Cartas de Londres: Religião é um assunto (muito) privado – Por Maurício Savarese


Quando um amigo me pergunta se os londrinos são religiosos ou não, me dou conta de quão pouco isso parece pesar no dia a dia das pessoas com quem convivo. Até agora me pareceu um não-assunto, exceto por uma pergunta de uma professora. 

“Me perdoe por ser muito rude, mas você está indo ao Vaticano porque é católico?” O meu “não” parece ter desfeito as expectativas dos meus colegas que leram nos jornais sobre a força da igreja na América Latina.

Até então nunca tinham me perguntado sobre o assunto, nunca perguntaram novamente. Achei a curiosidade natural, mas para os londrinos essa questão parece equivalente a ser flagrado em alguma situação desconfortável. Pelo visto, pode-se falar daquilo em que creem os outros, mas nunca se deve questionar a fé do seu interlocutor.

Foi isso que notei ao perguntar a um amigo. “Estranho você me perguntar isso”, diz ele, fã dos tradicionalismos britânicos, como a família real e chá até não poder mais. “Normalmente nós não perguntamos se alguém tem religião porque a premissa é que ninguém tem. Quem tem diz que tem, e se a pessoa não diz você logo sabe por ela nunca ter dito nada.”

Se no Brasil usamos o termo “católico não-praticante” para quem passou por rituais da religião majoritária mas já não segue seus preceitos, os britânicos aplicam a definição “nascido católico”. “Nasci católico, mas a verdade é que não sou mais religioso. Como minha família é, não saio dizendo que sou ateu ou agnóstico. Na verdade não ligo”, diz o meu amigo.

Ser católico no Reino Unido muitas vezes é o mesmo que ser anglicano. A religião, parte de um sisma que os católicos romanos tentam anular, é vista entre os jovens (ao menos entre os meus colegas) como indício de racismo, o que pode ser injusto, mas se confirma na única londrina religiosa que conheço.

Há poucas semanas, ela contou a outras meninas que não se sente atraída por negros nem indianos. Escândalo geral. “Não sei como ela pode dizer isso e pensar que ninguém vai ligar”, diz uma amiga, bastante ofendida. “Típica anglicana.” É também verdade que o sentimento anticlerical é amplo entre um grupo de mestrandos bastante liberais.

Se a eleição de um novo papa passa pela atração de novas gerações, inclusive em países onde a Igreja Católica de Roma tem questões importantes a resolver, o trabalho no Reino Unido promete ser bastante difícil.

Maurício Savarese é mestrando em Jornalismo Interativo pela City University London. Foi repórter da agência Reuters e do site UOL. Freelancer da revista britânica FourFourTwo e autor do blog A Brazilian Operating in This Area No Twitter. Escreve aqui às segundas-feiras.




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