Angola - O percurso musical de Urbano de Castro - Por Jomo Fortunato


À espiritualidade de Artur Nunes, juntaram-se as preocupações de índole social e política de David Zé, e a irreverência do cantor e compositor Urbano de Castro. Três figuras emblemáticas da história da Música Popular Angolana, cujo legado musical perdura até aos nossos dias, passados trinta e quatro anos de ausência do cenário artístico angolano. 

Urbano de Castro faria setenta e um anos, no dia 21 de Agosto de 2012, data do seu aniversário, provavelmente numa situação de convívio pacífico, com as tendências actuais da Música Popular Angolana, impensáveis na sua época. A sua música ficou marcada pelas influências dos géneros dançantes da América Latina, Congo Democrático e pelo cancioneiro luandense, com os quais teve um contacto muito próximo, perceptíveis pela análise do conjunto da sua obra musical.

Juntamente com Artur Nunes e David Zé, Urbano de Castro deixou um espólio musical que ajuda a compreender as conflitualidades sociais da sua época, as aspirações reais dos jovens angolanos, em situação de dominação colonial, o amor e o encanto da mulher: Chora/ chora, chora/ até meio-dia/ procurando a Rosa Maria/ que desapareceu/ eu andei/ noite e dia/ procurando/ a mulher que eu mais amei/ Rosa Maria/ eu andei/ noite e dia/ procurando/ a mulher que eu mais amei/ Rosa Maria…“Rosa Maria” é uma das canções mais conhecidas de Urbano de Castro, e a mais preferida pela nova geração de intérpretes. Na gravação original de “Rosa Maria”, Urbano de Castro foi acompanhado pelo conjunto Águias-reais, com Manuelito (viola baixo), Gino (guitarra ritmo), Gregório Mulato (percussão), Julinho, (tumbas), e Zeca Jacó (dikanza).

As canções

Urbano de Castro foi um compositor que transformava em canção, as mais singelas ocorrências do quotidiano, de forma inusitada e ocasional. Muitas da suas composições surgiram em encontros de amigos, e ficaram na história as tertúlias realizadas nas “casas gémeas”, no bairro Rangel, zona do México, propriedade do cantor e compositor, Óscar Neves.



Urbano de Castro gravou com os Kiezos, Jovens do Prenda, África Ritmos, África Show, e Águias-reais, tendo deixado em singles as canções: “Assim vai a moda”, “Carnaval chegou”, “Comboio”, “Dilangue”, “Fatimita”, “Ginginda”, “Hima”, “Kialumingo”, “Lamento de filho”, “Margarida”, “Maria da horta”, “Merengue Joaquina”, “Nvula”, “Deus perdoa”, “Rosa Maria”, “Se uala ni ginginda”, “Semba avó”, “Semba careca”, “Semba lekalo”, “Lamento de Visconde”, “Semba Maria”, “Mona”, “Rumba negra”, “Rumba soba”, “Arranjar marido, “Nzambi iami ngui loloké”, “Mamã está chateada”, “Muxima uolo mbanza”, “Mulata, “Merengue Urbanito”, “Adeus perdoa”, “Luanda capital”, “Rumba muxima”, “Ginginda”, “Malta da rebita”, “Merengue Joaquina” e “Mukongo”, canção em homenagem ao seu avô, um caçador muito conhecido.

Acrobatismo e escolaridade

Filho de Manuel Urbano de Castro e de Domingas Joaquim, António Urbano de Castro nasceu em Luanda, no município do Cazenga, no dia 21 de Agosto de 1941, tendo concluído os estudos primários na escola São Domingos. Serralheiro de profissão, trabalhou como operário na empresa União, tendo-se transformado num pequeno proprietário, no ramo da hotelaria, com os rendimentos provenientes da música. 

Urbano de Castro fez parte do grupo coral da Igreja Tocoísta, em 1965, experiência que teve um importante papel na consolidação e afirmação da sua carreira musical. Quando, em 1969, Urbano de Castro pisa o palco do Ngola Cine, pela primeira vez, aparece não como cantor mas demonstrando técnicas de acrobatismo, habilidade, e equilibrismo.

Música e revolução

Em 1970, Urbano de Castro tinha vinte e nove anos e, tal como a maior parte dos jovens da sua época, aderiu à revolução anti-colonial. Neste mesmo ano foi preso pela PIDE, onde esteve recluso durante três anos, na sequência de uma tentativa de fuga para Cabinda, com o fito de se juntar aos guerrilheiros do MPLA . A segunda tentativa, com êxito, ocorre em 1973, tendo-se juntado, posteriormente, ao “Esquadrão Maiombe” com Sabata, Kiamuchi, David Zé, Francisco Vasco Vigário e Passarão, guerrilheiros do famoso esquadrão Mayombe. A canção “Angola liberté”, editada em single, é desta época, e teve um enorme efeito mobilizador nas bases das FAPLA, acompanhada pelo conjunto “Merengues”. Amigo do cantor e instrumentista Dikembé, Urbano de Castro integrou, como um dos principais vocalistas, o célebre conjunto musical  FAPLA-POVO.

Reconhecimento

A memória e o conjunto da obra de Urbano de Castro, foi recordada no Centro Cultural e Recreativo Kilamba, em Agosto de 2004, ocasião em que os herdeiros dos cantores receberam, a título póstumo, um diploma de mérito. Os cantores: Urbanito Filho, Paulino Pinheiro, Pakito, Santos Júnior, Dom Caetano e Legalize, interpretaram “Luanda capital”, “Rosa Maria”, e “Maria da Horta”.

Um outro gesto de reconhecimento aconteceu no programa “Muzongué da Tradição”, do Centro Cultural e Recreativo Kilamba, que recordou o conjunto da obra de David Zé e Urbano de Castro, na sua edição de Setembro de 2010, no âmbito do projecto de preservação, valorização e divulgação dos cantores e compositores representativos da história da Música Popular Angolana. Nesta homenagem, a segunda depois da morte de Urbano de Castro, os cantores Legalize, Gaby Moy e Calabeto interpretaram os principais sucessos da carreira de Urbano de Castro, acompanhados pela Banda Movimento, da Rádio Nacional de Angola.


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