A razão sempre tem dois lados, dois pesos e duas medidas - Por Leandro Tapajós



Feliciano, Joelma, Daniela, Jean Willys ou Alexandre Nero; de quem é a razão quando se fala sobre preconceito, religião e direitos humanos?  Os religiosos estão errados, os gays estão errados, a sociedade está errada, pois falta um sentimento maior de respeito mútuo e, algumas vezes, de respeito próprio.


Em um período marcado por discussões fervorosas entre ativistas políticos, artistas, público LGBT e religiosos uma coisa me chama a atenção e faz refletir: como somos egoístas

Mais que isso, gostamos de brigar e ter a pseudocerteza de que nossa opinião será acatada pelo outro, sem parar para pelo menos tentar entender (e aceitar) o ponto de vista alheio.

Falta alteridade. Alteridade para entender que religiosos seguem dogmas deixados por antepassados há anos e mais anos. Alteridade para entender que os desejos e o livre-arbítrio (pregado pelas religiões e doutrinas) são leis não escritas, naturais e soberanas; elas não se importam com ideologias e moralismos impostos por conceitos arcaicos, mas não menos arcaicos que a animosidade (ou animalidade) e desejo sexual plural inerente à natureza e espírito humano. A razão, nem de longe, é o principal atributo do homem.  
Nem todos os religiosos são alienados, pensam e falam besteiras, usam a palavra de Deus para extorquir ou suas batinas para esconder atos de pedofilia; nem todos os gays são afeminados, masculinizados ou promíscuos; nem toda mulher age como prostituta, embora uma minoria esteja nessa condição; nem todo homem supervaloriza o sexo e vê o adultério como lugar-comum. Um membro não representa o todo em nenhum grupo.
Com essa salada de acontecimentos das últimas semanas (embates pró e contra Feliciano, virais na web com Sátiras a Joelma, postagens com críticas a Jean Willys, ofensas e ideias sensatas compartilhadas) é preciso mensurar as atitudes e palavras de todos os lados. Os religiosos estão errados, os gays estão errados, a sociedade está errada, pois falta um sentimento maior de respeito mútuo e, algumas vezes, de respeito próprio.
Mas, tudo isso no fundo é bom. Suscitar a discussão (não o ódio sectário ou a violência) é saudável. Toda essa discussão e polêmica são análogas ao que já se viveu quando a sociedade tinha um senso comum diferente sobre o papel da mulher, do negro, das terras e grupos tidos como inferiores e que hoje são independentes.
O outro

Falar o que a cantora Joelma ou o que o deputado Marco Feliciano falou é no mínimo ingênuo, mas de qualquer modo feriu o ‘outro’.
Ir a um local de culto, beijar na boca uma pessoal do mesmo sexo e postar fotos do ato na internet também feriu o ‘outro’.  
Bater, achincalhar, ou até assassinar, pessoas por elas se vestirem de modo diferente do “aceitável” ou por duas pessoas do mesmo sexo demonstrarem carinho no meio da rua é ferir o ‘outro’.
O homossexual afetado ou até mesmo o hetero que gargalha, faz gestos despudorados e atenta contra o pudor, em locais públicos frequentados por famílias “conservadoras”, fere o outro. Para tudo há hora, público e lugar.  O comportamento em uma boate não às 2h não se assemelha ao comportamento exigido em uma escola, restaurante ou igreja durante o dia.
Os dois lados   

Ninguém consegue sentir a dor do outro. Uma mãe, ou pai, não sabe o que é a dor de um filho rejeitado pela família. Um filho não sabe o que é a dor de uma mãe que tem seus ideais feridos ao descobrir que o seu filho é ‘diferente’.  

Uma pessoa segura de sua sexualidade não sabe o que é a dor do outro que sofre sem se conhecer de fato, ou que vive um casamento forjado e forçado. O heterossexual (machão) que se compraz em ridicularizar o homossexual não sabe o que é a dor de ser humilhado, servir de chacota. 

A mulher que humilha e difama o homem impotente sexualmente não sabe o que é a dor de viver impotente. O traidor não sabe o que é a dor de se descobrir traído. O magro que olha com “olhar torto” para o obeso não sabe o que é lutar contra algo como a obesidade mórbida. A razão sempre tem dois lados, dois pesos e duas medidas.  

Precisamos de alteridade para (como Jesus citou), verdadeiramente, amar e respeitar o outro, seja ele aquele que é oprimido, ou o que é opressor. Afinal, não somos todos pecadores?  
Falta humildade para dizer: errei. Falta humildade para dizer: excedi. Falta humildade para dizer: aceito. Falta humildade para dizer: perdão.  
O amanhã

De qualquer modo, há, pelo menos para mim, esperança de ver um mundo no qual políticos serão profissionais qualificados (com formação acadêmica e plural; profissionais escolhidos pelo povo que previamente estudem um pouco de noções de antropologia e entendam o significado de “etnocentrismo” e o contextualize).
Há esperança de viver em um mundo no qual os preceitos religiosos (sejam eles os mais variados) sejam respeitados de fato, sem o desejo de se impor o Deus ou práticas “mais corretas” e “verdadeiras”. Há esperança de não precisar mais noticiar embates entre grupos após declarações ou revelações. 
Um dia, olharemos para trás e veremos os alardes de hoje como vemos a forma de pensar de escravocratas e machistas de séculos passados.
Um dia, tudo isso serão lembranças de um passado nebuloso. Espero poder viver em um mundo no qual política e religião não caminhem lado a lado. Um mundo no qual o gênero, o desejo sexual e os dogmas religiosos não sejam motivos de atrito, mas de felicidade. No qual se conjugue as palavras respeito e amor no plural.

Se eu te amo (como Deus, seu Filho e várias divindades e santos pregaram) eu te respeito, te aceitando como você é, independentemente de sua forma de pensar, vestir ou sentir prazer físico.  Que a moral se balize no conceito do amor. Que a razão prevaleça e se balize também no princípio de amor.
Espero poder trabalhar com notícias que retratam a boa convivência entre cristãos e gays – pois, há cristãos que são gays e gays que são cristãos. Notícias diferentes das que, via de regra, se publicam ultimamente. Para isso: menos egoísmo, menos “eu”, mais alteridade, mais “nós”.  Mais amor, no sentido amplo da palavra. 

*Leandro Tapajós,28, é artista plástico e jornalista   





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