Cresce o antissemitismo em cidade sueca - Por Donald Snyder


Os gritos de "Heil Hitler" que eram dirigidos com frequência para Marcus Eilenberg quando ele ia para a sinagoga foram demais. Temendo pela segurança de sua família, Eilenberg mudou-se com a mulher e dois filhos para Israel.
"Eu não queria que meus filhos crescessem nesse ambiente", disse ele. "Não seria justo para eles ficar em Malmo."
A Suécia, um país há muito tempo considerado um modelo de tolerância, tinha sido um refúgio para a família de Eilenberg. Seus avós paternos estabeleceram um lar em Malmo em 1945, depois de sobreviver ao Holocausto. Os pais de sua mulher chegaram à cidade portuária em 1968, vindos da Polônia, depois que o governo comunista de lá lançou um expurgo antissemita.
Mas a combinação de uma população muçulmana em rápido crescimento, vivendo em condições segregadas, com a raiva disseminada contra as políticas e os atos de Israel foi tóxica para os judeus locais. Como em muitas outras cidades europeias, os judeus de Malmo dizem que foram submetidos a crescentes ameaças, intimidação e violência como representantes de Israel.
Malmo, a terceira cidade da Suécia, com uma população de aproximadamente 294 mil habitantes e que inclui menos de 800 judeus, atingiu uma espécie de ponto de virada em janeiro de 2009 durante a campanha militar israelense em Gaza. Um pequeno grupo de maioria judia realizou uma demonstração chamada de marcha pela paz, mas considerada um sinal de apoio a Israel.
Os manifestantes foram atacados por um grupo muito maior de muçulmanos e esquerdistas suecos. A polícia pareceu incapaz de conter a violência.
"Fiquei realmente assustado", lembrou o doutor Jehoshua Kaufman, um líder comunitário judeu. "Assustado porque havia muita gente irada diante de nós, gritando insultos e atirando garrafas e soltando fogos ao mesmo tempo. O ruído era muito alto. E fiquei irritado porque realmente queríamos seguir com aquela demonstração, mas não pudemos terminá-la."
Alan Widman, um parlamentar de Malmo que não é judeu e pertence ao Partido Liberal, disse simplesmente: "Eu nunca senti tanto medo na minha vida". Os manifestantes acabaram sendo evacuados pela polícia.
Uma bomba explodiu na escada diante da sinagoga de Malmo pouco depois das 2 da manhã de 23 de julho. A polícia classificou a explosão como um ato de vandalismo, crime que recebe baixa prioridade e raramente é solucionado, segundo um policial sueco. 
O superintendente da polícia de Malmo, Mats Atten, disse ao semanário judeu "Forward": "Se ninguém viu nada e não temos pistas, não podemos fazer nada e a investigação será encerrada. Não somos mágicos".
O antissemitismo na Europa foi historicamente associado à extrema-direita, mas os judeus entrevistados para esta reportagem dizem que a ameaça na Suécia hoje vem dos muçulmanos e da mudança de atitude sobre os judeus na sociedade em geral. Existem aproximadamente 45 mil muçulmanos em Malmo, cerca de 15% da população da cidade. Muitos deles são palestinos, iraquianos e somalis, enquanto outros vieram da antiga Iugoslávia.
Mas o problema não são apenas os muçulmanos, nem acontece só em Malmo.
Um estudo continental realizado pelo Instituto para Pesquisa Interdisciplinar sobre Conflito e Violência, da Universidade de Bielefeld, Alemanha, divulgado em dezembro passado, revelou que 45,7% dos europeus entrevistados concordam de alguma forma ou fortemente com a seguinte declaração: "Israel está conduzindo uma guerra de extermínio contra os palestinos". E 37,4% concordaram com esta declaração: "Considerando a política de Israel, posso entender por que as pessoas não gostam dos judeus".
"Existe um nível muito alto de antissemitismo oculto sob as críticas às políticas de Israel", disse Beate Kupper, uma das principais pesquisadoras do estudo, em entrevista por telefone, citando uma tendência a "culpar os judeus em geral pelas políticas de Israel".
Kupper disse que nos lugares onde há um forte tabu contra expressões de antissemitismo, como na Alemanha, "criticar Israel é uma ótima maneira de expressar o antissemitismo de forma indireta".
Segundo Bassam Tibi, professor emérito de relações internacionais na Universidade de Gottingen, na Alemanha, e autor de vários livros sobre o crescimento do islamismo na Europa, os muçulmanos formam um importante subconjunto desse problema. 
"O crescimento da diáspora muçulmana na Europa está afetando os judeus", disse Tibi. Segundo ele, muitos muçulmanos europeus pensam que "todo judeu é responsável pelo que Israel está fazendo e pode ser um alvo".
Em Malmo, o papel dessa população é considerado especialmente significativo. A maioria dos muçulmanos de Malmo vive em Rosengard, a zona leste da cidade, onde o índice de desemprego é de 80%. Antenas de satélite salpicam os arranha-céus para receber programas da Al Jazira e outras redes a cabo em língua árabe, que mantêm os muçulmanos de Malmo em permanente contato com os acontecimentos árabe-israelenses.
Sylvia Morfradakis, uma autoridade da União Europeia que trabalha com os desempregados crônicos, os que estão sem trabalho há dez ou 15 anos, disse que o principal motivo pelo qual 80 a 90% dos muçulmanos entre 18 e 34 anos não conseguem arranjar emprego é que eles não falam sueco.
"Os empregadores suecos insistem que os trabalhadores falem bem a língua, mesmo para os empregos mais simples", disse Morfradakis. Ela acrescentou: "O conceito de bem-estar social de ajuda sem fim não incentiva as pessoas a fazer algo para melhorar suas vidas".
Mas Per Gudmunson, editorialista chefe do "Svenska Dagbladet", um importante jornal sueco, é crítico dos políticos que põem a culpa pelos atos antissemíticos nas condições de vida dos muçulmanos. 
Esses políticos oferecem "desculpas frágeis" para os adolescentes muçulmanos acusados de crimes de antissemitismo, ele disse. "Os políticos dizem que esses garotos são pobres e oprimidos, e nós os fizemos ter ódio. Na verdade, eles estão dizendo que o comportamento deles é de certa forma nossa culpa."
O problema dos judeus preocupa Annelie Enochson, uma parlamentar sueca democrata-cristã. "Se os judeus se sentem ameaçados na Suécia, fico muito assustada com o futuro do meu país", ela disse em uma entrevista.
Por ser o judeu mais visível em Malmo, com seu chapéu de feltro preto e sua longa barba, o único rabino da cidade, Shneur Kesselman, 31, é um dos principais alvos do sentimento antissemítico muçulmano. 
Em seus seis anos na cidade, o rabino ortodoxo, que é americano, foi vítima de mais de 50 incidentes antissemíticos. Ele é um homem delicado, com uma determinação de aço a continuar em Malmo apesar do perigo.
Dois membros da embaixada americana em Estocolmo o visitaram em abril para conversar sobre sua segurança. Eles tinham bons motivos para preocupar-se.
O rabino lembrou o dia em que estava atravessando a rua com sua mulher, perto de casa, quando um carro subitamente deu marcha a ré e acelerou na direção deles. Os dois escaparam do veículo por pouco e conseguiram chegar ao outro lado da rua. "Minha mulher estava aos gritos", disse o rabino. "Foi um acontecimento traumático."
Os jornais locais relatam que o número de incidentes antissemíticos em Malmo duplicou de 2008 para 2009. Enquanto isso, Fredrik Sieradzki, porta-voz da comunidade judia de Malmo, estima que a pequena população judia está encolhendo 5% ao ano. "Malmo é um lugar para nos afastarmos", ele disse, citando o antissemitismo como principal motivo. "A comunidade tinha o dobro do tamanho atual duas décadas atrás."
A sinagoga em estilo mourisco, de 107 anos de idade, tem uma segurança elaborada. Seu vidro não é apenas à prova de balas, dizem as autoridades comunitárias judias; é à prova de foguetes. Guardas verificam os estranhos que tentam entrar no edifício.
Alguns pais judeus tentam proteger seus filhos mudando-se para bairros onde há menos muçulmanos nas escolas, para reduzir os confrontos.
Seis adolescentes judeus entrevistados mencionaram agressões antissemíticas por parte de colegas muçulmanos. Segundo as vítimas, nenhum dos agressores foi detido, muito menos punido.
Uma vítima foi Jonathan Tsubarah, 19, filho de um judeu israelense que se estabeleceu na Suécia. Enquanto ele passeava pela Praça Gustav Adolphe em 21 de agosto de 2009, três jovens, um palestino e dois somalis, o pararam e perguntaram de onde ele era, lembra Tsubarah.
"Sou de Israel", ele respondeu. Um dos agressores retrucou: "Eu sou da Palestina e vou matá-lo". Os três o derrubaram com socos e pontapés, disse Tsubarah. "Mate o judeu", eles gritavam. "Agora você se orgulha de ser judeu?" O adolescente, de compleição frágil, respondeu: "Não, não me orgulho". Ele disse que só fez isso para que parassem de lhe bater. Tsubarah disse que pretende ir para Israel e entrar no exército.
Muitos judeus culpam a polícia sueca por não reprimir o antissemitismo. A maioria dos crimes de ódio em Malmo são atos de vandalismo, disse Susanne Gosenius, diretora da recém-criada unidade de crimes de ódio do Departamento de Polícia de Malmo. 
Estes incluem a pintura de suásticas em edifícios. Segundo Gosenius, a polícia não dá prioridade a esse tipo de crime. "É muito raro a polícia encontrar os perpetradores", ela disse. "Os suecos não entendem por que as suásticas são ruins e como elas ofendem os judeus."
Parlamentares participaram de manifestações anti-israelenses em que a bandeira de Israel foi queimada enquanto bandeiras do Hamas e do Hizbollah eram hasteadas, e a retórica era com frequência antissemítica, não apenas anti-Israel. Mas essa retórica pública não é considerada odiosa e denunciada, disse o professor Henrik Bachner, autor e professor de história na Universidade de Lund, perto de Malmo.
"A Suécia é um microcosmo do antissemitismo contemporâneo", disse o doutor Charles Small, diretor da Iniciativa para Estudo do Antissemitismo da Universidade Yale. "É uma forma de aquiescência ao islamismo radical, que é diametralmente oposto a tudo o que a Suécia representa."
O imame de Malmo, Saeed Azams, que afirma representar 80% dos muçulmanos da cidade, disse que é errado culpar os judeus suecos pelos atos de Israel. Durante uma entrevista em seu escritório, Azams salientou a importância de ensinar aos jovens muçulmanos que parem de comparar os judeus de Malmo com Israel.
"Como a sociedade judia na Suécia não condena os atos claramente ilegais de Israel, as pessoas comuns pensam que os judeus daqui são aliados de Israel, mas isso não é verdade", ele disse.
O imame minimizou a seriedade do problema, dizendo que os incidentes antissemíticos foram consequência de ignorância e que "não há mais de cem pessoas, a maioria menor de 18 anos", que se envolvem em violência e pertencem a gangues de rua. "Há algumas coisas que eu não consigo controlar", ele disse.
O imame é um defensor do diálogo com líderes judeus e aprovou a criação de um "comitê do conflito". O prefeito social-democrata de Malmo, Ilmar Reepalu, indicou o psicólogo Bjorn Lagerback para cuidar do recém-formado Fórum de Diálogo, que inclui líderes judeus e muçulmanos.
O prefeito criou o fórum depois da violência do ano passado contra os manifestantes judeus e seus próprios comentários polêmicos que irritaram os judeus. Dizendo que condenava tanto o sionismo quanto o antissemitismo, Reepalu criticou os judeus de Malmo por não assumirem uma posição contra a invasão de Gaza por Israel. "Em vez disso, eles preferiram organizar uma demonstração no centro da cidade, que as pessoas podiam interpretar mal", ele disse.
Entrevistado na prefeitura de Malmo, o psicólogo Lagerback admitiu uma "situação horrível" em Rosengard, onde carros de bombeiros e ambulâncias são muitas vezes apedrejados por jovens muçulmanos irados. Mas, assim como o imame, ele se apressou a acrescentar que os que praticam violência são um pequeno número de jovens. Ele atribui esse comportamento à pobreza, à superpopulação e ao desemprego, e também a diferenças culturais.
"Somos suecos, mas cidadãos de segunda ou terceira classe", disse Mohamed Abnalheja, vice-presidente da Associação de Lares Palestinos em Malmo. A organização ensina crianças de origem palestina sobre sua ligação com uma pátria palestina. "Temos o direito ao nosso país, a Palestina", ele disse. "Hoje a Palestina está ocupada pelos sionistas."
Enquanto isso, Judith Popinski, de 86 anos, diz que não é mais convidada para as escolas com grande presença muçulmana para contar sua história de sobrevivente do Holocausto.
Popinski encontrou refúgio em Malmo em 1945. Até recentemente, ela contava sua história nas escolas locais como parte do programa de estudos do Holocausto. Hoje algumas escolas não pedem mais para os sobreviventes contarem suas histórias porque os estudantes muçulmanos os tratam com grande desrespeito, seja ignorando os palestrantes ou saindo da classe.
"Malmo me lembra o antissemitismo que eu sentia quando criança na Polônia antes da guerra", disse Popinski trêmula, com sua voz frágil. "Não estou mais segura como judia na Suécia."
No entanto, ao contrário de outros, ela está decidida a ficar. "Não serei uma vítima mais uma vez", ela disse.

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