Da dor humana, nasceu o Ave Cristo/SP



A experiência de vida no combate diário ao tráfico de drogas é principal característica da profissão do delegado de polícia Vilson Disposti, de Birigui. 

Se incomodar com a dor dos familiares e, a partir de então, criar mecanismos para diminuir esse problema. A partir dessa retórica, Disposti resolve então condensar em um livro casos verídicos que lhe se transformou no ‘Filhos da Dor’, prefaciado por Divaldo Pereira Franco. Palestrante, Disposti esteve em Catanduva durante o último final de semana para revelar, de maneira surpreendente, a "outra face" da dependência química. 

São relatos sobre o tratamento especializado da dependência de drogas, que se destaca por identificar, primeiramente, a causa que a motivou, levando-se em conta a dualidade física e psíquica do ser humano, para, em seguida, aplicar inovadora metodologia integrada dos recursos da Psicologia, Neuropsiquiatria e dos princípios universais de Espiritualidade. 

Resulta, assim, em valiosa terapia que vem atendendo com maior eficácia à complexidade desse grave flagelo mundial, desencadeado, em regra, para aliviar a "dor psíquica" dos transtornos de ansiedade, depressão e obsessão. 

No gênero, é o mais completo e profundo livro já apresentado, porque demonstra, na prática, que Ciência e Espiritualidade, sem preconceitos, não têm contra-indicações na promoção da saúde humana, que se traduz pelo equilíbrio entre o bem-estar físico e o espiritual. Conheça nessa entrevista parte dos intrigantes fatores que estão por trás da dependência de drogas e como o crack deve se tornar grande epidemia do século.

O Regional: Qual é a ferramenta ideal para conseguir despertar o sentimento de solidariedade nos jovens?

Vilson Disposti: As gerações passadas legaram aos jovens de hoje um mundo pensado apenas para os adultos, portanto egoísta e sem espaço para eles. Por isso, tal como está, pouco lhes interessa. Veja o recado emergente do movimento “ocupe Wall Street”, que não tem uma causa determinada, mas sim um repúdio contra o modelo econômico mundial. Vivemos a era do vazio, ou do “individualismo”, segundo o sociólogo Gille Lipovetsky. No sentido de que atribuímos demasiado valor aos objetos, tanto que eles têm o poder de nos controlar. A felicidade passou a ser medida pelo “poder de compra”. Enquanto os contatos pessoais diminuíram, até mesmo pelo avanço tecnológico. Desse modo, as relações humanas também se transformaram em relações entre coisas, nascendo daí a dificuldade de se expressar atenção, afeto e solidariedade. Que dizer do comportamento humano que é “educado” por uma cultura desumanizada? Para se enfrentar um problema cultural, que vise a resgatar o lado humano das pessoas, entendo que a ferramenta da educação é fundamental. Refiro-me à educação intelectual e à espiritual. O ensino fundamental e o médio necessitam ser oferecidos à criança e aos adolescentes no período integral, para que tenham condições de sobressaírem desse modelo social em que se acham aprisionados. Enquanto a educação espiritual que fale de Deus e de Jesus é uma tarefa indelegável dos pais, que devem estar atentos para que as relações familiares estejam permeadas de atenção e afeto. É a construção do “deus interno” defendida por Jung, que deve ser aplicada desde a infância, para uma adolescência menos perturbada pelo medo, contribuindo para o adulto emocionalmente saudável.

O Regional: Como surgiu a ideia de abrir uma casa para recuperação “Ave Cristo” de dependentes químicos?

Disposti: Em razão do exercício da função de delegado de polícia, os pais apresentavam-me os filhos com dependência do crack, pedindo que eu lhes desse uma dura. Acreditando que o vício poderia ceder a uma pressão. Eram adolescentes entre 14 e 17 anos. Quando aceitavam ajuda, não havia estabelecimentos adequados, a não ser os hospitais psiquiátricos, que recusavam imediatamente dizendo que “não eram loucos”. A dor humana que pude presenciar, inclusive dos vários casos que investiguei de mortes de jovens por overdose, provocou-me certa indignação. Assim, sem qualquer presunção salvacionista, reuni um grupo de amigos e criamos, em 1991, o Centro de Reabilitação Ave Cristo, em Birigui, SP. Portanto, há duas décadas a entidade vem oferecendo tratamento gratuito.

O Regional: Quais foram as principais dificuldades encontradas?

Disposti: A maior dificuldade foi encontrar pessoas com tempo para serem voluntárias e cooperarem com o nascente programa de reabilitação. Enquanto no aspecto financeiro não faltaram recursos, porque encontramos pessoas que confiaram no projeto que era apenas um sonho naquele momento.

O Regional: O governo federal e até o estadual conseguem auxiliar na manutenção de uma casa de recuperação?

Disposti: Para a Ave Cristo oferecer o tratamento gratuito, 50% do custo do programa é mantido pela própria entidade, que processa amendoins e fabrica panetones e colombas. Os outros 50% são oferecidos pelo governo estadual, por meio de convênio.

O Regional: Qual a necessidade de se manter esse tipo de projeto em cidades do interior de São Paulo?

Disposti: O estado é lento! A ONU anualmente tem reprovado as autoridades brasileiras por não considerarem a dependência de drogas uma questão de saúde pública. O que implicaria em oferecer à população livre acesso aos serviços de saúde especializados nessa área. Assim, a necessidade impõe-se pela demanda dos serviços de saúde, proteção e assistência social, que são buscados pela população carente que não tem a quem recorrer, quando há necessidade de internação. O tratamento particular é caro e a saúde pública oferece apenas vagas para internação em hospitais psiquiátricos para permanência de apenas duas ou três semanas. No entanto, para o tratamento sem internação, há importante iniciativa do governo estadual que são os CAPES – Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas, que estão sendo instalados em algumas cidades do interior.

O Regional: Qual é o papel do espiritismo na tentativa da busca pelo despertar dos que sofrem com a dependência química?

Disposti: O espiritismo, apresentado ao mundo em sua dimensão filosófica, científica e religiosa por Allan Kardec, segue comprovando a sobrevivência e a comunicabilidade da alma depois da morte. Isso ajuda a dar sentido e valor à vida. Porque a dependência de drogas, embora doença, não deixa de ser um comportamento autodestrutivo, que inibe e aniquila a vida. O espiritismo ressalta a figura generosa de Jesus, como o grande psicoterapeuta de todos os tempos. Ele entende que todas as pessoas são recuperáveis ao declarar: “Vós sois deuses, pois brilhe a vossa luz.”

O Regional: A sociedade deve tratar a dependência química como uma doença?

Disposti: A sociedade reluta em reconhecer o alcoolismo e a drogadição como doença porque entende ainda que se trata de simples escolha da pessoa. No entanto, 61% dos dependentes apresentam transtornos de ansiedade ou depressão em seus mais variados graus, conforme pesquisas da Unifesp – Universidade Federal de São Paulo, e registros dos atendimentos pela Ave Cristo. Todavia, a maioria dos dependentes ignora esse fato. Desse modo, muitas pessoas podem estar consumindo álcool, medicamentos, drogas ilícitas, alimentos em excesso ou tendo uma hiperatividade sexual patológica, para aliviar sintomas de ansiedade ou depressão. A falta de conhecimento costuma estar por trás dos preconceitos.

O Regional: O crack é a droga que mais compromete a estrutura da sociedade civil organizada no país?

Disposti: A “epidemia de crack” foi reconhecida como realidade brasileira durante a campanha para a presidência da república. Depois, o assunto ficou em segundo plano, e a epidemia chegou a ser negada pela Secretaria Nacional Antidrogas. Agora no segundo semestre, as ações do governo começaram a pontuar nesse sentido, porque o governo descobriu que no Brasil há duas mil comunidades terapêuticas (casas de recuperação), de iniciativa da sociedade civil, que tratam de 60 mil internos.

O crack é uma droga terrível, porque atinge desde o morador de rua aos chefes de famílias honrados e segue até ao executivo de uma empresa produzindo-lhes compulsões irrefreáveis. O vício pelo crack desencadeia obsessões inimagináveis, levando a pessoa a centralizar sua preocupação em apenas como conseguir a próxima pedra. A pessoa entra em grave conflito porque não quer mais usar, porém é assaltada por uma fúria emocional para ela incontrolável.

O Regional: Como foi escrever o livro Filhos da dor? Quanto tempo demorou para ser escrito?

Disposti: O livro é o resultado de uma demorada pesquisa e estudos de casos acerca das motivações da drogadição, para se adequar o melhor tratamento. Na Ave Cristo, o programa busca abordar a “totalidade humana”, ou seja, leva em conta os aspectos físicos, psicológicos e espirituais do dependente. Assim, estudei obras e artigos científicos sobre psicologia, psiquiatria e neurobiologia, a fim de conhecer ao menos as noções básicas dessas ciências, porque nenhuma delas, isoladamente, consegue explicar a complexidade humana, o enigma de pensamento, desejos e impulsos humanos quase sempre em conflito. Mas, aliando os avanços dessas áreas com os postulados da imortalidade da alma e da reencarnação propostos pelo espiritismo, que igualmente estudei, vemos o ser humano como algo extremamente complexo e que ainda necessita ser decifrado, para ser compreendido.

O Regional: Qual a principal mensagem que passou na obra?

Disposti: Ressaltar que a amplitude da dor humana que emerge da dependência de drogas tem base nos transtornos emocionais, como indicam as estatísticas. Na obra buscamos relacionar as informações científicas que explicam tais distúrbios psíquicos como em consequência de um desequilíbrio na produção da bioquímica cerebral, especialmente da serotonina e da dopamina. No entanto, o que considero um ponto importante é a interface de tais descobertas com o espiritismo, que, indo além da psicologia de Freud – que revelou no indivíduo “o inconsciente” –, demonstra a existência do espírito eterno e imortal no comando estrutural do corpo, a desaguar a sua energética positiva ou negativa, enfermiça ou salutar, nos bilhões de neurônios que compõem o cérebro humano.

Na busca pela cura...

Vilson Disposti, advogado, professor-mestre de Direito Penal e escritor.  É diretor-fundador da Casa do Caminho Ave Cristo, que há 20 anos, oferece tratamento para dependentes de drogas, em Birigui-SP. (www.avecristo.com.br) É autor do livro: “Filhos da Dor - Prevenção e Tratamento da dependência de drogas”, com relatos de casos reais, lançado pela Editora  Inte-Lítera - São Paulo; sendo que o capítulo “Como conquistar a cura da dependência” da obra Filhos da Dor foi republicado no livro “As Mães de Chico Xavier”, Editora Intervidas, Catanduva-SP, 2011. O livro Filhos da Dor foi lançado em 11 de setembro de 2011, em Nova York, nos EUA, onde fez palestras em cidades dos estados americanos. É autor ainda, da obra "Constituição e Direitos Humanos”, Editora Boreal, Birigui, 2009 e de diversos Artigos como "Criminologia: Transtornos Neuropsíquicos e Imputabilidade Penal”, aprovado e publicado pela USP-Universidade de São Paulo, dentre outras universidades. No momento, além de suas atividades profissionais e de direção do Centro de Reabilitação Ave Cristo, realiza palestras e seminários no Brasil e exterior.


Comentários

Edna Urdiales disse…
Li o seu livro, vc está de parabéns, pois o problema foi colocado como realmente é, é necessário que se divulgue muito o livro. A ignorancia é um entrave muito grande para a recuperação dos dependentes.

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