Mundo às avessas - Por Marie Helene Catherine Torres


A tradição do Carnaval é quase tão antiga quanto o próprio homem. Há provas nas grutas de Trois Frères, na França, que o homem usava máscaras no paleolítico (15 mil a 10 mil anos antes de Cristo). Mas não se sabe qual era o significado da máscara nesta época. A origem etimológica da palavra carnaval é controvertida e obscura. Algumas teorias remotas afirmam que essa etimologia vem de carrus navalis (carro naval), que participava da festa romena de Isis, deusa egípcia. Outras hipóteses fazem referencias à palavra latina carnelevare, composta de carne e de levare, deixar, o que significa abster-se de carne. No século 13, já era conhecida a palavra italiana carnevalo, que deu origem à palavra atual carnaval.

Carnaval na Antiguidade


O Carnaval (tal como é conhecido hoje) vem da Europa, onde se desenvolveu antes de expandir no mundo inteiro. Ele tem suas raízes na Antiguidade, originando-se das bacanais, saturnais romanas, das festas gregas em homenagem a Dionísio ou ainda das festas hebraicas. Essas festas tradicionais celebravam o Ano-Novo, o fim do inverno (no Hemisfério Norte) e a volta da primavera, da fecundidade da natureza. E, durante alguns dias, os escravos tornavam-se mestres e os mestres se colocavam no lugar dos escravos, servindo-os na mesa. Era permitido tudo que era normalmente proibido!

Carnaval na Idade Média

A Igreja tentou condenar as manifestações carnavalescas por considerá-las uma luta entre as forças do bem e do mal. Mas teve que compor com a vontade do povo. Portanto, ela cristianizou o calendário, o que permitiu recuperar as festas pagãs. Aconteciam em fevereiro, período em que se comia pela última vez alimentos ricos em gordura (até a terça-feira de Carnaval) antes de entrar em quarentena, a “quadragésima”, palavra que deu origem à quaresma, os 40 dias durante os quais se comia pouco até a Páscoa. O Carnaval permitia às pessoas participarem das antigas festas de inverno. Para os antigos, o ano começava em março, mês da renovação da natura e do despertar da terra. Antes de qualquer nova criação, o mundo deve retornar ao caos primordial. A confusão e o caos eram representados pelo Carnaval, durante o qual um pobre de espírito era eleito rei, um asno, simbolizando “satã”, isto é, o inverso da ordem estabelecida pela Igreja, andava com vestimenta episcopal.

O mundo às avessas


O Carnaval é a negação do cotidiano. Símbolo da festa popular, ele instaura um tempo durante o qual é possível alforriar-se das regras e das obrigações cotidianas. A irrupção carnavalesca perturba a ordem social habitual pelo fenômeno da inversão. O rei se torna um humilde morador, o mendigo é sagrado rei do Carnaval, o homem se disfarça de mulher, a mulher em homem. Cada um anda com máscara ou com o rosto pintado, se escondendo atrás da sua fantasia para fazer o que é proibido normalmente. As convenções e as regras sociais são modificadas, sufocadas, esquecidas durante o Carnaval. É a volta ao mundo selvagem pagão, o mundo às avessas, onde os tabus desaparecem e todos os excessos são permitidos.

O francês Michel Feuillet descreve no seu livro Le carnaval como tudo voa pelos ares durante o Carnaval: o bem e o mal, os vícios e as virtudes, os direitos e os deveres, formando um agradável caos. Então, uma das funções elementares do Carnaval é a liberação das pulsões, a liberdade provisória e condicional que se dá à libido. Daí a importância simbólica da máscara na manifestação carnavalesca, pois ela é metamorfose e alienação voluntária de si. A máscara é o rosto do indivíduo que se tornou associal temporariamente. O Carnaval é escandaloso por essência! Ele permite a reabilitação do negativo no lugar do positivo, o belo se afasta frente à feiúra, a desordem se afirma sem complexo na negação da ordem, etc.

Festas como a do Carnaval tornam possíveis e preparam simbolicamente a renovação da vida. Assim nasce o homem novo pelo viés das supressões das normas, dos limites e das individualidades num constante movimento de reencontro consigo mesmo. O Carnaval é a cura drástica que se dá ao corpo social para se regenerar. O Carnaval é, conforme Rang, uma suspensão legal das leis. E como diz Mircea Eliade no seu Tratado da história das religiões, somos uma semente que se decompõe na terra, abandonando sua forma de origem para dar à luz uma planta nova.



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