Liberdade religiosa é arma essencial contra terrorismo, diz historiador - Por Andrea Murta


Nos dez anos de políticas fracassadas que se seguiram ao 11 de Setembro, os EUA não avançaram em nada na promoção da liberdade religiosa no mundo, uma causa polêmica que o ex-diplomata e historiador Thomas Farr diz ser preciso abraçar em nome da segurança nacional.

Farr, pesquisador do Berkley Center, em Washington, foi de 1999 a 2003 o primeiro diretor do escritório do Departamento de Estado americano para Liberdade Religiosa Internacional, que foi criado após aprovação de lei sobre o tema.

À Folha ele afirmou que o 11 de Setembro poderia não ter acontecido se a Arábia Saudita, origem de vários dos terroristas que participaram dos ataques, permitisse a exposição de várias versões do islamismo e de outras formas de pensamento em pé de igualdade. "A liberdade religiosa tem que ser considerada uma medida profilática contra o terrorismo", disse.

Farr defende que religiosos devem ser tratados como qualquer outro grupo de interesses, com liberdade para discutir e fazer lobby por suas visões na esfera política, desde que respeitados limites relacionados a violência e coerção.

FOLHA - A Lei de Liberdade Religiosa Internacional (IRF) foi aprovada em 1998. Poderia ter sido usada de alguma forma para evitar o 11 de Setembro?


 
THOMAS FARR- Não por meio da lei em si, pois ela era muito nova e liberdade religiosa não é algo que pode ser imposto ou que se desenvolva rapidamente. Mas é possível argumentar que Osama bin Laden teria tido menos motivação para partir para o terrorismo se tivesse crescido em uma Arábia Saudita com liberdade religiosa. Em vez de ter sido exposto exclusivamente ao wahhabismo e aos estudos de Sayyid Qutb [um dos pais do funtamentalismo islâmico moderno], ele teria tido também acesso a outras visões islâmicas mais moderadas, a visões não islâmicas, ao pensamento liberal e etc na mesma proporção. É isso que liberdade religiosa significa, igualdade sob a lei para todas as idéias e atores religiosos, dentro de limites. Bin Laden poderia ter se tornardo profundamente religioso, mas talvez sem o sentido de obrigação religiosa que comandava ataques.

Então podemos argumentar que liberdade religiosa é uma medida profilática contra o extremismo, a violência e o terrorismo de bases religiosas. A política americana não pode impor isso a ninguém. Mas pode encorajar os países que já veem o valor da liberdade religiosa a se aprofundarem nesse caminho.

 
O sr. defende que grupos religiosos devem ter a chance de expor e defender suas visões na esfera pública como qualquer outro grupo de interesses. Isso pode tirar violência de grupos mais extremistas e transforma-la em ação política?

 
Podemos ter visões religiosas e políticas violentas também. Mas em um ambiente aberto e democrático há limites à defesa de interesses. Não posso exigir que minha mulher seja queimada e enterrada comigo quando eu morrer em nome da religião, seria fundamentalmente antidemocrático. Há limites, em geral relacionados a violência e coerção. A questão é que ao receber ideias e grupos religiosos na esfera pública, tende-se a oferecer vantagens a aspectos menos radicais, mais democráticos e mais pró-direitos humanos, porque esses argumentos são bem sucedidos e angariam apoio fora do grupo religioso. É benéfico ter participação de grupos religiosos na política, inclusive com lobby.

 
Quais as consequência do 11 de Setembro para a visão da religião na política externa americana?

 
Inicialmente, houve um crescimento enorme da atenção ao tema. Antes, era comum considerar religião um assunto privado, difícil demais, e ela foi de certa forma "exilada". A atenção em si é positiva. O problema é que em vez de aumentar, em muitos lugares a liberdade religiosa diminuiu. Na China, por exemplo, passou o governo a acusar os uigures islâmicos do norte de terrorismo, de forma a oprimi-los. Pequim se aproveitou do fato de que uigures foram capturados lutando contra forças ocidentais no Afeganistão para incrementar uma política já existente de repressão. Muitos islâmicos nos EUA afirmam que a perseguição religiosa aqui também aumentou, e com razão. Isso é incrível, porque essas pessoas são na verdade a maior razão pela qual não tivemos outro ataque aqui. Tomamos o caminho inverso, em vez de promover liberdade religiosa, passamos a oprimi-la em nome da luta contra o terrorismo. E o resultado da opressão religiosa é justamente o extremismo.

 
Passados dez anos, as coisas melhoraram?

 
Não. As coisas não estão melhores, pois muito poucos membros do governo veem a promoção da liberdade religiosa como prevenção ao terrorismo. O argumento está começando a ser aceito, mas palavras não são suficientes, e não vemos ação. Há alguma defesa contra a perseguição religiosa, mas com fundamentos de direitos humanos. Isso não é negativo, mas não funciona como uma política em si.

 
Desde o 11 de Setembro os EUA teve governos de direita e de esquerda. Houve diferenças no tratamento da religião lá fora?

 
Todos os governos até agora fracassaram em promover liberdade religiosa. De certa forma, [o ex-presidente George W.] Bush foi uma decepção maior, pois ele tinha uma devoção pessoal à religião e falava do assunto constantemente. [Mas] a direita rejeita grupos religiosos [islâmicos] porque teme que sejam terroristas ou porque querem favorecer a visão cristã, e a esquerda quer esvaziar completamente a política de qualquer visão religiosa porque argumenta que a questão é muito divisiva e pouco democrática. Houve muito trabalho, há relatórios, há gente envolvida, mas não há nenhuma ação política como resultado desses governos.

 
A Primavera Árabe renovou a importância da liberdade religiosa de alguma forma?

 
O fato de que religião é importante está se tornando cada vez mais parte do diálogo sobre a Primavera Árabe. Inicialmente, julgaram o movimento no Egito secularista, partindo de jovens insatisfeitos mas desassociados da religião. Mas descartar o fator religioso foi uma besteira, como sempre é. Sou otimista em relação ao Egito. Acho que o desenvolvimento da democracia vai impor limites à Irmandade Muçulmana, assim como a outros grupos mais liberais do que eles. Mas se os egípcios não levarem em conta a questão da religião no Estado da forma correta, vão fracassar. O mesmo pode ser dito sobre a Líbia, a Síria e todos os outros. Parte da hesitação dos EUA na resposta inicial aos movimentos se deveu ao medo do fator religioso. Os EUA tendem a dizer que religião é assunto interno e não querem se envolver. Isso é absurdo.

 
Mas os outros governos também acham que é assunto interno e rejeitam envolvimento americano...

É claro que temos que ser cuidadosos quando outros países não querem nosso envolvimento. Mas acredito que podemos convencer os egípcios de que queremos estar envolvidos de forma positiva, ajudando a desenvolver os aspectos religiosos da sociedade civil. Todo país precisa disso para ser bem sucedido como democracia. Portanto, temos que superar a resistência ao envolvimento nos assuntos internos dos outros com o argumento de que é do interesse de seu governo e de seus atores políticos contar com nossa ajuda. Os egípcios costumam receber US$ 2 bilhões por ano dos EUA, e não consideram isso uma interferência indevida. Só temos que distribuir esse montante com mais sabedoria.

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