidade de Colúmbia, Estados Unidos, a Umbanda foi criada com o objetivo de lidar com espíritos de caboclos e pretos-velhos, prática que, na época, havia sido proibida pela Federação Espírita do Estado do Rio de Janeiro.Em 15 de novembro de 1908, um caboclo se manifestou pela mediunidade de Zélio Fernandino de Moraes. Numa entrevista, o médium contou que depois de ter ficado paralítico, foi levado à Federação por seu pai. Nos trabalhos da casa, passou a receber comunicações de negros e índios. Os dirigentes, porém, não viam com bons olhos a linguagem e o modo de falar característicos desses espíritos. Muitos deles, diante do clima instaurado, explicavam que a vida entre os mais simples tinha grande significado para eles, justificando a preferência de suas representações. Isso é possível porque os espíritos podem escolher a forma pela qual se apresentam.

Quando os dirigentes decidiram pela proibição das manifestações, Zélio foi aconselhado por um deles a criar um culto chamado Umbanda. Na reunião convocada para decidir o caso, quando questionado se haveria alguém para assistir o culto, o espírito de um caboclo, por meio do próprio Zélio, afirmou: “Em cada uma das colinas de Niterói, um índio estará convocando o povo, em altos brados, para os trabalhos”. Anos depois, surgiu a primeira casa dessa nova religião, o Centro Espírita Nossa Senhora da Piedade. As centenas de federações criadas desde a década de 1930 tentaram unificá-la, organizá-la e normatizá-la, mas sem êxito. Cada terreiro, tenda ou centro é uma umbanda. É uma religião aberta, definem seus seguidores. Quem manda é o chefe do terreiro. Ela mudou muito nesses cem anos. Manteve a essência, como a crença na mediunidade, reencarnação e na força dos orixás (que são espíritos que não necessitam de encarnação) e de entidades espirituais, mas os rituais e simbologias já não são os mesmos. Alguns centros, também chamados de terreiros, valorizam mais as raízes africanas, outros, o espiritismo ou o catolicismo popular, outros ainda, as tradições ocultistas ou as pajelanças indígenas.

Mesmo a origem da palavra umbanda gera polêmica. A tese mais aceita é a de que veio de umas das línguas faladas por escravos vindos de regiões como Angola e Congo e que significaria a arte de curar ou feiticeiro. Para a chamada umbanda esotérica, uma das divisões, no entanto, a palavra é derivada de “Aum-ban-dan”, que significaria o conjunto das leis divinas numa “língua dos espíritos”. O sociólogo Reginaldo Prandi fala o seguinte sobre a Umbanda: “O culto dá acesso às dimensões mais próximas do mundo da natureza, dos instintos, das pulsões sexuais, das aspirações e desejos inconfessos. Revela esse lado “menos nobre” da concepção de mundo e de agir no mundo. Umbanda e Candomblé são religiões que aceitam o mundo como ele é e ensinam que cada um deve lutar para realizar seus desejos. Por isso, com frequência são vistas como liberadoras. Não se crê no pecado nem em premiações ou punição após a morte. A vida é boa e deve ser levada com prazer e alegria. Nessa busca da realização dos anseios humanos mais íntimos, exus e pombagiras reforçam, sem dúvida, uma importante valorização da intimidade, às vezes, obscura, de cada um de nós, pois para os exus e pombagiras não há desejo ilegítimo nem aspiração inalcançável nem fantasia reprovável”. É preciso deixar bem claro que que exus e pombagiras pertencem ao lado oculto da umbanda, a quimbanda, o lado reprimido socialmente, que se dedica à magia negra. Em contraste com “o lado direito” da umbanda, voltado para a prática do bem e da caridade, é costume referir-se à quimbanda como sendo “a esquerda”, o lado “do mal”, especializado em “fazer feitiço” quando solicitado. A quimbanda é a vertente da umbanda que pratica feitiçaria pesada e, para tanto, dedica-se ao culto quase exclusivo dos exus e das pombagiras. Infelizmente, na umbanda, aos poucos, o estudo das obras de Allan Kardec ficaram esquecidos. A influência cultural afro-brasileira acrescentou símbolos, amuletos e imagens. O jornalista Deolindo Amorim (1908-1984) esclareceu em O ESPIRITISMO E AS DOUTRINAS ESPIRITUALISTAS:
“Tanto na teoria como na prática, a Umbanda e o Espiritismo estão situados em campos distintos, não impede, todavia, que haja respeito mútuo, espírito de compreensão e tolerância, sem ser necessário chegar-se ao extremo de forçar a fusão de crenças e práticas divergentes”.
A umbanda já sofreu muito perseguição. Mesmo identificados com as diretrizes nacionalistas do governo Vargas (os pretos-velhos e caboclos), os umbandistas foram perseguidos durante o Estado Novo. Ela conseguiu respirar na década de 1950, mas não por muito tempo. A redemocratização do país, em 1945, propiciou o ambiente de liberdade religiosa. No entanto, na década de 1950, ganharam um novo inimigo igualmente forte, a Igreja Católica. A campanha religiosa nos púlpitos e na imprensa só diminuiu depois do Concílio Vaticano II (1962-65), mas a trégua foi curta. A partir da década de 1970, passaram a ser perseguidos com um vigor ainda maior pelos seguidores das novas religiões pentecostais. Lamentavelmente, muitos irmãos meus, espíritas, às vezes, usam a tribuna para escarnecer esta religião. É uma pena!

Os umbandistas têm recorrido à Justiça contra a intolerância. Uma ação foi ganha em 2005 na Justiça Federal contra as redes Record e Mulher, ambas da Igreja Universal, e aguarda manifestação do Superior Tribunal de Justiça. O Ministério Público denunciou os programas que enfocaram “de maneira negativa e discriminatória as religiões afro-brasileiras”. Há pouco tempo, na Bahia, um padre lançou um livro ridicularizando o Espiritismo e as religiões afro. Houve uma ação, ganha na Justiça, então, os livros tiveram que ser recolhidos das livrarias. Muitos frequentadores procuram os centros para conselhos ou curas, mas não se declaram umbandistas. Por isso, o censo nunca dá, realmente, o número exato de quem é adepto das seitas afro. Esta religião parece forte e renovada em cidades como São Paulo -segunda capital em número de seguidores, depois do Rio e Porto Alegre, matriz da expansão da umbanda para o Uruguai e a Argentina a partir da década de 1970. Encerrando esta matéria, vou resumir umas informações interessantes que li na Folha de São Paulo em março deste ano. Os umbandistas podem ser divididos, em relação ao futuro, em duas categorias: a dos otimistas e a dos céticos. Os mais otimistas estão em São Paulo, onde o culto tem suas escolas de formação, teólogos, jornais e uma indústria própria de objetos religiosos. Os mais céticos estão no Rio. A médium carioca, Adriana Berlinski de Queirós, por exemplo, estava de malas prontas para a Bolívia. Uma singularidade já lhe causou problemas nos centros em que atuou: ela diz receber o mesmo cabloco das sete encruzilhadas, que em 1908 “baixou” em Zélio Fernandino de Moraes para anunciar a Umbanda. Para os mais tradicionalistas, isso equivale a uma heresia. Para Adriana, foi o sinal para uma nova missão: deixar o Rio e levar a umbanda para a China. A Bolívia será apenas a primeira encruzilhada da nova caminhada desta religião, que afirmam alguns, ser genuinamente brasileira.

Fonte: http://www.jornaldemocrata.com.br

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