Espanha: A Igreja Deveria Pagar (Todos os seus) Impostos? – Por Lourdes Sada


Em maio deste ano, Zamora se tornou a primeira cidade da Espanha a obrigar a Igreja Católica a pagar o Imposto sobre Bens Imóveis [IBI, na Espanha; IMI, em Portugal; IPTU no Brasil; IPU em Angola]. Com a adoção dessa medida, o governo de Zamora está tentando reduzir o déficit que afeta tantos municípios espanhóis.

As redes sociais capturaram informações e uma variedade de comentários a respeito do assunto. Muitos se enfureceram com o fato de que a Igreja, detentora de muitas propriedades, não paga todos os impostos correspondentes:

Alguém poderia calcular quantas mamografias poderiam ser feitas com a arrecadação obtida caso a Igreja pagasse o IBI? “Com os 3 bilhões coletados com o IBI da Igreja Católica, não resolveríamos nada” Junho: o governo elimina MEDICAMENTOS que salvarão 440.

A Conferência Episcopal Espanhola se defendeu das acusações. Em seu site, um artigo de Isidro Catela [es] discute várias questões:

Então a Igreja não paga o IBI? Isto é falso. A Igreja paga o IBI em todas as suas propriedades que não são isentas pela lei.

A Igreja para os impostos municipais? Sim, ela os paga (coleta de lixo, estacionamento etc.). Não há isenções inesperadas na lei que rege estes impostos.

Quem está mentindo? Na realidade, todos e ninguém. É o típico caso de informação sendo manipulada para que se possa alterar as coisas a favor de alguém.

Há uma série de prédios que são isentos do pagamento do IBI. No caso da Igreja, os acordos com a Santa Sede (Vaticano) isentam do IBI os prédios destinados aos trabalhos intrínsecos à Igreja (pastoral, educativo, administrativo, alojamento, bem-estar…).

A Lei de Patronagem (ou Lei de Isenção) isenta do pagamento do IBI prédios cujos donos sejam entidades sem fins lucrativos, exceto aquelas que exerçam atividades que seja passíveis de outros impostos. Se considerarmos, como exemplo, a nova regra do município de Zamora, podemos entender as diferenças um pouco mais:

(…) os prédios inclusos no acordo da Santa Sede (…) e a Lei Mecenazgo (…) continuarão não pagando o imposto.

Reconhece-se, no entanto, que esta lista de prédios previamente isentos tenha sido atualizada, o que resultou na remoção de muitos deles dessa lista, o que consequentemente os fez passar a pagar o imposto. Isso é o que aconteceu com o Museu Catedral, anexo à Catedral. Enquanto o último continua isento, o Museu passou a gerar atividade econômica e, portanto, passou a pagar o imposto.

Com respeito a outras taxas e impostos municipais, o mesmo artigo clarifica:

O Conselho Municipal explicou ao Economista que, na verdade, a introdução da taxa do lixo agora se deve ao fato de que, antes, o custo estava incluso no IBI. Esses prédios da Igreja que geram lixo terão de pagar a taxa separadamente agora, já que antes essa questão era tratada individualmente como exceção em outros municípios espanhóis.

Em suma, parece que a Igreja Católica tem “mantido segredo” quanto ao pagamento do IBI e das taxas municipais sobre algumas de suas propriedades. Talvez não se some um grande valor, mas em momentos tão delicados da economia, quando tanto tem sido exigido das famílias espanholas, não seria pedir muito que a Igreja Católica servisse de exemplo, contribuindo com o que deve ao invés de dedicar seus esforços a justificar sua elisão fiscal.

Com um tom até mesmo ameaçador, Isidro Catela, da Conferência Episcopal mencionada acima, diz:

A Igreja continuará cumprindo sua missão com os meios disponíveis. É lógico que, com menos recursos disponíveis, as atividades poderiam ser afetadas, mas com mais ou menos os mesmos recursos, a Igreja continuará fazendo muito por aqueles que muito precisam.

E o site Navarre Church [es] reitera:

Se a lei diz que a Igreja deveria pagar o IBI, logicamente ela está sujeita à lei. (…). É óbvio que o pagamento desse imposto reduzirá os recursos da Igreja destinados a manter outras necessidades. (…)

Na verdade, a Igreja Católica realiza a maior parte de sua atividade humanitária através do Cáritas (Assistência e Caridade Católica Romana). Numa atitude pouco comum, essa organização pratica a transparência, publicando relatórios financeiros bastante inteligíveis em seu site [es] acerca dos últimos anos e deixando-os disponíveis para o público consultá-los, de tal modo que se pode ver os números reais, independentemente das opiniões de críticos e defensores.

Desse modo, podemos verificar que apenas uma pequena parte do total dos fundos que o Cáritas administra vem da Igreja enquanto instituição, na forma de contribuições do Fundo Interdiocesano e de organizações diocesanas.

No relatório de 2010, doações específicas dessas instituições não foram divulgadas, possivelmente por serem dispostas em outra seção, ou porque tais dados simplesmente não existiam.

De qualquer maneira, vendo esses números, não parece que a Cáritas tenha qualquer motivo para se preocupar [es] caso os municípios espanhóis resolvam ser mais enfáticos quanto às obrigações fiscais da Igreja.

Faz-se necessário notar que, em fevereiro desde ano, o governo italiano aprovou a cobrança de um imposto, similar ao IBI, em propriedades da Igreja que não fossem utilizadas para fins religiosos, de modo a adaptar sua legislação às regras de apoio governamental da UE, evitando também quaisquer multas da Comissão Europeia. 

Em maio, muitos MPEs (Membros do Parlamento Europeuespanhóis solicitaram à Comissão Europeia [es] que determinasse a compatibilidade ou incompatibilidade das isenções à Igreja na Espanha com as regras determinadas pela União Europeia.

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