Mortes na França: o rabino Jonathan Sandler e uma vida dedicada a um ideal religioso - Por Emeline Cazi e Stéphanie Le Bars


Eva Sandler estava na janela de seu apartamento, com sua filhinha de 18 meses nos braços, quando a lambreta parou diante do portão da escola, na manhã de segunda-feira (19), pouco antes das 8h. 

A rua Jules-Dalou, em Toulouse, ainda estava tranquila a essa hora. Os alunos externos chegavam mais tarde. Na calçada, Jonathan Sandler, seu marido, esperava com seus dois meninos mais velhos o ônibus escolar que os levava todas as manhãs à escola Gan-Rachi, a 15 minutos dali. 

O ônibus logo iria chegar. Mas o homem chegou antes, sacou sua arma e atirou. Atingido uma primeira vez, Jonathan Sandler tentou se levantar antes que o assassino, determinado, atirasse uma segunda vez.

Do alto de sua janela, Eva Sandler viu toda a cena. No chão, cobertos de sangue, os corpos de Jonathan, jovem pai de 30 anos, os de Arieh e de Gabriel, seus dois filhos, e o de Myriam Monsonego, a filha do diretor da escola. Eva nunca conseguirá se esquecer dessas imagens. Ela não tem nem 30 anos. Grávida de seu quarto filho, agora ela é viúva, sozinha com sua filha pequena e esse bebê que ainda não nasceu e que nunca conhecerá seu pai.

O jovem casal morava na escola de Ozar-Hatorah, em Toulouse, desde que chegara de Israel, em setembro de 2011. Criado no departamento de Yvelines, Jonathan Sandler, seu pai, o engenheiro Samuel, é o presidente da comunidade judaica de Versalhes, havia conhecido Toulouse quando era adolescente, como aluno do mesmo liceu. 

“Jonathan Sandler era o único interno que não nos aterrorizava quando eu era aluno”, conta Marc Sztulman, que se tornou secretário-geral do Conselho Representativo das Instituições Judaicas (CRIF) da região de Midi-Pirineus.

Residente em Israel


O liceu Ozar-Hatorah goza de excelente reputação, e as famílias preocupadas em transmitir seus valores a seus filhos não hesitam em enviá-los de Paris, Lyon ou Estrasburgo para lá, de forma que eles recebam uma sólida educação religiosa além das aulas.

Os Sandler, que chegaram da Alemanha em 1938 e já há muito tempo estão envolvidos nas instituições da comunidade, fazem parte dessas famílias judias francesas “praticantes, ortodoxas e abertas para o mundo”, como atesta o ex-grande rabino de Paris, Alain Goldmann. Ele assistiu ao bar mitzvah de Jonathan, “abençoou seu casamento” e assistiu à circuncisão dos dois meninos, mortos na chacina de segunda-feira.

Foi depois que concluiu o ensino médio que Jonathan, como muitos jovens praticantes franceses, decidiu aperfeiçoar seus conhecimentos religiosos em Israel e ali se estabelecer. Ele se matriculou em uma yeshiva (escola talmúdica) de Jerusalém. 

Depois que se casou com Eva, uma jovem originária de Bordeaux, o casal foi morar em Israel, onde Jonathan, professor de religião, preparava jovens francófonos para o rabinato. “Ele realmente seguia um ideal religioso”, conta o grande rabino Goldmann. “Quando ele voltou para a França, até lhe pediram para dar cursos de Talmude em Bordeaux. Ele iria para lá na segunda à noite”.

O jovem religioso, em missão por dois anos na França, havia encontrado com prazer Jacob Monsonego e sua esposa, seus pais “postiços” durante seus anos de colégio, a quem ele havia proposto dar horas de instrução religiosa. “Ele, por sua vez, queria transmitir os valores que havia recebido”, explica Nicoles Yardeni, presidente do CRIF de Midi-Pirineus.
“Ele queria ajudar as crianças com dificuldades a irem bem e conhecerem a Torá”, confirmou sua mulher à imprensa israelense. “Ele dava o melhor de si por essa nobre missão. A única ajuda que peço é para que permaneçam fiéis à Torá. Se vocês cumprirem os Mitsvot [mandamentos judaicos], estou certa de que as almas de meus filhos serão aceitas no paraíso.”

Como pede a tradição judaica, os corpos das quatro vítimas foram colocados no chão, cobertos por uma mortalha branca e velados a noite inteira. Na terça-feira, parentes e amigos se revezaram a manhã inteira para recitar salmos e o Kaddish, a oração dos mortos, em um grande clima de reverência. Mas, às 14h, quando os quatro caixões de madeira clara saíram do refeitório, o pátio do colégio foi tomado por terror com a visão dos amigos de Jonathan, urrando sua dor e agarrando-se ao cortejo como se para conter o inevitável.

“8 anos, 8 anos”, repetia uma mãe inconsolável atrás do carro que levava a pequena Myriam. Transportados até Paris, os corpos deixaram a França na terça-feira à noite para chegar na quarta-feira a Israel. Eles foram enterrados no grande cemitério de Jerusalém ao amanhecer.



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