Imigração: a estratégia de Hollande ilustra a mudança ideológica do Partido Socialista - Por Alexandre Lemarie e David Revault D'allonnes


Teria François Hollande operado uma nítida mudança ideológica na questão da imigração?
É inegável que, sob a dupla pressão do desempenho de Marine Le Pen no primeiro turno e de um Nicolas Sarkozy decidido a fazer dessa questão o maior campo de batalha presidencial, os socialistas desde o primeiro turno vêm usando um registro lexical até então incomum. E, também, uma firmeza inédita.
“Os moradores dos bairros populares que se preocupam com fluxos migratórios clandestinos não são racistas”, disse Ségolène Royal ao “Le Monde”, três dias depois de a candidata da Frente Nacional obter mais de 18% dos votos. Seus colegas de partido foram atrás. A começar por Hollande, que na quarta-feira disse, na BFM TV, que “há imigrantes demais em situação irregular”.
Expressões que, até pouco tempo atrás, teriam sido um escândalo na sede do Partido Socialista na Rua de Solférino, observa um dirigente socialista. “Aquele que dissesse isso em um congresso seria massacrado. Nunca ninguém teria se atrevido, nem mesmo Manuel Valls”, opina um outro, referindo-se ao ex-candidato nas prévias que teria proposto a instauração de cotas de imigrantes.
Hoje, nenhum camarada se choca. Com a atualização dos socialistas sobre a segurança ao longo de vários anos, à custa de turbulentos debates ideológicos, seus posicionamentos sobre a imigração, uma questão que Hollande até então não havia colocado no centro de sua campanha, logo mudaram.
O debate de quarta-feira (02/04) transmitido pela TV evidenciou o endurecimento das posições do candidato do PS, que havia preparado com um cuidado particular o ataque à imigração.
Nicolas Sarkozy o colocou em uma situação difícil, ao divulgar uma carta endereçada à France Terre d’Asile [associação de apoio ao direito de asilo na França] na qual o candidato do PS pretendia tornar “excepcional” a implantação dos centros de retenção, e assim Hollande pareceu recuar, embora tivesse acompanhado essa posição com outra solução, a de prisão domiciliar.
Um outro ponto lhe permitiu exibir sua firmeza: a questão da “imigração econômica”, que ele pretende “limitar”, em razão da crise, estabelecendo, entre outras coisas, o “número” de estrangeiros a serem recebidos a cada ano, após um debate parlamentar. Uma nuance em relação ao projeto socialista, que defendia uma lei trienal de orientação.

“Esclarecimento”


Na Rua de Solférino, nega-se que estejam invadindo o território da Frente Nacional, como a UMP. “Na verdade não está havendo um endurecimento, mas sim um esclarecimento”, relativiza a deputada de Paris, Sandrine Mazetier, secretária nacional para Imigração do PS. “François Hollande em geral é consistente com a doutrina do partido, onde estava escrito preto no branco que continuariam a deportar pessoas em situação irregular”.
Um socialista, especialista nessas questões, chegou a dizer que “a modificação do posicionamento de François Hollande entre os dois turnos é uma ilusão de ótica. Antes mesmo do primeiro turno, ele deu declarações que poderiam ter chocado certas pessoas. E em nenhum momento de sua campanha ele se indignou com práticas do atual governo...” 
Outro dirigente socialista se mostra mais cínico: “François é um pragmático. Ele não havia desenvolvido essas posições antes de perceber que os índices de transferência dos eleitores da FN para Sarkozy haviam passado de 45% para 55%”.
A posição do candidato socialista sobre a emblemática questão do direito de voto dos estrangeiros não comunitários nas eleições municipais ilustra essas sutilezas táticas. Frente ao atual presidente, que agita a ameaça de um voto “comunitarista”, ele defendeu, na quarta-feira à noite, sua proposta.
Ao explicar que tal lei “pressupõe uma modificação da Constituição”, ele detalhou seu processo legislativo, mencionando um referendo caso o texto não obtenha a maioria no Parlamento.
Aparentemente, portanto, Hollande não admite nada. “Ele foi claro”, comemora Benoît Hamon, porta-voz do partido. “Ele assumiu totalmente a questão do direito de voto dos estrangeiros, sem se esconder atrás da facilidade que é explicar que a sociedade não está madura”.
Não parece que ele vai desistir dessa medida altamente simbólica, da qual François Hollande pretende fazer sua grande reforma social de início de mandato, como foi a abolição da pena de morte em 1981.
O ex-primeiro-secretário do PS, se for até o fim, poderá se vangloriar de ter ido mais longe que Lionel Jospin, que não submeteu a proposta de lei constitucional aprovada pela Assembleia Nacional no dia 3 de maio de 2000 para ser examinada pelo Senado, onde a maioria de direita era contra. 
E também que François Mitterrand, que fizera dela a 80ª das 101 propostas de seu programa em 1981, antes de voltar atrás, durante sua campanha de 1988. Em sua Carta a Todos os Franceses, ele lamentou “pessoalmente que o estado de nossos costumes” não tivesse permitido aprová-la.

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