Escritora japonesa descreve espírito da região que enfrentou tsunami - Por Kumiko Makihara

Imagine ver seu prédio de escritórios tomado por uma onda e então passar a noite toda em um telhado gelado, observando seu amado barco de pesca pegando fogo, sendo levado de um lado para outro pela corrente, em um mar lamacento enlouquecido. No dia seguinte, você caminha entre os escombros chamando por colegas e amigos desaparecidos, apenas para ser recebida pelos olhares abatidos dos moradores, que dizem que praticamente ninguém sobreviveu naquele bairro.


Você nem se dá ao trabalho de checar sua casa, porque sabe que não restou nada. Yoshiko Iwai, 72 anos, cujo marido dirige uma companhia pesqueira, vivenciou tudo isso quando o tsunami varreu esta cidade portuária na província de Miyagi, após o terremoto de 11 de março.


Ela mal derramou uma lágrima.


Juntamente com outros membros da unida comunidade pesqueira, Iwai está concentrada em retomar os negócios. “Quando meu marido parece desencorajado, eu digo que os pescadores devem proteger os mares”, ela diz, acrescentando com um sorriso irônico, “nós mulheres estamos falando assim”.


Iwai personifica o espírito de Tohoku –a região no nordeste que inclui as três províncias atingidas mais duramente pelo terremoto: Iwate, Miyagi e Fukushima. Estoicos e disciplinados, eles são pessoas orgulhosas, de poucas palavras e que evitam o centro das atenções. Muitos observadores dizem que essas características, tipicamente atribuídas ao povo de Tohoku, tiveram um grande papel na falta de pânico após o desastre.


“Se a mesma coisa tivesse acontecido em Tóquio, as coisas não teriam sido tão ordeiras”, diz Hiroshi Hiraizumi, diretor geral de comércio e indústria da província de Miyagi. Ele aponta para a correria atrás de suprimentos que ocorreu nos mercados de Tóquio enquanto as pessoas no nordeste permaneciam pacientemente nas filas por rações. “Tem sido uma chance para nós retomarmos o valor dessa característica tradicional japonesa.”


Há referências frequentes atualmente sobre a fibra moral de Tohoku. O ator japonês Ken Watanabe, em um site criado por ele para encorajar as vítimas, recita um poema do autor da província de Iwate, Kenji Miyazawa [assista abaixo, em japonês]. O verso descreve as aspirações de Miyazawa de cuidar dos doentes e necessitados de sua aldeia, enquanto ele mesmo deseja viver sem ser notado ou ser tratado como tolo pelos outros. Minha mãe pregou um pano com o poema estampado nele diante da minha mesa quando eu era pequena, e agora tenho um emoldurado na parede do meu filho de 12 anos.





Nós não seremos derrotados pelas dificuldades”, disse a dançarina japonesa Yukari Maluhia no mês passado, em um evento para promover um parque aquático temático na província de Fukushima, que está temporariamente fechado desde o terremoto.


“DNA de Tohoku” é a frase que uma das maiores jogadoras de tênis de mesa do mundo, Ai Fukuhara, usa para descrever a fonte de sua perseverança. Em uma propaganda exibida nos trens, Fukuhara, que é da província de Miyagi, é mostrada como uma garotinha em lágrimas após uma derrota. Ela declara no vídeo que não desistiu naquele momento e também não desistirá agora.


É claro, apesar das características do norte serem admiradas e copiadas, elas são apenas uma arma mental para enfrentar as tarefas enormes presentes. Trabalhadores estão removendo escombros há três meses em Kesennuma, mas metal retorcido, prédios em escombros e carros achatados ainda cobrem a costa. Muitos dos grandes barcos carregados pelo mar ainda permanecem em terra, incluindo um que se encontra diante da estrutura externa sobrevivente de um museu do tubarão. Um relógio na parede de um prédio parou às 15h30, a hora em que as ondas varreram a cidade.


O barco de transporte de combustível de Masaki Takahashi foi recuperado no mar, cinco quilômetros além da costa. Takahashi, presidente de uma empresa de revenda de combustível, está reparando a embarcação para que possa reabastecer os navios que entram no porto. A pesca foi retomada ao sul, e ele quer que aqueles navios descarreguem no porto de Kesennuma ainda neste mês, apesar de toda a infraestrutura do setor –escritórios, depósitos e equipamento de processamento– ter sido destruída.


Há um grande debate sobre como reconstruir a indústria pesqueira. O governador de Miyagi, Yoshihiro Murai, está promovendo um plano para abertura dos aspectos fechados do setor, como a distribuição limitada de licenças de pesca, para atrair empresas maiores e investimentos.


Mas a pequena comunidade está temerosa de abrir mão de seus modos tradicionais.


Nos três meses de dificuldades pós-tsunami, Iwai chorou apenas uma vez. No final de abril, ela foi ao porto para ver a embarcação que pegou fogo naquela noite no oceano. A embarcação de porte médio para pesca de cavalas, levando uma garrafa de saquê que Iwai colocou a bordo para abençoar sua última viagem, estava sendo rebocada para virar sucata no sul do Japão. “Até aquele momento, eu não tinha derramado nenhuma lágrima”, disse Iwai. “Mas quando vi aquele barco partindo... Um barco tem alma.”

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