Universidades integram oficinas de escrita criativa ao currículo


Na França, eles são chamados de ateliers d'écritures. Na Espanha e na América Latina, existem os talleres

Já os Estados Unidos têm tradição em programas universitários de creative writing. Embora a formalização das oficinas de escrita criativa como cursos acadêmicos seja um fenômeno relativamente novo no Brasil, os resultados dessa iniciativa sinalizam a existência de grande interesse nessa área, tanto de estudantes quanto do público em geral.
Além das oficinas independentes, geralmente oferecidas em centros culturais, existem hoje cursos de graduação, extensão e qualificação profissional voltados à capacitação de quem se interessa pelo processo de construção, interpretação e avaliação de uma obra literária e, principalmente, àqueles que desejam se tornar escritores.
As oficinas formais, integradas a cursos acadêmicos, tiveram início nos Estados Unidos entre as décadas de 1930 e 1940, e se popularizaram no país nos anos pós-Segunda Guerra Mundial. Atualmente, quase todas as universidades americanas oferecem programas que contam com workshops ministrados por autores renomados, incluindo brasileiros como João Gilberto Noll e Charles Kiefer. 
A mais antiga experiência de oficinas de escrita criativa no Brasil data de 1962, idealizada pelo escritor Cyro Martins na Universidade de Brasília. Iniciativas semelhantes criadas a partir dos anos 1970 foram muito bem recebidas e deram origem a importantes projetos desenvolvidos em centros como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Do mesmo modo que não é certo que escolas de arte formem somente grandes artistas, a pretensão dos cursos não é de se firmar como fábrica de escritores. 
"Não se pode ensinar alguém a escrever, mas a aperfeiçoar seu texto, ter mais consciência dos recursos técnicos e literários e de que forma esses recursos já foram usados por outros autores no passado", explica Noemi Jaffe, professora de Literatura Brasileira e Crítica Literária da pós-graduação em Letras da PUC-SP.
Noemi, que também é escritora e já ministrou oficinas na Casa do Saber, em São Paulo, explica que o trabalho dos cursos e de seus professores é auxiliar os alunos na descoberta da originalidade, trabalhando a teoria narrativa e literária dentro de uma linguagem própria. 
Mesmo em atividades temáticas, a diversidade de estilos contida em cada turma impede a uniformização dos textos. As oficinas também não providenciam truques de aprendizagem a curto prazo e costumam se estender por, no mínimo, seis meses. 
"Os cursos precisam ter um efeito duradouro na escrita da pessoa. Uma boa oficina é algo que abarca todos os gêneros de escrita, tem muita prática e dá aos alunos bastante tempo para praticar", explica a professora.
Deve-se atentar à importância de escolher cursos bem estruturados, com professores experientes e currículos que combinem o conhecimento teórico e a prática. A experiência pode ser válida também para os estudantes que ingressam na faculdade de Letras para seguir carreira literária: 
Noemi observa que muitos cursos de graduação ainda carecem de disciplinas práticas e aulas em que a análise literária se compromete mais em estudar os recursos técnicos do que o autor ou período da obra em si, aspectos que podem ser explorados nas oficinas.
E mesmo quem opta pelos cursos fora da universidade deve se empenhar nas tarefas e estar aberto às críticas. "Muita gente procura os cursos pensando que eles podem ser uma espécie de terapia, e não é o caso", ressalta a professora. "As oficinas são um momento de troca e aperfeiçoamento, não de transformação ou mágica. Os resultados dependem muito mais da disciplina do aluno do que do professor", comenta Noemi.

Oficinas podem despertar carreiras 

Entre as oficinas brasileiras que fazem parte de cursos acadêmicos está a de Criação Literária da PUCRS, inserida no programa de pós-graduação em Letras da universidade e uma das pioneiras do gênero no país. Desde sua criação, em 1985, o curso é ministrado pelo escritor Luiz Antonio de Assis Brasil e é aberto à comunidade. As turmas são formadas por meio de um processo seletivo e trabalham conteúdos ligados à escrita e ao conto. Ao fim de um ano letivo, as produções dos alunos são publicadas em uma antologia.
Em 2011, o curso adotou o formato não presencial, com parte das aulas ministradas via internet. Assis Brasil afirma que o curso é predominantemente procurado por pessoas que desejam seguir a carreira acadêmica, mas também é uma opção de quem se decide pela profissão de escritor depois de graduado em outra área, e para quem deseja melhorar a escrita ou não está seguro o suficiente para investir em uma faculdade de Letras. 
"As oficinas literárias têm um papel muito importante, porque podem servir como um despertar. Às vezes, o aluno inicialmente não sabe se tem vocação e pode acabar fazendo uma carreira literária respeitada", diz o escritor.
A incerteza que leva alguns alunos a experimentar os cursos levanta a ideia de que escritores legítimos não passam por oficinas literárias, ou que grandes autores não necessitaram de formação para se tornarem famosos. "Imagine se eles houvessem passado por uma oficina, quantos escritores mais nós teríamos hoje?", questiona Assis Brasil.
Segundo o escritor, as oficinas são a formalização de uma prática tão antiga quanto a própria literatura: a troca de ideias e refinamento do texto por meio de críticas também orientou o trabalho de autores como Flaubert ou Eça de Queiroz. 
"Acho que a pergunta a se fazer é como se forma um escritor: com muita leitura, muita prática de escrita, ouvindo os outros, lendo críticas literárias e, se possível, frequentando uma oficina. Ela é um momento na vida do escritor que pode ser muito útil", afirma Assis Brasil.
A validade das oficinas também se estende aos professores. "Muitas vezes eu revisei o meu texto levando em conta o que espero e peço dos meus alunos. É algo que acaba sendo incorporado ao meu modo de pensar e escrever", conta o escritor.

Graduação na área é recente 

Já o curso de graduação é uma das as iniciativas mais recentes implementadas no meio acadêmico brasileiro e ainda é pouco encontrado mesmo em universidades estrangeiras. A demanda dos estudantes foi um dos principais motivos que levou à criação do bacharelado em Letras com habilitação em Produção Textual, curso oferecido pela PUC-Rio desde 2004 e que tem previsto para agosto deste ano a expansão de suas atividades.
No currículo, são combinados os conhecimentos básicos do curso de Letras, como Língua Portuguesa, Linguística e Literatura, a uma série de oficinas sob o formato de disciplinas opcionais, divididas em gêneros literários (poesia, roteiro, dramaturgia) e não literários (lexicografia, texto institucional e texto editorial). 
"A ideia é que o aluno faça seu próprio recorte dentro das ofertas", explica Paulo Henriques Britto, professor e supervisor da habilitação. Britto, que também é escritor e tradutor literário, conta que, além dos professores da universidade, as aulas são ministradas também por profissionais de cada ramo. 
"Pretendemos contratar escritores que, durante um semestre, possam ministrar a oficina voltada especificamente para o trabalho dele, como romancistas, poetas e roteiristas", afirma.
Além dos aspirantes a escritor, as oficinas também recebem inscrições de quem não está matriculado na graduação por meio do Projeto Abertura. Britto afirma que o curso é igualmente indicado a quem está interessado em fazer pós-graduação em literatura ou se tornar professor dessa disciplina. "Além de desenvolver o senso crítico necessário, ele vai saber de verdade o que é produzir um texto. É uma experiência muito enriquecedora", conta o professor.
Segundo ele, mesmo quem não está interessado no diploma pode aproveitar os recursos técnicos aprendidos nas oficinas para melhorar a redação de textos e o capital de leituras. No entanto, a nova habilitação por si só não é garantia de tornar mais fácil o relacionamento dos iniciantes com as editoras. 
"Acredito que, nessas horas, o que realmente conta é o talento. Se a pessoa já tem aptidão e passa por um curso desse tipo, ela vai crescer mais rápido e se abrir para possibilidades que ela nem saberia que existem se estivesse fora dele", afirma Britto.
A importância da dinâmica de troca verificada no ambiente acadêmico entre pessoas de todas as faixas etárias - bem como a de colaborar com ela - também é destacada pelo poeta Lucas Viriato, formando de uma das primeiras turmas da habilitação. 
"A vida universitária faz você entrar em contato com pessoas que compartilham seus interesses e vão acabar influenciando a sua produção", conta Viriato. "O segredo para aproveitar qualquer curso é ir de espírito aberto", garante.

Atualmente, ele edita o jornal Plástico Bolha, projeto que já publicou textos de mais de 300 poetas iniciantes e tem como objetivo dar continuidade aos encontros das oficinas literárias do curso. Viriato conta que a iniciativa desenvolvida ainda na graduação rendeu muitos contatos e oportunidades profissionais: além de receber centenas de textos por mês, a equipe do jornal foi convidada a apresentar o Prêmio Literário Portugal Telecom de Literatura Brasileira e está envolvida na organização do Labirinto Poético, evento promovido pela prefeitura do Rio. 

"No início, é preciso haver um embate saudável entre a figura do artista que busca a reclusão para criar e o produtor de si mesmo, senão você acaba ficando para trás", diz o poeta.


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